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contexto dos anos 50 e

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74 A discussão apresentada acerca da teologia da libertação possui especial relevância para tentarmos averiguar em que medida ela atuou como uma espécie de “fermento” no universo do “protestantismo ecumênico”. Haja vista o fato de que em seu interior emergiram reflexões que, largamente, ultrapassaram os limites de abrangência da teologia, alcançando demandas de ordem política. Algumas atividades desenvolvidas no âmbito da CEB, sobretudo, a partir dos anos de 1950, servem para indicar os horizontes pretendidos por um tipo de teologia que combinava elementos de “libertação” e idéias de ecumenismo.

A CEB foi fundada em 1934 na esteira de uma série de Conferências ecumênicas realizadas no âmbito mundial e continental, desde o início do século XX, por diferentes grupos protestantes.184 Chegou a congregar quase todas as denominações protestantes brasileiras articuladas em variadas áreas de atuação.185 Dentre os movimentos ecumênicos ocorridos fora do Brasil que influenciaram lideranças do protestantismo brasileiro quando da criação da CEB, devemos citar a Conferência Internacional de Missão, em 1910 (Edimburgo), que reuniu 1200 delegados de várias Igrejas protestantes que afirmavam, sobretudo, estar buscando uma maneira de “promover a evangelização em caráter ecumênico” na Ásia e na África; o Conselho Missionário Internacional em Lake Mohnk, em 1921, nos EUA; Movimento Fé e Ação, em 1925, em Estocolmo (Suécia) e o Movimento Fé e Ordem, em 1927, em Lausane (Suíça).

O metodista Duncan Alexander Reily observa que, pelo fato de não ter sido contemplada a questão das missões cristãs no contexto da América Latina nas várias Conferências ecumênicas desde o Congresso de Edimburgo, os protestantes latino-americanos começaram a se articular com vistas a desenvolver suas atividades no continente em uma perspectiva de cooperação mútua.186 Desse modo, foi realizado o Congresso do Panamá em 1916, no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), no qual reuniram-se 481 delegados representando várias denominações protestantes. Porém, apenas 28 deles eram latino-americanos. Cabe ressaltar que nessa época a mentalidade observada nos relacionamentos entre Igreja Católica e Igrejas protestantes ainda era de hostilidade e o ecumenismo praticado pelos segmentos protestantes na América Lática ainda não vislumbrava aproximações junto à Igreja Católica. As reflexões teológicas também não priorizavam questões relativas à atuação política protestante. Apesar disso, dois Congressos Ecumênicos marcariam a tentativa de tomada de posição dos protestantes latino-americanos rumo ao engajamento sócio-político mais significativo: o Congresso de Montevidéu, em 1925, e o de Havana, em 1929. Esse movimento nas fileiras protestantes latino-americanas reverberaria no Brasil gerando como um de seus efeitos a criação da CEB. Segundo Reily, a CEB concretizou-se através da fusão de três movimentos protestantes brasileiros que já atuavam desde a década de 1920: a “Comissão Brasileira de Cooperação”, a “Federação de Igrejas Evangélicas do Brasil” e o “Conselho Evangélico de Educação Religiosa no Brasil.”187

Um dos principais objetivos da CEB era promover a unidade ─ muitos líderes objetivavam a união orgânica das Igrejas sob o nome de Igreja Evangélica do Brasil ─ e a cooperação entre as Igrejas protestantes, não o ecumenismo com a Igreja Católica. Sobretudo, porque no período em apreço, apesar da influência do “espírito ecumênico” das citadas conferências sobre o “protestantismo brasileiro”, “dominou, entretanto, o

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REILY, Duncan A. A história documental do Protestantismo no Brasil. São Paulo: Aste, 1993. pp. 244-254. Para uma abordagem mais abrangente acerca das primeiras iniciativas ecumênicas de cooperação desenvolvidas por protestantes em diversas áreas a partir dos anos 1890 consultar esta mesma obra. Para historiar eventos ligados à criação da CEB também nos baseamos no trabalho de Reily.

185 CESAR, Waldo. “Igreja e Sociedade ou Sociedade e Igreja?”. Religião & Sociedade. Rio de Janeiro, v. 23.

n. especial. 2003.

186 REILY, Duncan A. Op. cit., pp. 244/245. 187

75 denominacionalismo, não o ecumenismo.”188

É válido assinalar que por detrás desse “movimento de unidade”, restrito ao universo do protestantismo, havia a disputa por espaço e legitimidade no campo religioso brasileiro, tendo em vista as investidas da hierarquia católica junto ao governo do presidente Getúlio Vargas no sentido de reconduzir o catolicismo ao status de religião oficial do Brasil.

Segundo Reily, quando Vargas assinara, em 1930, um decreto permitindo o ensino religioso em escolas públicas, os protestantes interpretaram o fato como “o primeiro passo na direção de um Estado católico.”189

Ao longo dos anos 1940, perdurou a esperança católica de oficializar o catolicismo. Entretanto, Reily assinalou que “a hierarquia católica não conseguiu convencer o país a oficializar novamente o catolicismo.”190

Paralelo ao esforço de aproximação junto ao Estado, a Igreja Católica esforçava-se para frear a ação das Igrejas e missionários protestantes estrangeiros no Brasil, em especial os norte-americanos.

Uma das iniciativas nessa direção partiu de um prelado de Minas Gerais, conforme registrou Reily: “Em 1941, o arcebispo de Belo Horizonte tentou convencer o governo norte- americano de que o envio de missionários protestantes era contraproducente, pois despertava „antipatia e reservas para com os Estados Unidos‟.”191

Surgia, assim, mais uma oportunidade no processo de cooperação e unidade das Igrejas protestantes em defesa de seus interesses institucionais: “através da Confederação Evangélica do Brasil, o órgão que falava em nome dos seus membros em tais casos, uma longa carta foi endereçada a Jefferson Caffery, Embaixador dos Estados Unidos.”192

Segundo Reily, a “cooperação” entre as Igrejas protestantes acontecia em diferentes níveis por meio do trabalho de diversos “Conselhos” que deliberavam sobre assuntos como: “eliminação de atritos” entre as “denominações”, “expansão da obra comum” de “evangelização”, estabelecimento de um “modus vivendi” padronizador de regras para a implantação das congregações das Igrejas de modo a propiciar uma “ocupação” “racional” dos “campos de trabalho”, “perseguições religiosas”, dentre outros.193

A postura da maioria das Igrejas protestantes e, conseqüentemente, da CEB, em relação à política partidária, ao longo dos anos de 1940, era de repúdio. Ademais, a ditadura varguista retirara do povo tal direito durante os anos de 1937 a 1945, no chamado Estado Novo. “A atitude metodista, por exemplo, está clara na „Mensagem à IMB [Igreja Metodista do Brasil] por ocasião do Concílio Geral de 1946: „Como Igreja, dissemos sempre, alto e bom som não temos política, não temos partidos, não temos candidatos a posições governamentais‟”194

observa Reily, citando trecho do periódico oficial metodista Expositor

Cristão do ano de 1946. Todavia, ao longo dos anos de 1950, essa atitude da CEB ou pelo

menos de setores vinculados a ela em relação à política e aos problemas sócio-estruturais do país, também se modificaria. Essa mudança deveu-se, em grande medida, segundo Reily, à influência do CMI que, em inícios dos anos 1950, colocou especial ênfase, durante suas “Assembléias”, na “responsabilidade social dos cristãos frente às estruturas do mundo.” Outro importante personagem histórico do período, Zwinglio Mota Dias, lembra do papel desenvolvido pelo CMI na “construção de espaços ecumênicos” tanto na América Latina quanto no Brasil: através da “comissão de Igreja e Sociedade” promoveu um encontro, em 1953, na cidade de São Paulo, o qual propiciou “a articulação de esforços de diferentes setores evangélicos que começavam a se preocupar com o sentido e as conseqüências das relações

188 REILY, Duncan A. A história documental do Protestantismo no Brasil. São Paulo: Aste, 1993. p. 233. 189 Ibid., p. 227. 190 Ibid., p. 230. 191 Ibid., p. 230. 192 Ibid., p. 230. 193 Ibid., pp. 254/257. 194 Ibid., p. 309.

76 entre as Igrejas e as diferentes expressões nacionais da sociedade latino-americana.”195 Na esteira de iniciativas protestantes que visavam à participação mais efetiva das Igrejas nos processos sociais da época surge no interior da CEB, em 1955, a “Comissão Igreja e Sociedade”. Ao que tudo indica, era um esforço de implementar a “visão” do CMI, embora, na época, apenas duas Igrejas brasileiras fossem membros oficiais do órgão internacional: as Igrejas Metodista e Luterana.196 Segundo Waldo Cesar197 protagonista desse processo histórico e, pode-se dizer, um dos discípulos do teólogo e missionário norte-americano Richard Shaull no Brasil , antes de ser incorporada na CEB, a “Comissão de Igreja e Sociedade” era um grupo “autônomo” criado por Richard Shaull e outros personagens de diferentes denominações protestantes, no Rio de Janeiro. Segundo rememora Cesar, em um texto publicado em 2003:

a composição ecumênica do grupo era bastante representativa das diferenças teológicas e ideológicas que caracterizavam os diversos ramos do protestantismo brasileiro. Havia, no entanto, na Comissão que se organizava, acordo em que as igrejas deveriam estabelecer critérios e formas de ação diante da realidade brasileira, embora faltasse unanimidade quanto ao âmbito e à natureza do trabalho a desenvolver.198

Em 1955, a “Comissão de Igreja e Sociedade” organizou a “I Reunião de Estudos sobre a responsabilidade social da Igreja” na cidade de São Paulo. De acordo com Reily, o encontro contou com a participação de dezenove pastores e vinte e um leigos protestantes.199 A “Comissão de Igreja e Sociedade” passou a chamar-se, ainda em 1955, segundo Waldo Cesar, “Setor de Responsabilidade Social da Igreja”, tendo como secretário executivo o próprio Cesar.200 Convém assinalar que a criação do “Setor” aconteceu um ano após a realização da II Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas, em Evanston, nos Estados Unidos (1954), por intermédio dos protestantes brasileiros participaram da referida Assembléia do CMI.201 Esse grupo de cristãos protestantes inspirava-se, em sua maioria, nas concepções teológicas formuladas, em especial, por Richard Shaull.202 No centro das suas inquietações estaria o desejo de assumir uma posição político-social mais consistente, que abarcasse um “compromisso efetivo com a sociedade” para além do “assistencialismo junto aos pobres”. Daí a importância do referencial disponibilizado por Shaull, o qual, segundo o cientista da religião Arnaldo Érico Huff Júnior:

195 DIAS, Zwinglio Mota; TEIXEIRA, Faustino. Op. cit., pp. 43/44. 196 REILY, Duncan. Op. cit., p. 311.

197

As citações que faremos do trabalho de Waldo Cesar derivam de um artigo escrito para uma edição especial de 2003 de Religião & Sociedade em homenagem ao teólogo Richard Shaull falecido em 2002. Nesse sentido, tanto as informações quanto as opiniões de Cesar serão, em alguns momentos desse trabalho, tomadas como objeto de análise. Haja vista o fato de que o autor participou ativamente nos episódios que narra e sua fala também é compreendida como um documento de “história oral”.

198 CESAR, Waldo. “Igreja e Sociedade ou Sociedade e Igreja?”. Religião & Sociedade. Rio de Janeiro, v. 23.

n. especial. 2003. p. 19.

199

REILY, Duncan. Op. cit., p. 292.

200

CESAR, Waldo. Op. cit., p. 19.

201DIAS, Agemir de Carvalho. “O ecumenismo: uma ótica protestante.” I Simpósio Internacional de Religião,

Religiosidades e Cultura, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. 2003.

Disponível em: http://www.geog.ufpr.br/nupper/documents/O_Ecumenismo_Uma_otica_Protestante.pd . Acesso em: 18 jul. 2008.

202 FRESTON, Paul. Protestantes e Política no Brasil: da Constituinte ao Impeachment. Tese (Doutorado em

Sociologia), Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas, 1993. (mimeo). pp. 123/124

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Atuou como pastor, professor e missionário em países da América Latina e nos Estados Unidos. No Brasil, disseminando os ideais de um cristianismo ecumênico dedicado à transformação da sociedade e à luta contra as injustiças, Shaull influenciou nos anos 1950 e 1960 toda uma geração de jovens estudantes, dentre estes, alguns que se tornariam intelectuais de projeção nacional e internacional, como Rubem Alves, Waldo Cesar, Julio de Santa Ana, Zwinglio Dias e Rubem César Fernandes.203

Duncan Reily observou que as idéias de Richard Shaull, quando lecionava no Seminário da Igreja Presbiteriana do Brasil, em Campinas, não foram aceitas pela cúpula da instituição, sobretudo por considerarem-nas como “modernistas” e “ecumênicas”. Em 1962, depois de quase dez anos de “calorosos debates”, o “Supremo Concílio” da Igreja Presbiteriana fechou os espaços para o trabalho de Richard Shaull, o qual, ainda em 1962, “deixou o Brasil para lecionar na Universidade de Princeton, EUA.”204

Segundo Reily, desde os anos 1940, “em alguns círculos, ecumenismo e apostasia chegaram a ser quase sinônimos.”205

A nosso ver, essa perspectiva acerca do ecumenismo talvez tenha encontrado guarida mais visivelmente na Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB). Nela, vários líderes que adotaram posturas “ecumênicas” foram afastados de suas funções, como se verá mais adiante. Um texto publicado em 10 de outubro de 1942, em O Puritano, órgão oficial da IPB, explicitava alguns “princípios” que faziam do presbiterianismo “um padrão” dos “melhores sistemas teológicos”. Entre as marcas principais, sublinhadas pelo autor do texto, que acompanham o “clima presbiteriano”, destacamos a que caracterizava sua postura diante de idéias como as de ecumenismo, marcada pela:

[...] enérgica, cerrada e quase violenta atitude de intransigência contra as novidades doutrinárias, racionalistas e modernistas. Se alguns desses males rondam às vezes, sorrateiramente ou manhosamente, os arraiais presbiterianos, a verdade é que no fim, estes se fecham às suas matreirices e se entrincheiram nas suas velhas, provadas e fortes defesas das antigas doutrinas...[...].206

Segundo Duncan Reily, várias outras Igrejas protestantes no Brasil não aderiram às idéias ecumênicas, entre elas a Batista, a qual optou, desde os anos da Primeira República, pela “preservação da autonomia completa, sem embaraço pelas alianças com outras denominações de diferentes doutrinas [...].”207

Com relação ao momento da adesão da ala protestante que privilegiava um tipo de teologia diferente do perfil chamado “conservador”, observado tanto na Igreja Presbiteriana quanto na Batista, Waldo Cesar afirmou que sua integração aos quadros da CEB serviu como uma espécie de injeção de ânimo na “Confederação”. Isso porque, segundo ele, a CEB se encontrava “estagnada” nos anos 50. Depois de algum tempo, já se observava grande apoio às propostas do “Setor de Responsabilidade Social” oriundo de diversas outras igrejas que não

203 JÚNIOR, Arnaldo Érico Huff. “Richard Shaull pelo ecumenismo brasileiro: um estudo acerca da produção de

memória religiosa.” Revista Brasileira de História das Religiões. Anpuh, ano II, n. 4, mai. 2009. Disponível em: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao . Acesso em: 22 out. 2009. Esse artigo apresenta diversos elementos da biografia de Richard Shaull procurando demonstrar como os intelectuais do universo protestante construíam uma memória coletiva em torno do teólogo norte-americano. Também esboça os principais traços da teologia desenvolvida por Shaull nos anos 50, a qual constitui-se num esforço em articular a fé cristã com a análise social oferecida pelo marxismo. O resultado dessa articulação foi a formulação de uma “teologia da revolução”, a qual teve grande impacto entre setores protestantes aglutinados em torno da CEB, os quais tentaram levar adiante tal teologia depois que Shaull fora expulso do Brasil.

204

REILY, Duncan A. A história documental do Protestantismo no Brasil. São Paulo: Aste, 1993. p. 311.

205 Ibid., p. 234.

206 O Puritano, 25/10/1942. Apud. REILY, Duncan A. A história documental do Protestantismo no Brasil. São

Paulo: Aste, 1993. p. 236.

207

78 possuíam vínculo institucional com a CEB.208 “Até mesmo batistas e pentecostais, embora informalmente, se juntaram à idéia de um compromisso maior com a sociedade brasileira”209

, rememora Cesar, acrescentando que foram muitas as dificuldades enfrentadas pelo “Setor” em sua tentativa de colocar em prática tal visão. A maior delas seria o fato de que tal proposta teológica encontrava resistências numa “ala mais conservadora das igrejas oficialmente ligadas a CEB”.

Segundo Zwinglio, a Conferência que o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) realizou, em 1953, na cidade de São Paulo, serviu de impulso para setores do protestantismo que já vinham realizando diversas “Conferências Evangélicas Latino-Americanas”, as chamadas “CELAS”. A partir de então, lideranças de diversas Igrejas evangélicas mais diretamente ligadas com o trabalho da “ação social” criaram, em 1961, a “„Junta Latino-Americana de Igreja e Sociedade‟, que se torna conhecida sob a sigla ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina).”210

Segundo o mesmo autor, o ISAL recebeu forte apoio “moral”, “eclesiástico- político” e “financeiro” do CMI. Os “grupos de ISAL, no Brasil,” formados por “setores das Igrejas”, exerceram forte influência na CEB através do “Setor de Responsabilidade Social”.211

Nesse sentido, um dos principais objetivos do “Setor de Responsabilidade Social da Igreja” era, segundo Zwinglio, o de “orientar e influenciar as igrejas-membro a participar mais ativamente das lutas políticas em favor da transformação social do país.”212

Ao que tudo indica, tal proposta pretendia colocar as Igrejas protestantes não de costas para, mas em diálogo com os “problemas do mundo”. Na perspectiva do “Setor”, essa tarefa passava, antes, pela mobilização das Igrejas protestantes através de discussões que giravam em torno da maneira mais apropriada de atuação a ser adotada frente à realidade social brasileira. Tais discussões eram propiciadas e programadas para acontecer na ocasião das chamadas “Consultas”.

É importante ressaltarmos que essa mobilização institucional no seio da CEB processava-se sob a égide do ecumenismo apenas entre as Igrejas protestantes. Um dos motivos, mas não o principal, é que, nesse período, a Igreja Católica ainda não havia desenvolvido um projeto institucional acerca do ecumenismo, o que veio a ocorrer de forma oficial apenas a partir do Concílio Vaticano II, como discutimos no capítulo 2. O posicionamento ideológico e teológico da Igreja Católica ainda era de afastamento e, em certos casos, até de hostilidade em relação às demais igrejas cristãs. Essas, em sua maioria, de modo análogo, não viam com bons olhos a idéia de uma aproximação ecumênica com o catolicismo, assumindo uma atitude anticatólica. Talvez aqui residisse um dos principais motivos da ausência de ecumenismo em parceria com a Igreja Católica.

Devemos ter em mente que o contexto histórico palco das diversas “Consultas” realizadas pelo “Setor de Responsabilidade Social” da CEB, isto é, de 1955 até 1962, foi marcado por enormes tensões e contradições sociais em várias regiões do Brasil. Em alguns casos, a situação era de verdadeira ebulição com a emergência de vários movimentos populares. Tal quadro agravara-se ainda mais com a crescente industrialização do Sudeste brasileiro em contraste com o abandono da região Nordeste, em especial, das áreas cuja economia estava predominantemente ligada à agricultura e à pecuária. Em estados como Pernambuco, Paraíba e, mesmo no Rio de Janeiro, as contradições sociais aumentavam de tal maneira que levaram, inclusive, à irrupção de movimentos de trabalhadores rurais

208 CÉSAR, Waldo. “Igreja e Sociedade - ou Sociedade e Igreja?”. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro: ISER,

n. especial, v. 23, pp. 17-27, nov. 2003.

209

Ibid., p. 19.

210 DIAS, Zwinglio Mota; TEIXEIRA, Faustino. Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso: A arte do possível.

Editora Santuário: Aparecida, 2008. p. 44.

211 Ibid., p. 46. 212

79 denominados Ligas Camponesas213,reivindicando, entre outras coisas, uma reforma agrária radical. Em diversas cidades, as classes populares se encontravam sob severas restrições devido, sobretudo, a problemas relacionados ao desemprego, ao aumento da inflação, ao alto custo de vida e aos baixos salários. Esse contexto assistiu a um crescimento considerável do número de greves e protestos populares que pressionavam o governo João Goulart a buscar soluções práticas e imediatas. A pressão de setores do empresariado nacional e de políticos alinhados aos interesses das grandes multinacionais sobre o Presidente aumentava cada vez mais, fruto do temor de que as chamadas reformas de base fossem aprovadas. No entanto, o golpe militar de 1964 comprovou que tal sentimento não era necessário, haja vista o afastamento verificado no Congresso Nacional em relação aos anseios populares.214 Era uma época de polarizações influenciadas pela “guerra fria”, na qual o clima mental em várias partes do mundo e, em especial, no Brasil, estava carregado pela sensação de que transformações sociais poderiam ocorrer, como observou Daniel Aarão:

Embora fosse possível relacionar processos de transição pacífica, marcados pela conciliação, o que predominava, no imaginário, na mídia, no vocabulário e no terreno, era o confronto violento, a luta armada, reformas arrancadas pela força, guerrilhas e revoluções sociais.215

Em meio à sensação de euforia que a Revolução Cubana de 1959 disseminara, a qual suscitou aspirações revolucionárias em vários países e, ao mesmo tempo, despertando as “forças conservadoras” das sociedades latino-americanas, setores do protestantismo aglutinados em ISAL também seriam afetados. Zwinglio recorda que as igrejas não ficaram imunes ao clima mental da época:

Rapidamente a polarização política se alastra por todos os países da área e invade também as Igrejas. Os conflitos de caráter político-ideológicos se impõem nas

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