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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

4.2 Contexto de estudo

A coleta de dados para esse estudo foi realizada no Grupo de Assistência a Transtornos Alimentares – GRATA, serviço de referência no tratamento de pessoas com transtornos alimentares. O programa foi implantado em 1982 junto ao Ambulatório de Nutrologia do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP).

Trata-se do primeiro do grupo multidisciplinar de atendimento aos transtornos do comportamento alimentar no Brasil (Dos Santos, 2006). A equipe responsável pelo serviço, no período da coleta, era composta por médicos nutrólogo e psiquiatra, nutricionistas, psicólogos e estagiários da graduação em psicologia e nutrição. Todos os pacientes atendidos pelo GRATA passam por consultas individuais com essas quatro especialidades profissionais. O GRATA também oferece grupos terapêuticos aos pacientes (Grupo Informativo- Nutricional e Grupo de Apoio Psicológico) e aos familiares (Grupo Informativo e Grupo de Apoio Psicológico). É obrigatório que o paciente e pelo menos um de seus familiares frequentem os grupos nos dias de consultas agendadas (exceto para aqueles que não possuem indicação para grupos). A frequência dos retornos varia de acordo com a gravidade do quadro

clínico de cada paciente. É pré-requisito para o tratamento no GRATA que o paciente esteja em acompanhamento psicoterápico, dado as características etiológicas da doença.

A atuação da pesquisadora, enquanto profissional na equipe do GRATA, permitiu um maior conhecimento e aproximação com o contexto de estudo, o que facilitou a condução da pesquisa. Foi possível encontrar melhores formas de organizar a coleta de dados, assim como, despertou outras possibilidades de olhares para os dados obtidos (Minayo, 2012).

4.3 Participantes

Os participantes desta pesquisa são pacientes do sexo feminino do GRATA, que passaram pelo serviço no período da coleta de dados, e seus respectivos pais (progenitores do sexo masculino), que se mostraram disponíveis a participarem do estudo. Portanto, a presente pesquisa contou com uma amostra de conveniência. Foram definidos como critérios de exclusão da díade pai-filha a presença de déficits cognitivos, motores ou de linguagem, no pai ou na filha, que inviabilizassem o uso dos instrumentos definidos para a coleta de dados.

Optou-se por não se fazer uma restrição de diagnóstico para a seleção das participantes. Apesar das diferenças na etiologia e prognóstico entre as diferentes patologias consideradas TAs, existe uma sobreposição dos sintomas clínicos, que muitas vezes se misturam e dificultam a diferenciação entre os quadros (Santos, 2006). Gabbard (2006) aponta para a proximidade dos aspectos psicodinâmicos envolvidos na etiologia dessas doenças. Além disso, a presença da figura paterna é rara no contexto de assistência aos TAs, o que reduz o número de participantes, a seleção de diagnósticos, reduziria ainda mais.

O presente estudo é caracterizado como uma investigação clínico-qualitativa (Turato, 2003). Desse modo, o número de participantes foi definido quando se atingiu a saturação teórica, ou seja, quando novos dados não aportaram novos conhecimentos, que permitissem ampliar a compreensão do fenômeno estudado (Fontanella et al., 2011). O número de participantes deve ser delimitado a partir da riqueza dos dados fornecidos, sendo importante que revelem as semelhanças e diferenças dentro do grupo investigado (Barbieri, 2009).

Com o intuito de preservar a identidade dos participantes, seus nomes foram substituídos por nomes fictícios, assim como, de todos os familiares, animais de estimação e sobrenomes que serão mencionados ao longo do estudo. A Tabela 1 lista os nomes e idade de pai e filhas, o diagnóstico de TA das filhas, suas medidas antropométricas (peso corporal, altura e Índice de Massa Corporal - IMC) e comorbidades psiquiátricas diagnosticadas. Esses dados foram retirados dos prontuários das pacientes.

Tabela 1. Caracterização das díades segundo idade, diagnóstico, peso, altura, IMC e comorbidades psiquiátricas das filhas na ocasião da coleta. Díade Idade (anos) Filha

Filha Pai Diagnóstico Peso Altura IMC Comorbidades

TA Corporal (Kg) (m) (Kg/m²) psiquiátricas

Vânia – Laércio 19 55 BN 52,1 1,64 19,4 Traços emocionalmente instáveis de personalidade

Jaque –Edson 33 74 AN-B 49,3 1,64 18,3 Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável

Edilaine – Darci 24 45 AN-R 35 1,56 14,3 Episódio Depressivo moderado

Traços obsessivos compulsivos de personalidade Traços emocionalmente instáveis de personalidade Tânia – Edmar 16 42 BN 58,2 1,61 22,45 Traços emocionalmente instáveis de personalidade Tâmara – Alfeu 23 52 AN-R 39,8 1,55 16,6 Transtorno de Ansiedade Generalizada

Traços obsessivos compulsivos de personalidade Traços emocionalmente instáveis de personalidade Dália – Everaldo 17 37 AN-R 57,9 1,7 20,03 Traços emocionalmente instáveis de personalidade

A maioria das filhas havia recebido diagnóstico de AN, três do tipo restritivo (Edilaine, Tâmara e Dália) e uma do tipo purgativo (Jaque). Duas participantes tinham diagnóstico de BN (Vânia e Tânia). A maioria delas possuía IMC dentro da faixa considerada normal, que seria entre 18 e 25 kg/m²; apenas duas participantes possuíam IMC abaixo do esperado (Edilaine e Tâmara).

A idade das filhas variou entre 16 e 33 anos, enquanto os pais abarcaram uma faixa etária maior, entre 37 e 74 anos. Todas as participantes foram diagnosticadas com traços de personalidade emocionalmente instável. De acordo com a equipe de psiquiatria, apenas Jaque foi diagnosticada com Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável (TPEI). O TPEI aproxima-se ao Transtorno de Personalidade Borderline estabelecido pelo DSM-IV-TR (Associação Americana de Psiquiatria, 2002). É importante lembrar que indivíduos menores de 18 anos, como algumas das participantes desse estudo, não podem receber diagnóstico de Transtorno de Personalidade.

4.4 Instrumentos

Para a coleta de dados, a fim de atender aos objetivos do estudo, foram utilizados como instrumentos: um roteiro de entrevista semiestruturada com o pai (Apêndice A) e com a filha (Apêndice B) e aplicação do Procedimento de Desenhos de Família com Estórias (DF- E), também com ambos. A pesquisadora utilizou um gravador de áudio digital para a gravação da aplicação dos dois instrumentos.

O roteiro de entrevista semiestruturada foi delineado com base na literatura disponível e na experiência anterior do grupo de pesquisa, ele contava com dois momentos: (1) levantamento dos dados sociodemográficos do participante e da família (nome, idade, escolaridade, estado civil, profissão/ocupação, religião e renda familiar) e (2) questões relativas sobre sua relação com o outro da díade pai-filha (como que esta vem se constituindo, desde o nascimento da filha até os dias atuais; se houve alterações após o aparecimento do TA e quais são as perspectivas para o futuro); se percebem influências dos outros membros do contexto familiar no relacionamento entre eles (se existe, como que acontece) e se existe a participação do pai no tratamento da filha (se existe, como que ela se dá).

O procedimento de Desenhos de Família com Estórias (DF-E), instrumento gráfico projetivo de investigação da personalidade, foi introduzido por Trinca (1972) como um instrumento auxiliar na investigação clínica de personalidade, a ser utilizado dentro do contexto do diagnóstico psicológico (Trinca, 1989, 1990, 2013). Desse modo, foi proposto

como um recurso auxiliar à entrevista clínica, permitindo ampliar e aprofundar o exame das principais áreas de conflito psicológico. Trata-se de uma adaptação tanto de instrumentos gráficos quanto de procedimentos temáticos. Teve sua origem no instrumento gráfico do Desenho da Família (Corman, 1967) e foi desenvolvido a partir dos padrões do Procedimento de Desenhos-Estórias (Trinca, 1976), que é um procedimento aperceptivo temático.

A aplicação do DF-E requer folhas de papel em branco, tamanho ofício, cronômetro, lápis preto n° 2, borracha e caixa de lápis de cor com 12 cores. É necessário que seja aplicado por psicólogos devidamente preparados. O DF-E foi escolhido por permitir detectar conteúdos e processos emocionais inconscientes e conscientes que dizem respeito às relações que o sujeito estabelece com seu mundo familiar (Trinca, 2013).

Inicialmente, a aplicação do DF-E era direcionada para as faixas etárias de 5 a 15 anos, sendo mais tarde estendida a todas as idades e a uma vasta gama de situações emocionais (Trinca, 1989). Nas palavras do autor, “destina-se a sujeitos de ambos os sexos, de qualquer idade cronológica em que seja possível a aplicação, podendo pertencer a todos os níveis mentais, socioeconômicos e culturais” (Trinca, 2013, p. 212). A última versão apresentada por Trinca (1989; 2013), que será utilizada no presente estudo, requer que o participante realize uma bateria de quatro desenhos de família (cromáticos ou acromáticos, a partir da sua escolha), cada um servindo-lhe de estímulo para que conte uma estória após a realização de cada desenho.

Cada desenho de família tem uma instrução definida, na ordem, as instruções são as seguintes: “desenhe uma família qualquer”; “desenhe uma família que você gostaria de ter”; “desenhe uma família onde há alguém que não está bem” e “desenhe sua família”. Após a elaboração de cada desenho e da estória, é pedido que o participante forneça eventuais esclarecimentos sobre sua produção (fase de inquérito) e, finalmente, que dê um título à estória (Trinca, 2013).

O DF-E é um recurso auxiliar no processo psicodiagnóstico, para o qual não se dispõe de dados normativos. Vale ressaltar que o DF-E se trata de um procedimento clínico. A partir dele, “o sujeito tem a oportunidade de expressar suas dificuldades e seus conflitos de modo indireto, ou seja, por meio de enredos, personagens, temas, traços, dramas e outros aspectos, em que a ficção desempenha um papel preponderante” (Trinca, 2013, p. 212). Para Barbieri (2013), a utilização do DF-E de forma cruzada entre membros de uma família, conforme foi realizado nesse trabalho, “permite compreender a natureza essencial das relações familiares, a reatualização das experiências dos pais nos filhos, além dos choques entre os pontos conflitivos de ambos, que geram entraves no amadurecimento emocional” (p. 273).

Brito (2013) verificou que o DF-E é utilizado por profissionais da área da psicologia desde o ano de 1978. Ao longo dessas mais de três décadas de história, o procedimento vem sendo divulgado por pesquisas científicas que demonstram sua eficácia enquanto instrumento clínico-qualitativo. O material obtido com a aplicação do DF-E, além de ampliar o conhecimento sobre a própria técnica, contribui com a investigação da dinâmica da personalidade dos indivíduos e das suas relações familiares.

Porto (1985), Brasil (1991) e Lima (1991) utilizaram a técnica, além de Paula (2000), que utilizou este instrumento para investigar o relacionamento entre mãe e filho adolescente atendido em serviço psicológico. Mais recentemente, Andrade (2013) aplicou o DF-E em pais que perderam pelo menos um de seus filhos ainda crianças. Barbieri (2013) aplicou o DF-E na díade mãe-filha, na qual a filha estava em processo de avaliação para iniciar segmento psicoterápico. O cruzamento dos dados obtidos com as duas aplicações possibilitou uma melhor compreensão dos motivos e as queixas que levaram a mãe a procurar atendimento psicológico para a filha. Em todos esses estudos, o DF-E mostrou-se como um facilitador na obtenção de informações pertinentes ao objetivo dos estudos, ratificando os benefícios da escolha deste instrumento no presente estudo.