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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

1.3 Transtornos alimentares e a presença do pa

1.3.1 Revisão Integrativa da Literatura

A revisão integrativa da literatura teve como norte a seguinte questão de estudo: “o que a literatura científica disponibiliza sobre a figura paterna no contexto dos TAs?”. Para garantir a abrangência nacional e internacional da pesquisa, foram utilizadas as seguintes bases indexadoras: PubMed (base de dados internacional, desenvolvida pela NLM - National Library of Medicine); CINAHL (base internacional da área da enfermagem); PsycINFO (base internacional que disponibiliza produções científicas da área da psicologia, educação, psiquiatria e ciências sociais) e LILACS (base de dados da América Latina e Caribe, que aborda trabalhos da área das ciências da saúde).

Na busca, foram utilizados de modo combinado descritores do DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), sendo eles: transtornos alimentares (eating disorders), pais progenitores do sexo masculino (fathers), relações pai-filho (father-child relations) e relações familiares (family relations). A revisão abrangeu o período de janeiro de 2000 a junho de 2014. A última atualização foi feita em junho de 2014.

Maior número de artigos foi encontrado a partir da combinação dos descritores “eating disorders” e “family relations”. Observou-se um forte interesse da literatura em estudar as relações familiares dentro do contexto dos TAs. Entretanto, muitos estudos que prometiam investigar as relações familiares focavam na relação mãe-filha. Outros abordavam a família como um todo, sem diferenciar a perspectiva de cada membro. Para o presente estudo, foram considerados apenas aqueles que, de alguma forma, traziam informações a respeito da figura paterna. O número de estudos que responderam aos descritores “fathers” e “father-child relations” foi menor; porém, com a combinação de cada um deles com o descritor “eating disorders”, foi possível acessar um maior número de publicações condizentes com o objetivo desta revisão.

Foram excluídos estudos como dissertações, teses e capítulos de livro, ou seja, publicações que não se teria garantias do rigor científico. A partir da leitura e análise dos resumos disponibilizados, foram recuperados na íntegra apenas estudos dentro do campo da psicologia que condiziam com o objetivo da presente pesquisa. Optou-se por publicações nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola. Ao final da busca, foram selecionadas 25 referências. Nesse momento, serão apresentados os principais resultados obtidos.

Análise descritiva dos artigos selecionados na revisão

Dentre os artigos selecionados, percebeu-se uma predominância de estudos entre os anos de 2009 e 2013, totalizando 56% da amostra. A maior concentração foi no ano de 2012, quando foram publicados, aproximadamente, 20% dos estudos selecionados. Essas porcentagens sugerem um aumento recente do interesse científico pelo tema. No que se refere aos locais de publicação, a maior parte dos estudos é oriunda do Reino Unido (n=6) e dos Estados Unidos (n=5), em seguida, três estudos são italianos e dois chilenos. Israel, Nova Zelândia, Portugal, Alemanha, Canadá, Suécia, Espanha, Polônia e Bélgica são países de origem, cada um, de uma publicação selecionada.

Os estudos selecionados tiveram como população participante a família, incluindo pai, mãe e filha (Alda, Espina & Ortego, 2006; Dancyger et al, 2005; Fassino, Amianto & Abbate- Daga, 2009; Martín et al, 2013; Pilecki & Józefik, 2013; Kerig & Geller, 2001). Apenas um incluiu irmãos (Enten & Golan, 2009) e outro trabalho contou com a participação de pai, mãe e os dois filhos adolescentes mais velhos (Lam & McHale, 2012). Uma publicação selecionada teve como participantes filhas e filhos (Back, 2011). Outros dois artigos tiveram como respondentes as duas figuras parentais (Amianto, Bertorello & Fassino, 2013; Haycraft & Blissett, 2012). Três investigaram a díade formada pelo pai e pela filha (Benninghoven, Tetsch, Kunzendorf & Jantschek, 2007; Dixon, Gill & Adair, 2003; Hooper & Dallos, 2012). A maioria deles (n = 11) tinha como participante apenas filhas (Botta, & Dumlao, 2002; Cruzat, Ramírez, Melipillán & Marzolo, 2008; Elliott, 2010; Goossens, Braet, Van Durme, Decaluwé, & Bosmans, 2012; Gutzwiller, Oliver & Katz, 2003; Guzmán, Hitelman, & Kaplan, 2009; Jones, Harris & Leung, 2005; Jones, Leung & Harris, 2006; McEwen, & Flouri, 2009; Nondi, & Leal, 2005; Pace, Cacioppo, & Schimmenti, 2012). Foram encontrados poucos estudos que abordavam a figura paterna especificamente. Como pode ser observado, nenhum estudo encontrado teve como participante apenas o pai. Além disso, onze deles buscaram identificar características da figura paterna a partir do relado das filhas. Esses dados sugerem dificuldades de acesso a esse pai, que pode ser devido a sua falta disponibilidade para participar ou pela falta de convites para que participe.

Para ampliar os dados referentes à relação pai-filha, foi necessário um trabalho de busca nos estudos que envolviam a família como um todo, especialmente a tríade pai-mãe- filha. Apesar da falta de estudos que se dediquem exclusivamente na investigação da figura paterna, foram encontradas características relevantes sobre a relação pai-filha que contribuem

para compreensão do desenvolvimento dos sintomas alimentares nas filhas. A seguir, de modo articulado, segue-se a exposição dos achados.

A maneira como é estabelecida a vinculação com o pai aparece como uma das principais preocupações dos autores. Nesse quesito, foram encontrados dados que se aproximam entre as publicações selecionadas. Os estudos destacam a perpetuação de um vínculo pouco seguro entre pai e filha, marcado pelo distanciamento afetivo e pelas dificuldades de diálogo (Back, 2011; Elliot, 2011; Goossens et al, 2012; Hopper & Dallos, 2012; Lam & McHale, 2012; Nodin & Leal, 2005; Pace et al, 2012; Rowa et al, 2001). De acordo com Pace et al (2012), quando as filhas acreditam que o pai é atencioso com elas, observou-se uma menor tendência de presença dos sintomas compulsivos.

Dentre os facilitadores para a manutenção de uma vinculação insegura entre pai e filha, Jones et al (2005) e Jones et al (2006) destacam o temor delas de serem rejeitadas pelo pai. De acordo com esses autores, as crenças de abandono paterno e o sentimento de menos- valia permeiam o relato das filhas. Fassino et al (2009) encontraram que os progenitores do sexo masculino de anoréxicas do tipo restritivo apresentaram altos índices de esquiva. Diante de pais que tendem a se esquivar, o medo de ser abandonada das filhas se torna compreensível. Cruzat et al (2008) acrescentam que a pouca comunicação com o pai pode ser fator preditivo para o desenvolvimento de TAs em adolescentes do sexo feminino. Para Botta e Dumlao (2002), as dificuldades de comunicação entre pai e filha prejudicariam a resolução de conflitos entre eles, o que, segundo os autores, pode aumentar as chances das filhas em desenvolverem TAs.

As participantes de Elliot (2010), 11 mulheres com diagnóstico de AN, também confirmaram a manutenção de uma vinculação insegura com a figura paterna; elas apontaram para uma relação pai-filha marcada pela incerteza. O pai foi percebido por elas como alguém emocionalmente e fisicamente indisponível. As filhas relataram distanciamento paterno, principalmente, no início da adolescência. Dado diferencial desse estudo em relação aos outros, foi o achado de que, apesar do receio de serem abandonadas pelo pai, as filhas demonstraram idealização da figura paterna e de seus comportamentos, além de relatarem similaridades de seu temperamento com o do pai. De acordo com a análise de Elliot (2010), a necessidade de sentir a aprovação do pai as levaria a se identificar com eles. O fato de se tratar de uma pesquisa qualitativa pode ter facilitado a identificação dessas singularidades.

Nodin e Leal (2005) também encontraram uma relação pai-filha, no contexto dos TAs, marcada pela distância. Nesse estudo, as filhas com AN apontaram para uma precária elaboração da relação com a figura paterna a nível inconsciente. Os autores chegaram à

conclusão de que o pai não teria assumido a função de interdição ao longo do desenvolvimento psicossexual das filhas anoréxicas. Entretanto, como formação reativa, a nível manifesto, o pai aparece muito investido afetivamente. Esse dado pode justificar o excesso de idealização da figura paterna por parte das filhas, identificado no estudo de Elliot (2010). Na mesma vertente de raciocínio, Guzmán et al (2009), em um estudo de caso, concluem que a AN seria uma busca concreta por aspectos da função paterna, uma vez que o pai não se apresentou como sujeito de identificação dessas funções.

Assunto recorrente entre os estudos selecionados diz respeito ao exercício da autoridade paterna na relação pai-filha. Quatro dos estudos observaram empiricamente que o excesso de autoritarismo paterno, assim como a superproteção estariam correlacionados positivamente à presença de TAs na filhas (Enten & Golan McEwen e Flouri, 2009; Jones et al, 2005; Jones et al, 2006). Enten & Golan (2009), encontraram que além do excesso, a falta de autoridade do pai também poderia influenciar o desenvolvimento de patologias alimentares nas filhas. Na visão das filhas sobre o excesso de autoritarismo paterno, Pace et al (2012) afirmaram que o medo em relação ao pai aumentou o risco do aparecimento de compulsão alimentar nas filhas.

Nas publicações encontradas, percebeu-se um forte esforço dos estudos em traçar características de personalidade comuns aos pais de pacientes com psicopatologias alimentares. Os resultados obtidos apontam para a dificuldade em se estabelecer um perfil da figura paterna no cenário dos TAs. Amianto et al (2013) confirmam esta percepção. Ao tentar dividir os pais de indivíduos com TAs em grupos de traços de personalidade, os autores encontraram uma distribuição aleatória. Os progenitores do sexo masculino se dividiram em dois perfis de temperamento: explosivo/metódico e independente/metódico. O primeiro grupo contou com 49% e o segundo com 51% da amostra. Desta forma, não puderam ser observadas predominâncias.

Embora seja difícil realizar generalizações, os estudos analisados apontaram para a existência de características predominantes na figura paterna de indivíduos com patologias alimentares. Fassino et al (2009) encontraram que o pai de filhas com TAs tende a apresentar índices de baixa persistência e baixa autoestima. Em relação à percepção da própria imagem corporal, Benninghoven et al (2007) identificaram que a maioria dos pais (progenitores do sexo masculino) de pacientes com diagnóstico de TAs conseguia ter uma percepção adequada de seu corpo. Porém não estavam satisfeitos. Desejavam aquisição de massa muscular e perda de gordura corporal. Dixon et al (2003) verificaram que quando o pai acredita fortemente na

importância do cuidado com a alimentação e com o corpo para se manter atraente, sua filha pode ser mais propensa a induzir vômitos com o intuito de perder peso.

Sobre as características referentes à saúde mental do pai de mulheres com TAs, Alda et al (2006) verificaram que ambos os progenitores de pessoas com TAs apresentaram índices mais altos de ansiedade, depressão, neuroticismo e psicoticismo do que pais do grupo controle. Eles apontaram para um aumento de sintomas, como ansiedade, após o surgimento da doença das filhas. Os resultados sugerem que a patologia das filhas poderia agir como um gatilho ou aumentar os índices de aspectos psicopatológicos dos pais. Quando se compara mães e pais, Martin et al (2013) encontraram que as mães de mulheres com TAs apresentaram mais sintomas de ansiedade e depressão do que os pais. Eles percebem possuir uma qualidade de vida melhor e se sentem menos sobrecarregados com a doença das filhas do que elas. Os autores sugerem que uma das explicações para o fato pode ser o maior engajamento da mãe nos cuidados da filha.

Hooper e Dallos (2012), encontraram figuras paternas que vivenciaram experiências de intenso sofrimento quando criança e, como defesa, distanciavam-se das emoções despertadas e apresentavam uma visão idealizada da infância. O distanciamento das vivências afetivas dificultaria um maior envolvimento no oferecimento de suporte aos filhos. Além disso, a intensa idealização pode facilitar que demonstrem a menor presença de sintomas psicopatológicos do que as mães, como o identificado por Martin et al (2013).

As filhas anoréxicas, por sua vez, não relataram experiências de sofrimento. Da mesma forma que se recusavam a comer, elas se recusaram a falar (Hooper & Dallos, 2012). Assim, enquanto o pai se defende via idealização, a filha se defenderia pela recusa. Entretanto, conforme já apontando anteriormente, Elliot (2010) e Nodin e Leal (2005) encontraram que a idealização, inclusive da figura paterna, também é uma estratégia defensiva fortemente utilizada pelas filhas.

A partir dos dados de Hopper e Dallos (2012) sobre a infância sofrida dos pais de mulheres com TAs, ressalta-se a importância de se investigar o suporte que eles receberam para o enfretamento das suas angústias na posição de filhos. Sabe-se que o modo como o pai vivenciou o enfrentamento das suas angústias influencia na maneira que ele oferece contenção aos seus filhos (Winnicott, 1971/1975). Nesse sentido, Pilecki e Józefik (2013) destacaram a relevância de se estudar conteúdos transgeracionais relacionados às famílias paternas. Esse foi o único estudo selecionado na presente revisão que buscou investigar a percepção do pai sobre os cuidados recebidos na sua família de origem. Os achados desse estudo encontraram que o pai, assim como as filhas com TAs, identificaram suas famílias de origem como

disfuncionais, principalmente, porque consideraram que seus pais teriam dificuldades em proporcionar aos filhos o desenvolvimento da autonomia e da individualidade. Os dados sugerem que os pais, ao encontrarem pouco suporte para o desenvolvimento da sua própria individualidade, enfrentavam dificuldades em oferecê-lo às filhas.

Observou-se clara predominância de estudos americanos e europeus, principalmente, oriundos do Reino Unido. Destaca-se a inexistência de publicações nacionais, o que indica a necessidade de investigação do tema no contexto brasileiro. Em relação aos aspectos metodológicos, verificou-se o domínio de estudos quantitativos, que trabalharam com populações grandes e verificavam a correlação entre variáveis. Este fato aumenta as possibilidades de generalização, porém impossibilita a análise das especificidades do trio. Nos estudos qualitativos, como os de Elliot (2010), Nodin e Leal (2005) e Hopper e Dallos (2012), foi possível perceber maiores esclarecimentos sobre o modo que se constitui a relação pai- filha.

Independente da metodologia adotada, todos os artigos analisados apontaram para a importância de se buscar a participação e a investigação da figura paterna em pesquisas e no cenário de assistência aos TAs. Entretanto, na presente revisão, não foi encontrada nenhuma publicação que investigou a assistência ou programas de inclusão da figura paterna no tratamento de pacientes com TAs. Os estudos analisados sugerem a importância da inclusão do pai no tratamento, todavia, nenhum teve este tema como foco.

Os resultados demonstram que o modo como se constitui a relação pai-filha no contexto dos TAs parece ter impacto importante no desenvolvimento e manutenção dos sintomas alimentares. Dentre as características apontadas como possíveis fatores que influenciariam no desenvolvimento da patologia alimentar nas filhas, destaca-se o distanciamento afetivo entre pai e filha, bem como as dificuldades das filhas em perceber suporte na figura paterna.