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O papel do pai na teoria do desenvolvimento emocional

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

1.4 Marco teórico: a teoria do desenvolvimento emocional

1.4.1 O papel do pai na teoria do desenvolvimento emocional

Winnicott, seguindo uma vertente psicanalítica própria, baseada em uma teoria do amadurecimento humano, também dá um papel de destaque à função materna ao longo de sua obra (Fungêncio, 2007). Todavia, a teoria do desenvolvimento emocional desenvolvida pelo autor propõe que, a cada etapa do amadurecimento, há necessidade de elementos conceituais diferentes. O mesmo pode ser expandido para a função paterna, que a cada etapa do desenvolvimento ocuparia uma função diferente. Em relação a essa questão, Fungêncio afirma:

ao invés de ocupar, como ocorre na psicanálise tradicional, um lugar praticamente invariável, o de interventor devido à centralidade do Édipo, este papel se altera a cada etapa do amadurecimento, segundo a necessidade e a tarefa do amadurecimento que se apresenta (p. 13).

Percebe-se, portanto, que Winnicott chama a atenção para o papel da função paterna antes do despertar dos conflitos edípicos. De acordo com o autor, Freud, ao focar seus estudos em pacientes neuróticos, enfatiza a participação do pai durante a manifestação dos desejos de caráter genital nos filhos. Todavia, para Winnicott (1969/1994), existem muitas pessoas que se quer alcançam a vivência do complexo de Édipo. Nesse sentido, os estudos acerca dos pacientes fronteiriços e psicóticos, funcionamentos psíquicos que precedem o relacionamento triangular, contribuíram nas últimas décadas para a expansão dos pressupostos de Freud, incluindo a investigação do papel do pai na vida do indivíduo em etapas anteriores.

Winnicott (1983/2008) considera as condições ambientais como elementos cruciais para o desenvolvimento da criança. Ao incluir o pai como parte deste ambiente, o autor questiona o que, de fato, a presença real paterna provoca no desenvolvimento do filho?

Segundo os pressupostos winnicottianos, o fato do pai “achar-se lá ou não, se é capaz de estabelecer um relacionamento ou não, se é são ou insano, se tem personalidade livre ou rígida” (Winnicott, 1969/1994, p.188) repercute de maneiras diferentes no desenvolvimento da criança desde seu nascimento. Segundo o autor, o pai adquire função até mesmo se falece antes do nascimento do filho ou durante sua infância, já que ele está presente na realidade interna da mãe que é dividida com o filho.

Nas fases iniciais, quando a criança está no estágio de dependência absoluta, as funções paternas ainda não estão relacionadas à sua identidade masculina. O principal atributo dado ao pai seria o de ajudar a mãe nos cuidados com a criança, funcionando em alguns momentos como uma “mãe substituta” (Fungêncio, 2007).

Winnicott (1956/2000) propõe que a mãe, desde os últimos meses de gravidez, entra em um estado de “preocupação materna primária”, no qual ela tem sua sensibilidade aumentada para as necessidades da criança. Assim, a mãe aparece como a pessoa mais indicada para os cuidados do bebê. Cabe ao pai assumir a importante função de, além de ajudar temporariamente a mãe nos cuidados com a criança, proteger a dupla mãe-bebê de tudo o que possa interferir na harmonia do vínculo que se estabelece entre ambos. Dessa forma, a maior contribuição do pai nesse momento inicial seria garantir sustentação, proteção, apoio moral e emocional à mãe, para que esta seja poupada de preocupações externas e possa se preocupar profundamente com o bebê (Dias, 2003).

No estágio de dependência relativa, quando a mãe inicia o processo de desilusão do bebê, ele vivencie mudanças importantes em termos de desenvolvimento. Todavia, as conquistas ainda estão extremamente pautadas na díade mãe-bebê. As transformações adquiridas referem-se aos primeiros passos da separação desta unidade, caminhando para a conquista da identidade pessoal (Winnicott, 1971/1975).

Mesmo que o pai ainda não se insira na relação, sua presença continua tendo importância e ganhando novos contornos e funções. Além de continuar protegendo a relação mãe-bebê, cabe ao pai amparar a mulher na saída do estado de “preocupação materna primária”, ajudando-a a resgatar outros aspectos da sua existência feminina (e não só o papel de mãe), que até então estavam esquecidos com a dedicação quase que exclusiva ao bebê (Winnicott, 1969/1994).

Além disso, o pai também poderá ser o primeiro modelo de integração para a criança, antes mesmo que o bebê vivencie a experiência de integração, pelo fato de nunca ter estado misturado com o bebê como a mãe esteve (Winnicott, 1969/1994). Assim, na perspectiva winnicottiana, o pai aparece em um momento anterior ao contexto de edipiano (no que se

diferencia do pai configurado pela psicanálise tradicional), com a função de ser um modelo de integração (Winnicott, 1971/1975).

A terceira etapa, rumo à independência relativa, inicia-se com a não existência ainda do pai como tal e termina com a sua participação como terceiro elemento no triângulo edípico. Nessa etapa, a criança vivencia os sentimentos de ambivalência entre “amor” e “ódio” pela mãe, sendo levada a controlar sua impulsividade destrutiva e a se responsabilizar por ela. A criança passa a vivenciar a fase do concernimento, depois de tornar-se um ser unitário, quando está desenvolvendo a habilidade de assumir as responsabilidades pela sua destrutividade. Nesse período, o papel do pai é de extrema importância devido à sua firmeza e capacidade de intervir e colocar limites. Assim, a criança pode contar com o suporte do pai para conter seus impulsos agressivos contra a mãe: o pai tem a função de “por limites” (Dias, 2003). Com a figura do pai presente para garantir esse controle, a criança tem a possibilidade de experimentar seus impulsos sem temor de sucumbir a eles, para conhecê-los e aprender a controlá-los por si só.

Somente após a conquista da identidade unitária e da integração dos impulsos é que a criança vivenciará o complexo de Édipo. Neste momento, a criança já contou com o pai para a proteção contra seus próprios impulsos e começa a perceber que existe uma relação especial entre pai e mãe, da qual ela não faz parte, ou seja, ela é terceira na relação, o que irá despertar sentimentos de amor e ódio em relação às figuras parentais (Dias, 2003).

Nesse momento do processo de amadurecimento emocional, as referências em relação à figura paterna tornam-se mais presentes na obra winnicottiana, assim como, em relação ao grupo familiar. Agora, o pai, além de ser suporte da relação mãe e filho e proteger a mãe da impulsividade da criança, também é interditor dos desejos sexuais do filho em relação ao progenitor do outro sexo. Winnicott coloca que o pai maduro é aquele que consegue impedir que o filho invista em fantasias desconectadas da realidade (como o persistente investimento libidinal na mãe), sem com isso tolher a criatividade do filho, nas palavras de Fungêncio (2007),

O pai, homem real, ao mesmo tempo em que aceita a rivalidade, não desautorizando, nem desmerecendo a fantasia, faz a sua parte e realiza o ato objetivo de intervir na consecução dos desejos da criança, impedindo, por exemplo, que esta, sistematicamente, durma com a mãe na cama do casal. Mas, ao mesmo tempo em que intervém, podendo até zangar-se, ele continua cuidando da criança, como sempre o fez, a partir da real maturidade dela. Depois da intervenção, aceita o eventual convite para andar de bicicletas ou, antes de dormir, lê para ele o livro de histórias, retomando com o filho a vida comum (p. 118).