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3.1 O SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO EM UM CONTEXTO HISTÓRICO:

3.1.1 Contexto Histórico

O contexto sociopolítico de inserção das primeiras tecnologias baseadas em fontes hidroenergéticas nacionais remonta o segundo império, período no qual a importação de maquinários para a inserção na indústria encontrou a economia favorável do ciclo cafeicultor (COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS, 2016). A partir de 1879, Dom Pedro II concedeu a Thomas Alva Edison a introdução de máquinas de corrente contínua para a iluminação pública e aparelhos de pequeno porte em processos pouco complexos de maquinofatura por meio da empresa General Electric (COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS, 2016).

Na pretensão de se nivelar às economias em desenvolvimento, como era o caso dos Estados Unidos da América e a Europa, o Brasil estimulou o uso das aplicações iniciais da energia elétrica, a partir de 1879, para iluminação pública e doméstica (CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL, 2014). Em 1883, o primeiro aproveitamento hidroenergético entra em operação para a mineração em Santa Maria, Diamantina, nomeada Ribeirão do Inferno. Em 1889, a primeira Usina Hidrelétrica intitulada Marmelos-Zero, da Companhia Mineira de Eletricidade, entra em operação para atender o complexo industrial Bernardo Mascarenhas em Juiz de Fora, Minas Gerais, com 250 KW (COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS, 2016; TOLMASQUIM, 2005; NOWAKOWSKI, 2015).

Note-se que foram grupos privados estrangeiros que inicialmente exploraram os serviços de eletricidade no Rio de Janeiro e São Paulo. Por outro lado, esses investidores não fizeram os aportes de capital necessários para expandir o fornecimento de eletricidade e no início do século XXI, as duas principais cidades brasileiras da época já sofriam os efeitos de interrupções, racionamentos e a carência de eletricidade, além das altas tarifas cobradas por esse serviço (CHUAHY; VICTER, 2002).

Em 1930, o Brasil contava com uma potência de 779 MW instalada, caracterizada pela presença de 630 MW em hidrelétricas e 149 MW em termoelétricas. A Revolução de 1930 marcou a modernização do país e foi referência para formação do modelo tradicional de atuação do setor elétrico nacional. O Código de Águas foi decretado em 1934 e impôs a nacionalização progressiva de todas as fontes de energia hidráulica existente e julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica, militar e ambiental, possibilitando um controle mais rigoroso sobre as concessionárias atuantes nacionalmente (CHUAHY; VICTER, 2002). Em decorrência do início da II Guerra mundial, uma crise de suprimento de eletricidade ocorreu resultante da falta de investimentos do capital privado e em 1939, o governo criou o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, cuja preocupação inicial foi coordenar uma política de racionamento, organização e o desenvolvimento de uma política nacional de energia elétrica (TOLMASQUIM; OLIVEIRA; CAMPOS, 2002).

O governo federal começou a atuar fortemente no setor elétrico brasileiro em 1945, por meio da criação da Companhia Hidrelétrica de São Francisco, uma sociedade de economia mista que entrou em funcionamento em 1949 (CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL, 2014). Além disso, foram desenvolvidas iniciativas

para equacionar a expansão do parque gerador brasileiro, destacando-se os principais projetos de lei que foram encaminhadas ao Congresso Nacional à época: (1) a instituição do Imposto Único Sobre Energia Elétrica (IUEE) previsto no artigo 15 da Constituição de 1946; (2) a criação do Fundo Federal de Eletrificação (FFE); a regulação da distribuição e aplicação das parcelas do imposto arrecadado que deveriam ser direcionados aos estados, Distrito Federal e aos municípios; (3) a instituição do Plano Nacional de Eletrificação e (4) a constituição da empresa Central Elétrica Brasileira S.A (MONTEIRO; SANTOS, 2010).

Ao final da Era Vargas, iniciou-se efetivamente a fase de planejamento de grandes obras de infraestrutura. O Estado assumiu uma posição empreendedora o que, segundo Bursztyn (1990), reforçou o viés político e econômico das decisões públicas. Nesse momento, a política energética voltou-se ao setor elétrico para garantir o desenvolvimento industrial e o atendimento à população objetivando diminuir as interrupções do serviço. Para garantir a oferta de energia elétrica, Getúlio Vargas defendia a participação do Estado na produção, observando a importância de mecanismos de financiamento e a criação de um Ministério de Minas e Energia, com a responsabilidade de realizar o planejamento das necessidades do setor elétrico no horizonte de longo prazo (CHUAHY; VICTER, 2002).

A evolução do setor elétrico brasileiro no período entre 1945 e 1962 foi marcada pelo momento político e econômico do término da II Guerra mundial. Ao final de 1945, a economia mundial retomou o crescimento e os investimentos e, no Brasil, ocorria o fim da ditadura do Governo Vargas, que apontava para reformas estruturais importantes no Estado (MARTINS, 2009). Evidencia-se que as empresas privadas não teriam as condições necessárias para suprir a demanda de energia das indústrias emergentes e a intervenção estatal no setor elétrico foi inevitável.

O governo de Juscelino Kubitschek foi caracterizado pelo desenvolvimentismo e planejamento estatal expresso no Plano de Metas por meio da ampliação da infraestrutura – em especial, o aumento da geração de energia elétrica, que receberia 30% do total dos investimentos previstos. Essa política objetivava atrair investidores estrangeiros ao país. Em 28 de maio de 1957, foi assinado o Decreto Federal n.o 41.066, que visava a criação da Central Elétrica de Furnas (BURSZTYN, 1990).

Note-se que a década de 1960 foi marcada por um intenso processo de estatização do setor elétrico e também foi o ano de criação do Ministério das Minas e Energia. Em abril de 1961, foi aprovada a constituição das Centrais Elétricas Brasileiras S.A., uma holding de empresas do porte da Companhia Hidrelétrica do São Francisco e da Central Elétrica de Furnas, sendo-lhes transferidas as atribuições de financiamento do setor elétrico e à gestão do Fundo Federal de Eletrificação. Nesse mesmo ano, durante o governo de Jânio Quadros, finalmente foi regulamentada a criação das Centrais Elétricas Brasileiras S.A., cuja aprovação ocorreu num contexto entre inúmeras interferências de pressões das forças antinacionais (CHUAHY; VICTER, 2002).

Estrategicamente, o governo brasileiro adquiriu a totalidade das ações da LIGHT, passando todas as concessionárias do setor de energia elétrica a serem constituídas por 100% de capital nacional. Esse modelo de expansão do setor, durante a década de 1970, viabilizou investimentos advindos de recursos externos. Ao longo da década de 1980, esse padrão começou a apresentar deficiências quando as empresas estatais foram usadas como instrumento para captação de financiamentos externos e política macroeconômica de combate à inflação. Nesse sentido, "[...] o resultado do descaso governamental quanto ao setor elétrico foi a redução da rentabilidade e consequentemente dos recursos próprios para investimentos e o aumento do endividamento a custos exorbitantes" (TOLMASQUIM; OLIVEIRA; CAMPOS, 2002, p. 48).

Os expressivos investimentos em obras para construção de hidrelétricas no início da década de 1980 resultaram em uma situação de excedente de energia que foi vendida a preço quase nulo para possibilitar a substituição do óleo combustível na indústria. O setor elétrico era totalmente estatal e foi forçado a promover "políticas de incentivos tarifários para estimular as indústrias a investirem em eletrotermia, a fim de cobrir os investimentos realizados pelas empresas de energia" (REIS; FADIGAS; CARVALHO, 2012, p. 25).

Foi no governo de João Baptista Figueiredo que a privatização das estatais começou a ser amplamente discutida sob o argumento de que as autoridades estavam perdendo o controle sobre essas empresas. O novo modelo do setor elétrico foi estipulado pela Lei n.o 8.631, que estabeleceu a oferta de menor tarifa como critério para licitações de empreendimentos e instituiu contratos de venda de energia de

longo prazo, além de condicionar a licitação dos projetos de geração às licenças ambientais prévias, um importante avanço na questão da preservação dos recursos naturais (MONTEIRO; SANTOS, 2010).

Segundo Tolmasquim, Oliveira e Campos (2002), em 1990 o presidente Fernando Collor de Mello sancionou a Lei n.o 8.031, que instituiu o Programa Nacional de Desestatização e a Lei das Concessões tornou-se o marco fundamental do início do processo de privatização. Na opinião dos autores no caso do setor elétrico, o Plano Nacional de Desenvolvimento baseou-se na avaliação de que as crises financeiras da União e dos Estados inviabilizariam a expansão da oferta de eletricidade e a manutenção da confiabilidade das linhas de transmissão.

Em Mendonça e Dahl (1999), foi discutida a reforma do setor elétrico brasileiro. Como questões principais levantadas por esses autores, observa-se que aquele marco regulatório proposto não estava sendo bem sucedido em atrair capital privado para geração de energia. Como principal causa desse insucesso, os autores apontam: a falta de fonte de financiamento apropriado, o alto custo do capital no Brasil e, por fim, a ausência de uma taxa de câmbio adequada na indexação dos contratos de compra de energia. Dois pontos de estrangulamento são referenciados nas conclusões: (a) o início do processo de privatização deixou para trás pendências regulatórias, desfavorecendo ações da nova reforma; e (b) a falta de uma política adequada de modicidade tarifária: "o problema com a atual política tarifária é a distorção interna que não compensa os investimentos em geração"21 (MENDONÇA; DAHL, 1999, p. 82).

Em 2001, o Brasil passou por uma severa crise de suprimento de energia elétrica, que ficou popularmente conhecida como "Apagão", como citado. O principal fator que levou a essa conjuntura foi o efeito das condições hidrológicas desfavoráveis, mas houve opiniões divergentes desse argumento apresentado pelas autoridades do setor elétrico na ocasião.

Cabe destacar que foi principalmente a falta de investimento em expansão, geração e transmissão que resultou "na queda da produção de energia hidrelétrica no período, que variou de 28% a 46% comparado aos valores de 2000" (CONSELHO

21 Tradução livre de: "The problem with the current tariff policy is the internal distortion that does not

EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2015, p. 20). Em Pinguelli Rosa (2002, p. 87-88), verifica-se que:

Os investimentos desceram de US 13,9 bilhões em 1980 ou 11,1 bilhões em 1989, para 7,1 bilhões em 1993, 4,5 bilhões em 1995 e 6 bilhões em 1998. [...] Embora a falta de investimento em geração de energia tenha sido grave, o mesmo ocorreu com a transmissão, como ficou evidente no blecaute de 1999. No fim de 2000 e início de 2001, o excesso de água vertido em Itaipu poderia ter aliviado a crise economizando água dos reservatórios do Sudeste, mas a terceira linha de Itaipu ao Sudeste não está concluída.

Pires, Fernandez e Bueno (2006, p. 12-13) atribuem a natureza do déficit elétrico a uma crise de Estado que impediu o setor estatal de fazer as inversões necessárias ao longos dos 20 anos anteriores. Ademais o processo de privatização foi tímido, incompleto e "transferiu a maioria das distribuidoras ao setor privado [...] mas manteve 80% do parque gerador nas mãos do Estado". A falta de reação dos dirigentes do setor elétrico só agravou a situação, quando, no início de 2001, o volume dos reservatórios estava em níveis críticos quando o padrão de consumo de eletricidade se mantinha inalterado.

Os anos de 2000 a 2002 foram marcados por fortes políticas neoliberais durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (LEITE, 2011). Nesse período, ocorreu o lançamento do Programa Prioritário de Termelétricas, que objetivou a implantação de diversas usinas a gás natural, compra de energia da Argentina e a instituição do Conselho Nacional de Política Energética com a atribuição de formular e propor as diretrizes da política energética nacional. Segundo o autor, ao final do ano de 2003, o consumo de energia elétrica voltou a crescer à taxa média de 5% a.a., entretanto, o episódio do racionamento mostrava que se tratava de uma crise de Estado, que por quase vinte anos, evitou os investimentos necessários.