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4 METODOLOGIA DA PESQUISA

5.1 REFLEXÕES SOBRE TECNOLOGIA, ECONOMIA E A ENERGIA

A noção de que a ciência só poderia ser construída e sustentada em modelos matemáticos e pressupostos deterministas remonta ao século XV, e frequentemente está associada ao método de análise proposto por René Descartes em O Discurso

sobre o Método (1637). A certeza da ciência do mundo mecanicista só poderia ser

expressa em "formulações das leis da natureza pela mecânica clássica" (SANTOS, 1988, p. 15), portanto sem nenhum contexto social ou natural a ser levado em consideração.

Ao se propor o estudo da energia em suas quatro dimensões (ambiental, econômica, social e institucional), buscou-se refletir sobre o papel da tecnologia aplicada à energia, em um contexto no qual, atualmente, intensifica-se a interação entre diferentes agentes buscando soluções ótimas enfrentando diários tradeoffs de difícil resolução.

As soluções para os problemas de descompasso entre expansão do crescimento econômico e degradação ambiental não devem se restringir à questão tecnológica, porque a tecnologia impõe seus próprios limites. Nas proposições de Heidegger (2007); Feenberg (1991); Ellul (1968); Bunge (1985); McLuhan (1980), encontra-se essa noção de afastamento do cientista do campo social e das ciências naturais, posicionando a

tecnologia como um instrumento de manipulação do pensamento humano. Não se pode negar o caráter social da tecnologia como vetor do desenvolvimento, mas outras análises são pertinentes, essencialmente aquelas que envolvam o conceito de respeito à natureza, às instituições e a determinados valores fundamentais, como o direito à vida e a liberdade.

No sentido de convergir os distintos interesses dos agentes e minimizar os conflitos resultantes de disputas sociais, ambientais e econômicas, Prigogine (2009) propõe a construção da ciência numa perspectiva multidisciplinar, visto que não há mais espaço para concepções de sociedade nas quais impere o extremismo tecnológico. Entre os autores que mais discutiram essa antagônica relação entre tecnologia e economia destacam-se Prigogine (2009); Heidegger (2007); Postman (1994) e Schumacher (1983) segundo os quais se entende que o crescimento econômico se chocará com valores decisivos pela ótica ambiental e social. Heidegger (2007) enxergava a tecnologia a serviço dos interesses empresariais; contudo, na sociedade moderna, soluções tecnológicas vão além dos interesses das corporações. A tecnologia se mostra cada vez mais aproximada da anatomia humana, simulando seu comportamento e modo de vida.

Lovelock (2007) expõe as ameaças e advertências do modelo econômico baseado em uso de energético de fontes fósseis. Em Capra (1993), a crítica se desenvolve em torno das falhas da estrutura econômica, ao não se considerar as dimensões ambientais e sociais na formulação de políticas macroeconômicas, em especial o comportamento agressivo das multinacionais nos países de baixo desenvolvimento.

O paradigma do desenvolvimento sustentável veio apoiar novas proposições de modelo econômico sob a bandeira do relatório Nosso Futuro Comum. As denúncias de degradação do meio ambiente e a incerteza sobre a inviabilidade de existência de um planeta seguro passaram a exigir uma mudança de comportamento da geração presente, alterando-se os fundamentos da ordem econômica nacional e internacional (DIAMOND, 2007; HAWKEN; LOVINS; LOVINS, 2005). Não se poderia crescer e prosperar ignorando as condições de pobreza e desigualdade dos países de baixo desenvolvimento que estavam funcionando de "aterro" dos países desenvolvidos.

É importante destacar a contribuição de dois cientistas que, ao analisar seus próprios campos de pesquisa, alertaram para a urgência de se ampliar o alcance de estudo da economia: Georgescu-Roegen e a Lei da Entropia; e Ignacy Sachs, com

as proposições de liberdade, justiça social e valores ao meio ambiente. Ambos trouxeram contribuições importantes para jovens pesquisadores que passaram a visualizar em seus estudos um espaço para incorporar temas considerados como "à parte" da ciência ou objeto de estudo das ciências naturais, sociais e biológicas. No Brasil, Celso Furtado também produziu uma obra importante para refletir sobre o conceito de bem-estar social baseado apenas na produção de riqueza.

Ao se estabelecer a relação entre a Ciência e Tecnologia e a temática energética35, ao se aproximar métodos pautados na lógica cartesiana com as ciências

sociais, é possível encontrar um ponto de convergência nessa discussão, para o qual a sociedade está sendo empurrada: os limites do crescimento a qualquer custo.36

A tecnologia por si só não resolverá os dilemas do mundo moderno. Ao se falar em sustentabilidade, acredita-se que a solução esteja num choque de oferta de energia aos moldes dos anos 1980, quando se deveria pensar em frear o consumo, ou eficientizar os padrões de consumo da indústria e da sociedade.

Atualmente, as discussões em torno do modelo de setor elétrico brasileiro, que é fortemente estruturado no aproveitamento hídrico, têm sido questionadas à luz das inter-relações com o meio ambiente e com a sociedade. A energia é um fator de produção essencial para colocar em funcionamento a engrenagem motora da economia – a indústria. Daí o caráter estratégico de discuti-la no enfoque econômico, ambiental, social e institucional. Conforme visto em Bermann (2001), a natureza tem um papel importante no processo de formação de valor econômico e não pode ser considerada apenas como mais ônus a ser pago pelos seus usuários.

Entre os principais críticos do modelo atual sustentado pela energia das hidrelétricas, encontra-se Sevá Filho (2008); Bermann (2007; 2001); Rampazzo (2002) e Bursztyn (2001). Esses autores argumentam que o planejamento energético nacional deveria analisar outras opções em geração sustentável. O modelo não respeita os limites ecológicos, as instituições falham em cumprir suas atribuições de se fazer cumprir a legislação e, no quesito socioambiental, exclui e aumenta as desigualdades entre os mais pobres e as populações atingidas por empreendimentos de grandes complexos hidrelétricos. Outro aspecto relevante levantado por esses autores é o

35 Ao se falar em temática energética nessa tese, entenda-se a energia em suas quatro dimensões:

ambiental, econômica, social e institucional.

caráter oligopolista desse mercado, o que se traduz numa falha de mercado que prejudica os consumidores pela concorrência desleal.

Conforme visto em Bicalho (2009), a política energética é o norte na tomada de decisão dos agentes econômicos e também deveria ser o ambiente em que seriam compatíveis os interesses públicos e privados. No Brasil, a política energética tem se mostrado favorável a manter a geração de eletricidade de fonte hídrica e as projeções oficiais indicam investimentos e aumento da geração com o uso intensivo dessa fonte. As energias eólica, solar e da biomassa ainda não são suficientes para garantir o abastecimento necessário à manutenção de uma economia próxima do pleno emprego. Autores como Pinto Junior et al. (2007), Reis, Fadigas e Carvalho (2012), Tolmasquim (2012), Tolmasquim e Guerreiro (2011), Goldemberg (2010) e Goldemberg e Moreira (2005) destacam-se em discutir os rumos da política energética brasileira.

No que tange à economia paranaense, a Bacia do Paraná responde por aproximadamente 23% do potencial hidrelétrico nacional, dos quais 67% estão em operação (BRASIL, 2015b), como citado no levantamento já feito no capítulo 2 desse tese. Além disso, uma das maiores usinas hidrelétricas do mundo, a Itaipu Binacional, está localizada no Rio Paraná, no trecho de fronteira entre o Brasil e o Paraguai nos municípios de Foz do Iguaçu, no Brasil, e Ciudad del Este, no Paraguai. A Companhia Paranaense de Energia Elétrica é uma das maiores concessionárias do setor e lidera o ranking das empresas mais lucrativas do Estado (AMANHÃ, 2015).

Diante disso e a despeito do planejamento energético nacional projetar a manutenção da fonte hidrelétrica até 2030, também se cogita num cenário de longo prazo a diversificação da matriz elétrica regional, inclusive em resposta às dificuldades de obtenção de licenciamento e pressões de movimentos e órgãos em defesa do meio ambiente.

A partir dos resultados discutidos na próxima seção, pretende-se disponibilizar um conjunto de variáveis que, combinadas entre si ou em diferentes dimensões da energia, possam orientar os gestores públicos e privados em decisões de expandir ou não empreendimentos hidrelétricos.