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O casarão real da Rua Fresca, de portas e janelas verdes, única construção residencial não geminada da cidade, foi arrematado por uma ninharia de um nativo. Como, de resto, aconteceu com muita gente depois da abertura da Rio-Santos. Muitos cariocas e paulistas

arrumaram a trouxa, compraram seu casarão colonial da mão de pescadores por uma pechincha, abriram pousadas, lojas, restaurantes e vão muito bem, obrigado (WILK, 1997, p.44 apud OLIVEIRA, 2004).

E foi exatamente assim, conforme relata Wilk (1997), que aconteceu em Paraty quando a cidade passou a ser considerada como um destino turístico. O turismo em Paraty se desenvolveu principalmente após a construção da estrada Rio- Santos (BR-101), entre os anos 1970 e 1980, que passou a ser o principal acesso ao lugar.

Paraty foi fundada em 1667 e historicamente sempre teve sua importância econômica, que inicialmente se devia à grande quantidade de engenhos de cana-de- açucar e, posteriormente, ao porto do município, que escoava o ouro e as pedras preciosas vindos de Minas Gerais. Com a mudança da rota do ouro, devido aos constantes ataques de piratas ao local, a cidade passou por um longo período de isolamento.

Zezito Freire (2012) relata que o início do século XX se mostrou um tanto quanto tenebroso para os habitantes de Paraty. Os sinais da decadência eram cada vez mais aparentes em seu cotidiano, doenças como a malaria e a verminose incidiam assustadoramente sobre os paratienses. Perceptivelmente, o ouro já fazia parte do passado e dos 120 engenhos produtores de cachaça, nem metade existia. Além disso, os engenhos de açúcar não passavam de lembrança.

O autor continua seu relato afirmando que o abandono era tanto que a população mais apegada às crenças acreditava em lendas de que haviam lançado pragas contra a cidade de Paraty, o que impedia a cidade de prosperar como acontecera nos séculos anteriores.

Paraty era então uma cidade esquecida entre todas as outras existentes no Rio de Janeiro no início do século XX. Lá não havia chegado todas as mudanças trazidas com os tempos modernos, com a industrialização. Apesar disso, talvez esse isolamento tenha sido, a princípio, um importante fato motivador para a realização do turismo na região, uma vez que a cidade ainda conservava memórias de tempos antigos muito aparentes na sua arquitetura e na própria comunidade local, sem falar na natureza praticamente intocada pelo homem.

Culturalmente, também devemos destacar as Festas Religiosas da cidade, que representavam uma forte tradição da comunidade paratiense. Zezito Freire (2012) destaca que muitos diziam que o isolamento da cidade contribuía para as festividades constantes em Paraty. Estes eventos contavam também com manifestações folclóricas, como a dança dos velhos, danças dos caiapós e a dança das fitas. Apesar de tão comuns, com o tempo os folguedos foram perdendo a força, restando apenas alguns pequenos grupos interessados na ciranda, que ainda se apresentam nas festas “caipiras” ou folclóricas da cidade.

Economicamente, a aguardente ainda era o que se destacava nesta época. A população do litoral, também conhecidos como caiçaras, vivia basicamente da pesca artesanal. Os peixes eram vendidos na “banca do peixe” pela manhã e o comércio era alimentado pela produção do município de Cunha – os tropeiros levavam milho, feijão, batata, galinhas, ovos, mantas, frutas da estação, entre outros produtos, para a comercialização em Paraty, e retornavam a Cunha levando peixe.

Neste ponto, devemos destacar que apenas em 1927 foi iniciada a construção da Estrada Nova Serra, também conhecida como Estrada Paraty-Cunha, o que permitiu a chegada dos primeiros carros à Paraty na década de 1950. Inicialmente, essa ligação entre Paraty e Cunha já existia, mas percorria um traçado um pouco diferente, sendo um caminho mais curto, porém mais íngreme, onde era possível ser percorrido com mulas ou apenas a pé em alguns trechos – era o trajeto utilizado no antigo Caminho do Ouro que levava às cidades mineiras.

No entanto, é importante lembrar que até a data de hoje3 essa estrada ainda não foi totalmente concluída, sendo mantida por meio de mutirões da população local que ainda a utiliza, conforme relata o blogueiro Pedro Máximo4, morador de Cunha. Durante alguns anos, chegou inclusive a ter linha de ônibus que circulava, fazendo o transporte entre as cidades, mas esse serviço foi interrompido após a construção da Rodovia Rio-Santos.

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Janeiro de 2013

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Pedro Máximo é morador de Cunha,SP, fotógrafo e professor de História. Disponível em: http://pedromaxisilva.blogspot.com.br. Acesso em 01 dez. 2012.

Continuando com os relatos de Freire, os pequenos avanços não conseguiam superar os grandes recuos e “a cada ano a cidade ficava mais pobre, pobreza que procurava enganar nos folguedos constantes” (2012, p.20). O autor complementa seu relato afirmando que a política teve um forte papel nessa estagnação da cidade no tempo, afirmando que:

Pelo que foi dado ver, assim seria Paraty até o fim do Estado Novo, pois para ocupar a função de prefeitos, para cá eram mandadas pessoas que passavam a conhecer a cidade quando nela punham os pés para assumir o cargo para o qual haviam sido nomeados, sem vínculo com a sua história e o seu povo, jamais passando de meros burocratas na Prefeitura. (FREIRE, 2012, p.20-21)

Assim, notamos que a política estabelecida naquela época contribuiu para a manutenção do período decadente. Entre as causas da decadência, podemos citar a transferência do Caminho do Ouro, a construção da Estrada de Ferro Rio-São Paulo e, em maior grau, a abolição da escravatura, que abalou fortemente a produção dos alambiques da cidade.

Dessa forma, observamos que Paraty passou da condição de cidade de grande importância econômica para a condição de cidade decadente e esquecida dentro do território nacional. Entretanto, o século XX, que começou sem grandes esperanças para o povo de Paraty, acabou se transformando no século que abriu caminho para as mudanças tão esperadas e marcou a passagem para a construção de uma nova história, onde o turismo, até então um termo quase que desconhecido para a comunidade paratiense, acabou se tornando a alavanca para a ressurreição da cidade.

Após uma sequência de importantes acontecimentos, aos poucos, Paraty renasceu para uma nova fase. Podemos citar a criação das Leis Ambientais e o tombamento da cidade como Patrimônio Histórico Nacional como dois grandes fatos que reconhecem Paraty como uma importante cidade dentro do contexto cultural e ambiental do país.

Abaixo podemos observar uma listagem de leis e outras medidas que afetaram bastante a cidade ao longo dos anos5:

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- Decreto-Lei N°1.450, de 18 de setembro de 1945 – Erige a cidade de Paraty em monumento histórico do Estado do Rio de Janeiro;

- Decreto N°58.077, de 24 de março de 1966 – Paraty é elevada à condição de Monumento Nacional;

- Decreto N°68.172, de 04 de janeiro de 1971 – É criado o Parque Nacional da Serra da Bocaina;

- Lei Municipal N°744, de 23 de fevereiro de 1987 – A Baía de Paraty passa a ser considerada Área de Preservação Permanente;

- A Estação Ecológica dos Tamoios foi criada em 23 de janeiro de 1990;

- Lei Estadual N°1.859, de 1°de outubro de 1991, regulamentada pelo Decreto N°17.981, de 30 de outubro de 1992, e o Ato Governamental, de 06 de março de 1993 – Decreta o tombamento da Mata Atlântica em todo o Estado do Rio de Janeiro;

- Lei Federal N°6.902, de 27 de dezembro de 1981 – Cria a Área de Proteção Ambiental Caiçuru (APA Caiçuru).

Também podemos encontrar algumas construções de Paraty na listagem dos bens tombados do Estado do Rio de Janeiro pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional6:

- Forte Defensor Perpétuo – 1957;

- Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios – 1962; - Igreja de Nossa Senhora das Dores – 1962;

- Igreja de Nossa Senhora do Rosário – 1962; - Casa Da Fazendo N. S. da Conceição – 1957.

Paraty tentou por algumas vezes o título de Patrimônio da Humanidade, fornecido pela UNESCO. No entanto, até o momento todas as tentativas foram frustradas, mesmo com toda essa bagagem histórico-cultural. Atualmente, existe

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uma forte campanha promovida pelo Governo Federal, pelo Governo do Rio de Janeiro, pela Prefeitura de Paraty, pelo Ministério da Cultura e pelo IPHAN para que a população se mobilize pela causa e assine um abaixo-assinado virtual7 afim de que Paraty se torne Patrimônio Cultural da Humanidade.

Apesar de essas medidas terem significado o reconhecimento da importância da cidade de Paraty dentro do contexto histórico e ambiental do Brasil, a maioria dos indivíduos pertencentes à comunidade local do município não aprovava as legislações. Para eles, era a comprovação de que Paraty ficou parada no tempo enquanto todo o resto do país evoluíra, além de representarem uma barreira para um futuro desenvolvimento. (FREIRE, 2012)

Entretanto, não podemos deixar de ressaltar que o principal fato que levou à reintegralização de Paraty ao resto do país foi a abertura da Rodovia Rio-Santos, que veio a se tornar o principal acesso à cidade por vias terrestres. Então, a facilidade de acesso acabou trazendo uma grande quantidade de turistas e empreendedores que enxergaram a oportunidade na região.

O turismo fez com que o cotidiano da cidade mudasse completamente, os moradores, que antes se sentiam isolados, passaram a ter que conviver todos os dias com pessoas de outras localidades, principalmente de São Paulo e do Rio de Janeiro. As adaptações que tiveram que ocorrer foram muitas: o encontro com diferentes culturas, a infraestrutura turística que teve de ser construída, o grande aumento no preço dos bens comercializados, entre outras.

Os empreendedores que chegaram à cidade foram comprando ou alugando as construções que estavam localizadas no seu Centro Histórico. Ofereciam quantias baixas aos seus proprietários – moradores locais – perto do lucro que futuramente conseguiriam com a comercialização de produtos ou serviços turísticos.

Dessa forma, os nativos foram se deslocando para regiões mais afastadas do centro e, muitos deles, passaram a viver à margem do desenvolvimento tão esperado durante anos. Este caso nos leva, inclusive, a recordar a época da Primeira Revolução Industrial aqui comentada, quando os trabalhadores foram

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O abaixo assinado pode ser encontrado online no site http://www.paratypatrimonio.com.br/. Acesso em 01 dez. 2012.

excluídos do “progresso” e as cidades começaram a se urbanizar e a ficar cada vez mais cheias, marginalizando os menos favorecidos.

Assim, o turismo trouxe consigo benefícios e malefícios, como acontece em qualquer outro destino do mundo quando descoberto. Até mesmo a pesca, que era a atividade econômica mais importante dos paratienses, se tornou uma atividade secundária para muitos, dando o lugar ao turismo. O encontro do antigo com o novo trouxe a Paraty mais esperanças, a comunidade local viu a cidade renascer para o mundo, ela estava finalmente inserida na modernidade tão sonhada.

As construções antigas do Centro Histórico abrigam, atualmente, um comércio turístico variado. Entre as ruas irregulares, é possível encontrar uma grande diversidade de bares e restaurantes, meios de hospedagem e lojas de souvenir. O mesmo acontece na Vila de Trindade, onde também encontramos esses empreendimentos turísticos, apenas um pouco menos sofisticados.

De acordo com o inventário da oferta turística do município de Paraty, divulgado em 2011, conseguimos, mais uma vez, comprovar a relevância da atividade turística dentro da cidade, que tem os equipamentos turísticos como os primeiros da lista em quantidade. A modalidade Comércio Turístico, que engloba as lojas de souvenir, ocupa a terceira posição em quantidade de empreendimentos, totalizando 96 lojas. As primeiras posições são ocupadas pelos Meios de Hospedagem (286) e Gastronomia (196).

Dessa forma, conseguimos notar a importância do comércio de souvenir para a economia local, uma vez que aparecem em número significativo entre os demais empreendimentos existentes em Paraty. Não apenas economicamente, devemos considerar a importância desse produto nos âmbitos cultural e social para a comunidade local da cidade, já que esses três aspectos estão necessariamente interligados.

Nesse contexto, podemos começar a fazer uma análise do souvenir comercializado em Paraty e encaixá-lo em nosso tema, de modo a relacionar mais claramente os problemas expostos na pesquisa bibliográfica, apresentada nos primeiros capítulos deste trabalho, com o caso dessa cidade.

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