• Nenhum resultado encontrado

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1 Caracterização sociodemográfica dos participantes

5.2.5 Díade Everaldo-Dália

Estou cansado de bater e ninguém abrir Você me deixou sentindo tanto frio Não sei mais o que dizer (Renato Russo, Meninos e Meninas)

Caracterização

A coleta com a díade Everaldo-Dália se deu em duas sessões, na seguinte ordem: sessão com o pai (entrevista semiestruturada e aplicação do DF-E); um mês depois, sessão com a filha (entrevista semiestruturada e aplicação do DF-E).

Everaldo, 38 anos, é pai de Dália, 17 anos, a segunda filha de uma prole de três. O pai era casado com a mãe de Dália, Edna (36 anos, auxiliar de cozinha), havia 17 anos. O primeiro filho do casal, Israel (19 anos), havia concluído o ensino médio e trabalhava na mesma função que o pai, os dois eram repositores. O filho mais novo, Tales (16 anos), cursava o segundo ano do ensino médio e um curso técnico. Moravam no mesmo lar o casal e os três filhos.

Em conversa com Edna, alguns dias após a coleta com a díade, descobriu-se que a família morou em uma edícula nos fundos da casa da avó materna de Everaldo. Por insistência da mãe, eles alugaram uma casa e haviam se mudado recentemente. Segundo a mãe, a mudança se deu porque eles dormiam todos em um único quarto, o que era muito desconfortável para a família. Além disso, disse que ela e a avó de Everaldo se desentendiam com frequência. Esses dados não apareceram nas conversas com o pai e com a filha.

Entre as participantes do presente estudo, Dália era a filha com menos tempo de tratamento no GRATA. Na ocasião da coleta com o pai, contava apenas com um mês de seguimento no serviço. A paciente viera encaminhada pela psiquiatria do Hospital das Clínicas, serviço do qual ela havia acabado de receber alta de uma internação de três meses. A participante afirmou que não se via com TA, para ela, somente pessoas “muito magras” podiam ser diagnosticadas com essas “doenças”. Dália disse acreditar que foi internada devido às suas eventuais “quedas”, como ela própria as nomeia. De acordo com ela: “é uma sensação ruim, aí de repente eu caio”. Não foram encontradas causas orgânicas para as “quedas” de Dália. Bem como, não foram caracterizadas como desmaios. Elas já foram observadas em vários locais e em diferentes circunstâncias, inclusive, no contexto da internação. A aparência emagrecida e as repentinas “quedas” preocuparam pessoas que

conviviam com Dália, que levaram o caso ao Conselho Tutelar. Os pais, que ainda não haviam procurado tratamento para a filha, foram denunciados por negligência. Após a ordem de um mandato judicial, eles buscaram tratamento para a filha. Devido aos riscos de vida pelo baixo peso e às supostas quedas, Dália ficou internada na psiquiatria do Hospital das Clínicas por três meses.

Durante o período de coleta com a díade, o pai foi o único familiar de Dália que a havia acompanhado nas suas consultas ao GRATA. A mãe ainda não havia tido nenhum contato com a equipe. O pai relatou que o trabalho dele era mais permissível do que o da mãe para conseguir dispensa e estar presente. O contato com ele foi feito em um dia de retorno da filha ao GRATA. Ele concordou em participar do estudo e a coleta foi iniciada, em uma sala reservada do Hospital das Clínicas. Embora Everaldo tenha conseguido responder o que lhe fora solicitado, parecia que ele ainda não estava familiarizado com aquele ambiente; como se não soubesse exatamente o que estava fazendo ali. Apesar de uma postura infantilizada, sua aparência trazia rugas e marcas que denotavam para uma vivência sofrida.

A coleta com Dália foi realizada um mês após o encontro com o pai. A participante havia conseguido uma boa recuperação do peso já na internação. Contudo, apesar de não se dizer anoréxica, o seu desejo de emagrecimento apareceu explícito. Já com um peso dentro do esperado para sua idade e altura, ela disse que gostaria de perder “pelo menos uns dez quilos”. Dália aceitou participar da pesquisa com desconfiança.

Dália era alta, de cabelos cacheados e presos. Em um dia de calor, vestia tênis, calça jeans e um moletom cor de rosa. Ela exibiu uma aparência séria e pouco sorridente. Demonstrou evitar se aproximar da pesquisadora. Em momentos de relatos tristes, como quando referiu sobre o seu desejo de morrer, de modo dissociado, ela sorriu. Sua apresentação soou menos defendida quando contou que gostava de música. Disse que tocava teclado e violino.

Everaldo: “Se eu for por em porcentagem, eu fui péssimo pai, porque eu não fui pai”

Síntese da entrevista

Com simplicidade e uma fala tranquila, Everaldo (38 anos) contou sobre sua história de vida. O participante disse que casou “novo”, aos 18 anos de idade. Segundo ele, seu casamento se deu quando sua esposa, Edna (36 anos), ficou grávida do primeiro filho do casal, Israel (19 anos). Em seguida, tiveram Dália (17 anos) e Tales (16 anos). De acordo com

ele, nenhum de seus filhos foi planejado. Disse que, na época, a família enfrentava muitas dificuldades financeiras, principalmente, na ocasião do nascimento de Dália. O participante revelou acreditar que por isso sua esposa foi muito rigorosa e pouco carinhosa nos cuidados da filha. Nesse início, somente ele trabalhava para a esposa cuidar dos filhos, o que, de acordo com ele, tornava a situação financeira do casal ainda mais difícil. Everaldo contou que foi criado pela avó materna. A falta de recursos financeiros e o intenso trabalho na roça dos pais fizeram com que eles o deixassem sob os cuidados da avó. Seus pais residiam juntos, na mesma cidade que ele. Everaldo tinha três irmãos mais novos, porém sua avó disse que se responsabilizaria pelos cuidados do mais velho, que era ele. De acordo com o participante, sua avó lhe dava “alimento” para levar aos irmãos.

Everaldo disse que foi criado junto aos seus tios, “como irmãos”. Segundo ele, a avó “tinha uma forma de criar os filhos que queria eles todos solteiros”. Disse que ela gostaria que ficasse solteiro como os tios, porém, nas palavras de Everaldo: “eu quebrei a regra e sai”. O participante referiu que esse modo de criar da avó não lhe “ajudou muito”. Contou que foi “criado muito independente, cada um na sua; não teve muito afeto”. Tudo isso, na visão dele, teria dificultado ser um pai mais “carinhoso”.

Sobre seu relacionamento com os pais, Everaldo disse que tinha contato com eles. Todavia, conforme explicou, a relação com eles não foi de uma “forma materna e paterna”. Disse que sentia “vergonha” de chamar seu pai de “pai, porque não tinha costume”. Contou que só foi chamá-lo de pai aos 18 anos de idade, segundo ele, “por obrigação”. Seus filhos também não se dirigiam a ele como pai, nem a Edna como mãe. Dirigiam-se aos pais pelo primeiro nome. Everaldo disse que se sentia “um pouco culpado”, afirmando que “faltou um pai” para seus filhos. Revelou que gostaria de ter sido um pai “mais afetivo”. Ele se justificou, dizendo que como não recebeu muito afeto dos pais, não conseguia ser afetuoso com os filhos.

O participante disse que se deu conta de que Dália “sentia falta de um pai” quando, durante sua internação, ela havia lhe perguntado se poderia chamá-lo de “pai”. Ele contou que respondeu que “sim”. Segundo ele, depois dessa pergunta, a filha ainda não havia se dirigido a ele dizendo e dito: “oh, pai”. Quando os filhos eram mais novos, Everaldo disse que “era moleque naquela época”, que “gostava de sair e jogar bola com os amigos”. Com isso, seus filhos “ficaram mais com a mãe”. Pelo fato dos outros serem “homens”, o participante acreditava que eles “superaram” com mais facilidade a falta do pai, diferente de Dália.

Na opinião do participante, Dália “foi a mais castigada” entre seus filhos. Sua esposa, Edna, teria sido muito rígida com a filha. Segundo ele, a mãe “bateu” e “judiou muito dela”.

Por isso, nas palavras dele, “as pessoas falam que um pouco do que aconteceu com a Dália a culpada foi a mãe”. Everaldo disse que observava as atitudes da esposa e pensava que ela poderia não estar certa, mas nunca chegou a intervir. Segundo ele, ela era “um pouco nervosa” e “perdia o controle”. Afirmou que esse comportamento da esposa se dava porque ela “também apanhou muito”. Todavia, na visão dele, a esposa “superou” esse modo de criação, “só que os filhos sentiram mais”.

Everaldo disse que, após o início do tratamento da filha, decidiu que iria agir de maneira “diferente”. Nas palavras dele: “eu disse que queria levar esse caso [tratamento] dela até o fim, que eu que iria acompanhar”. O pai contou que fazia cerca de quatro anos que a filha enfrentava dificuldades na alimentação e sofria com os “desmaios”. Havia um ano e meio que, segundo ele, “ela começou a desmaiar muito”, quando eles descobriram que ela tinha “anorexia”. Fazia alguns meses que ela começou a ter “uns ataques de querer se matar e chamaram o Conselho Tutelar”, quando Dália acabou sendo internada no Hospital das Clínicas. O pai contou que a situação “foi uma surpresa” e que eles “perderam o chão”. Na ocasião, ele disse que tentava evitar que a filha não se sentisse “culpada” por estar lhe “atrapalhando no trabalho”.

Após a internação de Dália, o pai disse que as suas “quedas diminuíram”. Quando elas aconteciam, disse que buscava conversar com a filha e lhe dar carinho. Everaldo afirmou que poderia ajudar a filha lhe dando “mais afeto”. Referiu que com o início do tratamento de Dália, eles estavam “enxergando os filhos mais de perto”, inclusive os outros dois que também se abalaram com a situação da irmã. Segundo o pai, na escola todos ficavam pedindo aos irmãos informações sobre a saúde de Dália, o que os deixava “com vergonha”.

O participante disse que sua filha “sempre foi muito inteligente”, que “era muito agarrada no que ela queria fazer” e era uma “excelente filha”. Referiu que ela gostava de tocar teclado e flauta. Everaldo disse que seus três filhos “gostavam de música” e acreditava que a “música era uma terapia para eles”. Apesar de perceber o bom desempenho da filha naquilo que ela se propunha a fazer, o pai disse que nunca foi de “chegar e elogiar”. Por fim, Everaldo, paradoxalmente sorrindo, afirmou acreditar que, se fosse colocar “em porcentagem”, teria sido um “péssimo pai”. Ele revelou acreditar que “se tivesse sido pai, essa situação não teria se agravado dessa forma”. Segundo ele, começou a se ver como pai depois da internação de Dália.

Procedimento de Desenhos de família com Estórias (DF-E)

a) Primeira unidade de produção: “Uma família qualquer”

Figura 31: Primeiro desenho de Everaldo no DF-E

Tabela 32. Primeira estória de Everaldo no DF-E

Título Uma nova estória, uma reviravolta

Estória Assim oh, vamos supor que seja eu, minha esposa, o mais novo tava jogando bola, o mais velho tocando violão e a Dália tocando teclado [silêncio]. (Como que eles

estão se sentindo?) Como eles estão sentindo? Oh, eles estão se sentindo bem

porque eles estão sendo observado agora... Eles estão se sentindo bem, eles estão sendo mais observados de uma forma diferente. (Por quem?) Por mim e minha esposa. (Título?) “Uma nova história, uma reviravolta”.

b) Segunda unidade de produção: “Uma família que você gostaria de ter”

Figura 32: Segundo desenho de Everaldo no DF-E

Tabela 33. Segunda estória de Everaldo no DF-E

Título Unidade

Estória Ah sim, uma família um olhando um para o outro, os filhos olhando para os pais e tendo um reflexo dos pais de um modo diferente, no meu caso, o modo diferente que já teve no passado, por quê? Tendo uma família unida, com um olhar para o outro, a perspectivas de vida e o sucesso dos filhos será maior, eles não terão dificuldade no dia de amanhã, naquilo que eles vão fazer, nos próprios objetivos e até mesmo construir uma família lá na frente, então, que eles não venha enxergar assim nos pais, enxergar em nós, algo muito ruim, negativo, que eles não tiveram lá atrás, para que eles possam ter uma família saudável lá frente, e saber lidar, se acaso eles vier casar, sabe lidar com as situação difícil que vier na vida deles, porque todo mundo tá sujeito a isso, então, pra mim, uma família ideal seria assim, um olhando pelo outro, suportando um ao outro, mas extraindo o elemento principal, que é a unidade, e tendo essa unidade dentro desse comportamento, o dia de amanhã será assim, mais sólido, mais fácil de superar as dificuldades naquilo que cada um vai enfrentar. (Título?) “Unidade”!