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4 ANÁLISE DO CORPUS

4.1 Década de 1940

4.1.1 Contexto histórico

A primeira metade da década de 1940 foi marcada pela ocorrência da Segunda Guerra Mundial. Em se tratando de um fato histórico, no entanto, não podemos isolá- lo no tempo e no espaço. Os acontecimentos que levaram a esse segundo grande confronto bélico entre nações tiveram suas origens na própria Primeira Guerra Mundial, cujo desfecho deixou marcas e rancores nos países derrotados. Além de testemunhar esse diálogo causal entre as duas grandes guerras, a década de 1940 inseriu-se em um contexto histórico de surgimento de grandes proporções de refugiados e apátridas no plano internacional.

Com a fragmentação dos grandes impérios multinacionais – o czarista, o otomano e o austro-húngaro, por ocasião do fim da Primeira Guerra Mundial, o problema das minorias religiosas, étnicas e linguísticas se aprofundou nos Estados nacionais, gerando uma tensão entre os direitos dos povos e os direitos dos homens. No período entre guerras, o agravamento das tensões, junto com outros fatores de ordem econômica, ocasionou restrições à livre circulação de pessoas, alterando a

dinâmica das correntes migratórias e transformando as minorias, os refugiados e os apátridas em displaced people – pessoas deslocadas de seu povo, seu Estado, seu território. Essas pessoas passaram a ter imensas dificuldades para encontrar um lugar no mundo, tendo em vista a falta de um aparato jurídico apropriado na ordem política internacional.

Com relação ao Brasil, como nos ensina Koifman (2012), a política imigratória adotada entre o século XIX e as primeiras décadas do século XX foi liberal. Nesse período, houve uma prática de completa abertura e incentivo à imigração. A argumentação das elites dirigentes e dos governos da época para justificar tal política de imigração se baseava na preocupação em encher os espaços vazios do nosso território e em branquear a população. O discurso dos governantes repetidamente atribuía o atraso e muitos dos problemas brasileiros à “má formação étnica” da população. Nesse sentido, defendiam como solução a vinda de novos imigrantes, preferencialmente europeus que não fossem negros.

Com o passar dos anos e com a convivência dos brasileiros com os imigrantes de diversas origens e etnias, os juízos relacionados a essa experiência foram se modificando. De solução, os imigrantes passaram a ser relacionados à “desfiguração” e ao “desnaturamento” do povo brasileiro12. No início da década de 1930, já se começava a debater a respeito dessa abertura total e iniciavam-se as discussões acerca do imigrante ideal para povoar o território brasileiro.

Como resultado desses debates, a Constituição de 1934 apresentou as primeiras restrições significativas à entrada de estrangeiros no Brasil, fixando cotas para ingresso de estrangeiros (Cf. Constituição de 1934, art. 121, §6º). Com a implantação do Estado Novo em 1937, o assunto passou a receber atenção ainda maior. Nesse contexto, mais leis foram criadas para controlar a entrada e permanência de estrangeiros no Brasil, utilizando como fundamento a necessidade de assegurar a integridade étnica, social, econômica e moral da nação (Cf. Decreto-Lei nº 3.010 de 20 de agosto de 1938; Decreto-Lei nº 1.545 de 25 de agosto de 1939). Durante o período estadonovista (1937-1945), quando também foi deflagrada a Segunda Guerra Mundial, houve um expressivo endurecimento nas leis para a concessão de vistos temporários e permanentes (Cf. Decreto-Lei nº 3.175 de 7 de abril de 1941).

12 Segundo Koifman (2012), essas expressões aparecem com frequência na correspondência do

Conselho de Imigração e Colonização (CIC) e em artigos publicados em Revista de Imigração e Colonização. Rio de Janeiro: s/ed.

Embora os desajustes advindos das guerras tenham afetado mais intensamente a Europa e os países envolvidos diretamente nos conflitos, o Brasil, país caracteristicamente receptor de migrantes, cerrou suas portas, por motivos internos e externos, para os displaced people – aqueles classificados como os ‘indesejáveis’.

Com o fim do Estado Novo regido por Getúlio Vargas e o encerramento da Segunda Guerra Mundial (1945), uma nova configuração no quadro político- institucional desponta no cenário brasileiro. Cessada a censura à imprensa, sucedem- se manifestações de artistas e intelectuais em favor da restauração da ordem democrática e da convocação de eleições. Novos partidos são fundados e, em 1946, uma nova constituição, de orientação liberal, é promulgada. Sob a presidência do General Eurico Gaspar Dutra, instaura-se no Brasil um período de redemocratização após 15 anos de excepcionalidade, que se haviam iniciado em 1930.

As mudanças ocorridas no Brasil estavam de acordo com a lógica de um cenário internacional que se caracterizava pela consolidação dos valores democráticos ocidentais triunfantes na luta contra o totalitarismo nazifascista. No entanto, com a emergência das forças norte-americanas e soviéticas durante a Segunda Guerra, o domínio bipolar do mundo se prenunciava. As relações entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) passaram ao centro das relações internacionais.

Esse quadro internacional levaria os EUA a logo reforçar suas alianças estratégicas, traçando um sistema de defesa e de segurança coletiva que englobaria o Brasil. Para o país da América do Sul, a aliança com os EUA gerava expectativas positivas. Acreditava-se que, ao se aliar à nova potência, o Brasil receberia uma afluência de recursos norte-americanos para incentivar seu desenvolvimento. Embora essas expectativas não se tenham confirmado, o Brasil deu continuidade à sua relação com a nova potência do Ocidente.

As transformações em andamento no mundo influenciaram o horizonte político- institucional brasileiro, tornando-o complexo. Após o modelo getulista, o país sentia a ausência de um paradigma institucional e encontrava-se circunscrito pela falta de coesão social. Acompanhando a atmosfera internacional, o Brasil também estava dividido com relação à confrontação soviético-americana.

Em termos de cultura brasileira, a gestão do Ministro Gustavo Capanema junto à pasta de Educação e Saúde, no período entre 1934 e 1945, trouxe um novo padrão de relacionamento entre os intelectuais e a classe dirigente do país. O Ministro

transformou o ministério em “área livre” para a produção de uma cultura oficial, acomodando as mais diversas linhas ideológicas.

Para alguns dos intelectuais que participavam dessa produção, instalou-se o dilema da custosa separação entre sua atividade criadora e a simples atuação na prestação de serviços políticos. A saída encontrada para superar esse dilema foi desenvolver, principalmente para os modernistas, um trabalho nacionalista. Assim, como nacionalistas, poderiam se atribuir o papel “[...] ora de porta-vozes legítimos do conjunto da sociedade, ora de verdadeiros gestores do espólio cultural da nação” (MENDONÇA, 1990, p. 345).

O projeto estadonovista de afirmação da nacionalidade encontrou, por meio das ações ministeriais, dois modos de sedimentação: privilegiando sua missão educacional e patrocinando a “alta cultura”13 (Cf. MENDONÇA, 1990, p. 345). Para atender ao primeiro caso, implantou as reformas do sistema de ensino, com a Lei Orgânica do Ensino Secundário (1942), com o objetivo de uniformizar os procedimentos pedagógicos e padronizar os conteúdos, currículos e livros didáticos impostos em âmbito nacional. Também buscou erradicar as minorias étnicas, linguísticas e culturais, direcionando-se, principalmente, para os núcleos de imigração alemã no sul do país, bem como para os grupos representativos da cultura afro- brasileira.

No que se refere à “alta cultura”, o Estado empreendeu todo um esforço para diferenciá-la de uma cultura inferior, utilizando o critério da maior nacionalidade da primeira. Segundo Mendonça (1990, p. 346), o Estado estava disposto a investir em “projetos culturais grandiosos, situados no limite entre a mobilização controlada das massas e a mera propaganda política do regime”.

13 O projeto estadonovista investiu no controle autoritário do Estado. Para isso, as várias esferas da

sociedade deveriam estar envolvidas, inclusive a cultural. Desse modo, o Estado se ocupou do fomento à “nacionalização” da cultura, visando homogeneizar e uniformizar os valores, comportamentos e mentalidades. A “alta cultura” seria, então, toda aquela que concorresse para a expressão de um Brasil integrado, sem diferença e pluralidade. As artes ou bens culturais que manifestassem a heterogeneidade brasileira eram considerados “menores”.