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da religião” produzida pela comunidade de informações

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“A posição da Igreja Católica Apostólica Romana em Relação às Demais Religiões ou Seitas”.

A Igreja Católica e algumas outras Igrejas protestantes foram, em menor ou maior medida, afetadas pelo clima tenso vivido no período, sobretudo, após a outorga do AI-5380, em 13 de dezembro de 1968, e, posteriormente, na década de 1970. Nesta década, o país experimentava altos índices de crescimento econômico. Todavia, à medida que vivenciava o chamado “milagre brasileiro”, convivia, também, com a crescente perda do poder aquisitivo da população, resultante da escalada crescente da inflação. Concomitantemente, flagrantes desrespeitos aos direitos humanos, intermináveis greves nos anos finais da década, quando “o milagre” já se havia esvaecido, e outros tantos sérios problemas sociais que o governo se esforçava para esconder evidenciavam-se.381

Com efeito, foram anos difíceis, marcados por fortes restrições às camadas mais pobres da população, aviltadas por excessivo arrocho salarial, intensa perseguição policial e censura, época em que o “medo pairava no ar.”382

Fenômenos que, no final dos anos de 1970, quando boa parte dos brasileiros já se havia convencido de que o “milagre” não passava de “ilusão”, aprofundar-se-iam devido, em especial, à falta de recursos financeiros disponíveis ao Brasil, no exterior. Esse contexto foi palco de grandes alterações também no campo religioso brasileiro. Um dos aspectos mais notáveis dessa alteração foi o crescimento das Igrejas pentecostais e de religiões afro-brasileiras, em especial, da Umbanda. No entanto, tal alteração não foi notada apenas por atores sociais do próprio campo religioso, mas pela comunidade de informações, a qual estava, também, preocupada com essa temática, como veremos a seguir.

Uma primeira leitura do enunciado em epígrafe poderia sugerir, facilmente, tratar-se do título de um estudo desenvolvido por algum pesquisador das Ciências Sociais ou Humanas sobre a situação religiosa, possivelmente no Brasil. Considerando, ainda, a distinção feita entre “religiões ou seitas”, poderíamos sugerir, inclusive, estarmos diante de uma obra no campo da Sociologia da Religião ou mesmo da Ciência da Religião. Qual, porém, seria a reação do leitor se descobrisse que o referido enunciado é o “assunto” de um documento “sigiloso”, qualificado como “Pedido de Busca” (doravante PB), expedido pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), Agência Rio de Janeiro (ARJ), órgão da “Presidência da República”, em 28 de dezembro de 1976? O documento fora encaminhado ao Departamento Geral de Investigações Especiais (DGIE), órgão da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do mesmo Estado, para a instauração de uma investigação.

Nossa reação foi de instigante surpresa, devido ao caráter inusitado desse tipo de “pedido”, contrastante com os demais documentos da pasta, produzidos pelos “órgãos de informação” do regime militar. Ainda mais pelo fato curioso de nos ter trazido à memória o título inicial do projeto de pesquisa apresentado à banca, quando da seleção para o Programa de Pós-Graduação em História, ao qual nos vinculamos, qual seja: “Mudanças na Retórica e

380 O Ato Institucional nº 5 (AI-5) de 13 de dezembro de 1968 deu ao presidente da República, entre outras

coisas, o poder de decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras Municipais. O chefe do executivo poderia, ainda, suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos. Cf. Coleção 100 Anos de República: Um retrato Ilustrado da História do

Brasil. (1965-1973). v. IX. São Paulo: Nova Cultural. 1989. p. 29.

381 MENDONÇA, Sônia Regina; FONTES, Virginia Maria. História do Brasil Recente (1964-1992). 4. ed. São

Paulo: Ática, 2004, p. 66.

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136 na Prática da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil em relação às Igrejas Cristãs Protestantes 1977-2007.”

Em função do processo de construção da pesquisa ora desenvolvido, fomos impelidos a vasculhar a imensa documentação, produzida por alguns órgãos de informação, depositada no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), no bairro de Botafogo. Inicialmente, o documento em pauta não parecia ser indispensável ao nosso propósito. Contudo, em meio a tantos outros, o título logo despertou a atenção, juntamente com seu conteúdo, em seguida examinado com curiosidade. Ele exalava certa tensão, parecendo sugerir que algo grave se passava no panorama religioso do Brasil, julgando, sobretudo, pela quantidade de carimbos e assinaturas de diversos oficiais (delegado, detetive, chefe de departamento, etc.), e o alerta carimbado em vermelho, lembrando aos desavisados o cuidado devido com o assunto: “O destinatário é responsável pela manutenção do sigilo deste documento (Art. 62- Dec. nº 60.417/67- Regulamento para salvaguarda de Assuntos Sigilosos).”383

Após a leitura de algumas páginas, passamos a buscar pistas para compreender o motivo que levara o temido SNI a inquirir sobre aqueles aspectos do campo religioso, sobretudo, no Rio de Janeiro. Entretanto, nesse contato inicial, apenas algumas anotações do teor do PB foram feitas, continuando a busca pelo tema do ecumenismo, uma vez que, aparentemente, seu conteúdo não possuía ligação direta com o presente objeto de estudo. Ademais, como não encontrávamos um indício, uma pista que relacionasse seu conteúdo ao objeto central de nosso estudo, formulando indagações plausíveis, deixamos de lado aquelas informações. Porém, sempre que retornávamos ao APERJ, o conteúdo daquele PB vinha à mente. Ao mesmo tempo, entramos em contato com diversos recortes de jornais de outras pastas do DGIE atinentes ao tema religião, o que nos impulsionou a delinear uma hipótese para abordar o “problema” relacionando-o com o ecumenismo. Nessa perspectiva, o estudo da religião e suas múltiplas implicações e relações com as mais diversas instâncias do poder político poderia nos ajudar a compreender um pouco mais uma face do regime militar pouco estudada: sua perspectiva acerca do campo religioso. De certo modo, ainda que longe de comparações com o consagrado historiador italiano, sentimo-nos como Carlo Ginzburg, quando fora atraído pela curiosidade em compreender a história do moleiro friulano, Menocchio, contida nos documentos da Inquisição católica que o condenou à morte.

Conforme mencionado na introdução desse trabalho, eram diversos os órgãos de espionagem e de repressão que integravam a chamada comunidade de informações e de segurança ao longo do regime militar e, diversas eram, também, as questões que suscitavam suas preocupações. O historiador Carlos Fico, no capítulo “o Estado contra o povo”384

analisou (com base na documentação da Divisão de Segurança e Informação (DSI) do Ministério da Justiça) a percepção da comunidade de informações a respeito de alguns atores sociais que mais teriam causado preocupação nos órgãos de Estado: “estudantes e professores, clero e estrangeiros”. O que não foi dito por ele − talvez por não constar da documentação da DSI/MJ, a qual não tivemos acesso − é que no plano da religião, a abrangência do trabalho da comunidade de informações não se restringiu ao “clero” católico. Muitas lideranças e agências protestantes estiveram “na mira” da comunidade de informações, sendo perseguidas.

Carlos Fico salientou, por exemplo, que “Helder Câmara (bispo de Olinda e Recife) e Pedro Casaldáliga (bispo de São Félix) foram dois dos prelados mais perseguidos pelo regime militar.” Estamos de acordo com ele. Entretanto, tais figuras do universo católico articulavam-

383 Fundo das Policias Políticas. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor DGIE, pasta 247, folhas

312, dez. 1976.

384 FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de

137 se, em diversos momentos da ditadura militar, por intermédio de complexas redes ecumênicas, a atores sociais do protestantismo nacional e internacional, inclusive pentecostais, como demonstra um documento de outra DSI, a do Ministério dos Transportes:

Dom PEDRO CASALDÁLIGA tem mantido ligações, em São Félix do Araguaia, com esquerdistas brasileiros e estrangeiros do CMI, como o pastor MANOEL DE MELO, Chefe da Igreja Pentecostal Brasil para Cristo e o Rev. CHARLES HARPES, do Setor de Direitos Humanos do Conselho (Genebra).385

A menção que o documento faz à participação de um líder pentecostal nessa militância ecumênica chama à atenção, merecendo uma breve análise acerca do perfil desse líder. Conforme pudemos verificar, esse tipo de participação pentecostal em situações sócio- políticas concretas e sobre o ecumenismo, ainda não recebeu atenção dos historiadores. Um documento produzido pela equipe do CEDI, em especial, ajudar-nos-á na análise. Trata-se de uma entrevista que o CEDI fez com o líder do então chamado “Movimento Pentecostal O Brasil para Cristo”, missionário Manoel de Mello Silva, em 1973. Nela, o líder pentecostal expressa sua opinião acerca de diversos assuntos: comunismo, capitalismo, CNBB, religiões não cristãs, evangelização popular, Evangelho Social, ecumenismo, direitos humanos, dentre outros. Homem “de palavra solta, cheia de repetições e quebras espontâneas (os pleonasmos e anacolutos dos gramáticos) muito nordestinas, entremeadas de cliques paulistanos; baixo, forte, comunicativo e otimista”, uma “figura discutida, mais incompreendida que discutida, de valor inegável, que Deus tem usado de várias formas” especifica o prefácio do documento.

De acordo com o texto, Manoel de Melo nascera numa localidade chamada Engenho Amoroso, município de Água Preta, distante 150 quilômetros de Recife. Segundo Manoel de Mello, até 1973, “lá ninguém conhece o que é asfalto, nem água encanada, nem luz elétrica” e o lugar é muito conhecido “pelos grandes criminosos que deu a Pernambuco”. Em 1946, com apenas dezessete anos, deixou Engelho Amoroso e “apareceu” em São Paulo, trabalhando na construção civil, em obras para a Prefeitura. Em 1954, já possuindo o título eclesiástico de Evangelista, passou a dedicar-se exclusivamente “à pregação” do evangelho. Após ter pertencido à Igreja do Evangelho Quadrangular, fundada por pessoas de origem norte- americana, passou a desenvolver suas atividades de forma independente, em um movimento religioso “com raízes exclusivamente brasileiras (26 de março, 1956)”, acrescenta a equipe do CEI.

O atual site oficial da Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo informa que Manoel de Mello, antes de passar pela Igreja do Evangelho Quadrangular, fora diácono da Assembléia de Deus, até ser “excluído” por orar por enfermos, impondo-lhes as mãos, prática exclusiva dos pastores.386 Manoel de Mello esclarece que não teve acesso à instrução educacional formal. Talvez por isso enfatizasse a necessidade de dar aos jovens tal oportunidade: “Eu não tive infância. Com 12 anos já era maduro. Com 15, já queria casar. Educação é a base de tudo. Não podemos ficar esperando que a educação se faça por processos milagrosos que nem a minha. A igreja tem que ajudar”. Contudo, apesar das aparentes limitações, Manoel de Mello não se sentiu imobilizado, expandindo suas atividades para além das fronteiras brasileiras, “filiou o MOVIMENTO O BRASIL PARA CRISTO ao Conselho Mundial de Igrejas” e “entre outros grupos já falou ao Parlamento Nacional Sueco”. De fato, situação aparentemente atípica: um líder pentecostal, participando do ecumenismo e, ao mesmo tempo, usando espaços internacionais para fazer ouvir a voz do pentecostalismo movimento religioso visto com resistência por muitos na época e, ainda hoje, por não poucos acadêmicos. O site da

385 DSI – Ministério dos Transportes - Arquivo Nacional - Coordenação Regional, DF, Informação nº 539

/SICI/DSI/MT/1978, folhas 131.

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138 instituição religiosa traz outros aspectos da experiência vivida por Manoel de Mello, ao longo do regime militar:

Durante a ditadura, cresceram também as acusações de curandeirismo e charlatanismo contra Manoel de Mello. No entanto, isso não o impedia de denunciar publicamente ou em fóruns internacionais, como no Conselho Mundial de Igrejas, os abusos e as injustiças do regime militar que visava impedi-lo de anunciar o Evangelho. “Mesmo sabendo que era vigiado e perseguido 24 horas por dia, não se calava diante das ameaças”, afirma pastor Ivan Nunes, que conviveu com Manoel de Mello. [...], não eram raras as vezes em que o missionário dizia, em cima do palco: “Aos agentes da polícia federal aqui presentes, aviso: podem ligar os seus dispositivos de gravação, agora, porque eu estou pronto para iniciar a minha pregação”. Uma ousadia que lhe custou 27 detenções, felizmente sem qualquer condenação.387

Manoel de Mello afirmou, na entrevista concedida ao CEDI, sua abertura ao ecumenismo e, de forma oposta, sua rejeição ao chamado “fundamentalismo”. Isso não significa dizer que aceitasse, em especial, o ecumenismo praticado pelo CMI sem consciência crítica. A avaliação que fazia do Conselho era a seguinte:

O CMI é um lugar de diálogo. Nossa Igreja no CMI se considera opositora a muita coisa, não estamos batendo palmas a tudo. No entanto, através do CMI, temos tido uma tribuna para divulgar o movimento pentecostal e representar o nosso pensamento. O ecumenismo, meu amigos, tem muitos defeitos. Perfeito só o Evangelho. Mas entre o ecumenismo e o fundamentalismo [...] eu diria que no ecumenismo muita coisa é bíblica e no fundamentalismo quase nada.388

Com efeito, várias de suas declarações chegam a surpreender por tamanha largueza de horizontes. Aliás, um dos traços principais que emergem de sua fala é a consciência crítica em relação à religião e, também, às injustiças sociais. Ele fundamenta seu argumento em favor do ecumenismo contra o fundamentalismo da seguinte maneira:

Jesus um dia falou assim para os fundamentalistas de sua época: cuidado, porque as prostitutas entrarão no reino primeiro que vocês. Antes de se condenar o ecumenismo deve-se examiná-lo como eu fiz durante dez anos para o aceitá-lo. Mas eu estava dizendo que não aceito tudo. Nem da minha igreja eu aceito tudo. No Movimento O Brasil para Cristo nós temos liberdade de consciência, apenas não discutimos a fé em Jesus. Aceitamos o Movimento Ecumênico liderado por Genebra, onde se assentam na mesma mesa, para dialogar, o judeu e o árabe; o americano e o russo; o cubano e o brasileiro. Quem tiver boa mercadoria vence, quem tiver fraca perde. Jesus não se furtou ao diálogo com fariseus, com saduceus. Esteve na casa dos pecadores. Aceitou que lhe enxugassem os pés com os cabelos, os cabelos de uma mulher prostituta, porque Simão, o representante do conservadorismo religiosos de então, não he deu uma toalha.389

Nos anos de 1970, o trabalho de evangelismo, liderado por Manoel de Mello que se considerava um aluno da “Universidade da Vida” havia despertado a atenção da opinião pública, devido, sobretudo, às grandes concentrações populares observadas nas “cruzadas” realizadas em estádios, ginásios e ao ar livre pelo “Movimento Pentecostal O Brasil para Cristo”. A denominação contava, na época, apenas na capital paulistana, com mais de 60.000 membros, segundo afirmava o missionário. A entrevista fora realizada na cidade de São

387 Idem.

388 Entrevista: Missionário Manoel de Mello. In: Boletim CEI. Rio de Janeiro: Tempo e Presença Editora. 1973.

p. 35.

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139 Paulo, no “centro religioso” do “Movimento”, o qual encontrava-se em fase de construção. Segundo o CEDI, o espaço para reuniões possuía capacidade para acomodar “cerca de 15 mil pessoas assentadas e, nas grandes concentrações, outras 15 mil em pé”. Quando questionado pelos entrevistadores a respeito da veracidade de uma informação acerca da realização de um “congresso budista” no local, Manoel de Mello confirmou o fato, afirmando, ainda, que o espaço não se tratava de um templo exclusivo da sua denominação. Segundo ele, “já houve congresso adventista e, por incrível que pareça um congresso budista e um congresso de uma seita japonesa IZEIN que aliás foi o mais bonito de todos”. Essa constatação também reforça a idéia da necessidade de uma relativização acerca do suposto perfil anti-ecumênico dos pentecostais. Manoel de Mello esclareceu que o templo “era para servir ao povo”, a “massa”, fazendo questão de salientar que:

nós agimos assim de modo aberto não só por minha consciência ecumênica, mas também porque este templo não é somente nosso.[...] trinta por cento dos fundos, para esta obra vem de católicos romanos, outros trinta aproximadamente vem de outros grupos religiosos, inclusive evangélicos e apenas quarenta por cento procedem do Movimento O Brasil para Cristo.390

Mais uma demonstração de abertura ao ecumenismo, oriunda desse líder pentecostal, numa modalidade de cooperação com outros segmentos religiosos que, não fosse por ele explicitada nesse depoimento, dificilmente teria sido apreendida pelos estudiosos do tema. Afirmou, inclusive, que tal espaço estaria disponível, ainda, aos prelados da CNBB quando precisassem de um local “para realizarem até congresso eucarístico”.

É interessante notarmos a concepção de Manoel de Mello a respeito do espaço físico em que os cultos eram realizados. Um tipo de entendimento que, de certa forma, expressa uma distinção marcante em relação à concepção católica acerca de seus templos. No caso católico, tal espaço de culto, ou, da missa, é sagrado por si só. Manoel de Mello, pelo contrário, sustenta que o próprio templo deve ser utilizado como espaço para outras atividades, inclusive, a educacional. Haja vista sua percepção de que “no entender de O Brasil para Cristo o templo não é sagrado, o templo é uma casa como outra qualquer. Sagrado é o povo”. Curiosa foi a forma como o missionário despertou para a importância de promover a educação nos espaços reservados às reuniões religiosas: num confronto de idéias com um ateu, oficial comunista, por ocasião de uma visita à União Soviética. Assim, à pergunta do CEDI se a meta de Manoel de Mello era “fazer de cada templo uma escola” seguiu-se o relato do inusitado episódio que o ajudara a consolidar o entendimento de que a “educação é a base de tudo”:

É. Vou contar uma experiência de minha visita à União Soviética. Discuti certa vez com um comissário de política e fui até preso e logo libertado pela mediação do secretário de nossa embaixada. Uma pergunta que eu fiz ao emissário, foi: “Por que vocês quando dominam um país, fecham os templos?”. Ele respondeu: “O reverendo está mal informado, nosso partido nunca fechou igrejas”. Aí eu comecei aquele debate tentando convencê-lo e repetindo o que já tinha ouvido. “Não, respondeu ele, isso é falsa propaganda”. E ele me deu esta explicação: “Vocês têm igrejas, abrem no domingo para os cultos, a missa, depois fecham e só abrem no domingo seguinte. Os templos ficam fechados a semana inteira. Quando dominamos um país, nós tomamos a igreja e fazemos funcionar como escola ou museu, ou outra coisa educativa e no domingo devolvemos ao padre ou ao pastor.” E eu concordei, porque, enquanto no Brasil há falta de milhares e milhares de templos que ficam vazios a

390 Entrevista: Missionário Manoel de Mello. In: Boletim CEI. Rio de Janeiro: Tempo e Presença Editora. 1973.

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semana toda.[...] Então nós queremos fazer em cada templo ou igreja uma escola sim.391

Manoel de Mello observou, ainda, que “não podemos esperar que a educação se faça por processos milagrosos que nem a minha. A igreja tem que ajudar”. Defendeu a disseminação do que chamou de “Evangelho Social”, o “Evangelho com pão”, que atentasse para o homem em sua integralidade, isto é, para “o homem total”, não só para o espírito. Isso a partir de uma perspectiva que não entende o “Reino de Deus” como estando no céu, mas, sim, “entre nós”. Daí sua fala revelar aspectos de uma aproximação teológica com a visão “libertária” que começou a irromper no contexto da CEB dos anos 1950. Desse modo, asseverou que:

Quando eu digo Evangelho com pão eu digo evangelho com saúde e cura. Faz parte do pão. A libertação do homem faz parte do pão. O pão não é só uma bisnaga da padaria para comer, mas é tudo o que beneficia o homem. Com pão eu quero dizer educação. Eu quero dizer vestuário...O pão eu quero dizer escola, hospital. O pão eu quero dizer o salário justo. O respeito à pessoa humana. Quando eu digo Evangelho com pão eu digo evangelho com justiça social, com os direitos do homem. Eu digo Evangelho com a Declaração aprovada pelas Nações Unidas, que o Brasil também aprovou. Neste Evangelho, neste contexto eu me enquadro como pregador do Evangelho.392

Mello fundamentou esse posicionamento, citando as diretrizes da Carta de Tiago, contida no Novo Testamento, a qual exorta os cristãos a esmerarem-se na prática das boas obras. Desse modo, para o missionário, era necessário adotar o “Evangelho com pão”. O comunismo não estava habilitado para resolver o problema, pois “comunismo é depósito de Pão, mas sem evangelho. Então é falso.”

A julgar pela bibliografia que identifica o pentecostalismo com os “interesses alienantes” do capitalismo norte-americano, poderíamos pensar que o pentecostal Manoel de Mello preferisse o capitalismo para promover o “Evangelho com pão”. Contudo, ele assinala que “o capitalismo é um depósito de bens materiais para um pequeno grupo. Notem que o

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