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3.1 O SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO EM UM CONTEXTO HISTÓRICO:

3.1.5 Impactos da Expansão do Setor Elétrico Brasileiro a partir da

É conclusivo que países desenvolvidos e em desenvolvimento se encontrem cada vez mais pressionados com a sustentabilidade, seja para o atendimento de exigências formais ou com vistas ao bem-estar das gerações futuras. Todavia, o

mundo e o Brasil seguem produzindo energia por meio de fontes não renováveis e intensivas em agentes poluentes. Os constantes alertas de cientistas e expertises sobre a manutenção desse modo de produção ainda não causaram o efeito esperado que induza a redução da utilização dos combustíveis fósseis (GOLDEMBERG; LUCON, 2008).

A geração de hidroeletricidade em países com abundância de bacias hidrográficas se mostra em forte tendência de continuidade, entretanto o debate em torno do modelo de expansão do setor elétrico brasileiro baseado nessa fonte enfoca três pontos críticos: os impactos socioambientais, a fragilidade da atual política energética e o crescimento econômico com sustentabilidade (WORLD ENERGY RESOURCES COUNCIL, 2013). Müller (1995) verifica que, em muitas regiões, em lugar da promoção do desenvolvimento, observa-se um retrocesso sustentável.

Um dos principais entraves à expansão da geração por meio das hidrelétricas está relacionado à concessão de licenças ambientais. Como alternativa, seguindo a prática dos países desenvolvidos, as Pequenas Centrais Hidrelétricas têm se mostrado uma alternativa viável. Por regulamentação, estas unidades demandam menores áreas de alagamento e o custo de geração se mostra competitivo (GOLDEMBERG; LUCON, 2008). O Brasil possuía, no dia 30 de dezembro de 2015, uma capacidade instalada em pequenas centrais hidrelétricas de 4.677.132 kW de potência fiscalizada, o equivalente a 466 unidades em operação e 31 plantas em fase de construção e mais 134 obras não iniciadas (AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA, 2015).

Bicalho (2009, p. 109) questiona a viabilidade de se aproveitar o potencial hidráulico inventariado de 108,6 GW, uma vez que implica "significativas restrições devido a questões de cunho socioambiental e tecnológico, especialmente o primeiro" (BRASIL, 2014, p. 121). Entre os impactos negativos aos meios físico e biológico, Maia, Capelli e Pontes Junior (2013, p. 117) destacam a destruição de florestas e habitats selvagens, o desaparecimento de espécies e a degradação das áreas de captação a montante – devido à inundação da área do reservatório, à redução da biodiversidade aquática, à diminuição das áreas de desova a montante e à jusante da usina, o declínio dos serviços ambientais prestados pelas planícies aluviais, brejos, ecossistemas de rios e estuários e ecossistemas marinhos adjacentes. Quando várias barragens são

implantadas em um mesmo rio26, além da emissão de gases de efeito estufa, sobretudo o

metano, há impactos cumulativos sobre a qualidade da água e inundações naturais, afetando as espécies da fauna e flora. Müller (1995) trata extensivamente os efeitos sobre os fatores naturais, que a inserção das hidrelétricas provoca.

Deve-se considerar a competição pelos usos alternativos da água para abastecimento, irrigação, navegação, turismo, lazer e saneamento. Essa situação tem colocado os agentes do setor elétrico em uma delicada posição frente à opinião pública,’ mostrando que as decisões de investimento ainda se balizam no retorno econômico de curto prazo (DESTER, 2012). Os impactos ambientais têm sido exaustivamente discutidos na literatura científica e o assunto não esgota.

As principais vantagens da energia das hidrelétricas podem ser assim listadas: (a) utilizam uma fonte renovável de energia; (b) contribuem para manter mais puro o ar que respiramos; (c) ajudam a combater as mudanças climáticas; (d) os reservatórios das usinas coletam água de chuva, que pode ser usada para o consumo e a irrigação; (e) promovem a segurança energética e a redução dos preços pagos pelo consumidor final e (f) são um instrumento vital para o desenvolvimento sustentável (CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS, 2015).

Entre as principais vantagens da hidroenergia, de acordo com Kowalski Pasqual e Toledo Filho (2006), destacam-se: (a) a reduzida poluição atmosférica, (b) a contribuição para os objetivos da política energética e desenvolvimento sustentável (fonte renovável de energia), (c) caso haja uma barragem construída, pode-se considerar outros benefícios associados como: o abastecimento público de água, a irrigação, a criação de uma zona de lazer com potencial turístico, e (d) a energia elétrica é mais barata para o consumidor em comparação a outras de energia.

Na perspectiva econômica, Ventura Filho (2013, p. 3) pontua a geração hidrelétrica como vantajosa, pois "apresentam [as hidrelétricas] a vantagem de ter um período de operação (vida útil) muito superior aos 30/50 anos adotados nas avaliações econômicas". Estima-se que uma planta hidrelétrica, com os investimentos totalmente amortizados, poderá ter custos exclusivamente de operação/manutenção em cerca de 20% do custo da energia produzida no início de operação, o que no médio e no

26 Detalhamento consultar WORLD COMISSION ON DAMS. Dams and development: a new

longo prazo poderá favorecer um decréscimo no preço da geração da energia quando comparadas a outras fontes de geração.

Tecnicamente, as usinas hidrelétricas têm uma função importante no melhor aproveitamento do recurso hídrico de um rio ao operarem como usina de regularização. Nesse aspecto, Ventura Filho (2013, p. 17) assegura: "É desejável que uma determinada bacia hidrográfica ou rio tenha pelo menos uma usina com reservatório de regularização". Essa função também corroborada no Plano Nacional de Energia 2030 (BRASIL, 2015b).

Verifica-se uma divergência de opiniões entre distintos grupos de pesquisadores, contudo,seguindo a tendência mundial, o disposto pela Agência Internacional de Energia (2013), e o Planejamento Decenal de Expansão de Energia 2024 (BRASIL, 2015b), a hidroeletricidade é em princípio a fonte energética atualmente mais adequada para produzir energia elétrica, visto que atende aos requisitos mínimos de sustentabilidade e aspectos tecnológicos, energéticos e socioambientais. Tal argumento é sustentado, considerando que a hidroeletricidade é vista como uma fonte renovável que apresenta vantagem competitiva de favorável viabilidade socioambiental, a tecnologia é simples e amplamente dominada, emite baixo nível de gases de efeito estufa e contempla o requisito de uso múltiplo do recurso hídrico (VENTURA FILHO, 2013). No quesito tecnologia, "grande parte das usinas viabilizadas recentemente deve operar a "fio d'água", ou seja, toda vazão afluente deve ser turbinada ou vertida, não havendo condições de armazená-la" (BRASIL, 2015b). Por consequência, pode ocorrer dificuldade ou mesmo a impossibilidade de "controle de cheias; maior exigência das atuais usinas do sistema com capacidade de regularização, gerando grandes alterações de nível dos reservatórios ao longo de curtos ciclos hidrológicos; e maior despacho térmico para atender às exigências sazonais da carga" (BRASIL, 2015b). Tecnicamente, trata-se do principal risco inerente à hidroenergia e que o planejamento energético deve levar em conta ao desenhar o plano de contingências em caso de alterações inesperadas (BRASIL, 2015b).

No tocante aos impactos sociais negativos, um aspecto debatido de forma recorrente é o caso das populações indígenas que frequentemente são alvo de conflitos territoriais. O deslocamento populacional compulsório tem sido objeto de acirradas disputas judicial sob o argumento de que as hidrelétricas provocam a perda dos laços comunitários, a separação das comunidades e famílias e a destruição do patrimônio cultural material e imaterial.

A construção de uma usina hidrelétrica representa para as populações atingidas a destruição de seus projetos de vida, impondo sua expulsão do território até então ocupado, sem apresentar compensações que possam, ao menos, assegurar a reprodução de seus modos de viver, fazer e criar, no mesmo nível em que se verificava antes da implantação do empreendimento. (CUREAU, 2013, p. 222).

As hidrelétricas na visão dos atingidos não apenas rompem com seu modus econômico, mas, sobretudo, apropriam-se da sua noção de espaço, cultura, vínculos sociais e o relacionamento com os recursos naturais. Afetam o cenário pela alteração da paisagem e destituem os grupos da noção de pertencimento ao local. O progresso traz como ônus a perda da identidade das famílias que são compensadas com modestas indenizações financeiras, mas que no longo prazo têm a sua história apagada, inclusive pela perda dos resquícios arqueológicos (CUREAU, 2013).

A política energética deveria ser o ambiente onde se resolveria a compatibilização entre os interesses dos investidores e da sociedade. Enquanto as políticas forem desenhadas isoladamente, não contribuirão de forma efetiva para o alcance de melhores indicadores de sustentabilidade energética (BICALHO, 2009). A Organização das Nações Unidas aponta o Brasil como o sétimo maior consumidor de energia no mundo, contudo o marco regulatório ainda se encontra mal estruturado, a expansão do setor elétrico segue a passos lentos e a posição do governo em situações de crise é repassar aos governos anteriores a responsabilidade pela falta de investimentos.

O Estado, por intermédio de um conjunto de agentes, passou a exercer rigorosamente o papel de planejador e, por extensão, de coordenador da expansão da capacidade instalada do setor elétrico depois da crise de suprimento de 2001. Por intermédio da Lei n.o 10.848 de 2004, entrou em vigência "o critério para definição da expansão do setor por meio de licitações de novos empreendimentos" (BICALHO, 2009, p. 126), um marco importante para o setor.

Cabe reiterar a função desempenhada pelo Banco Nacional do Desenvolvimento como o principal agente financiador de projetos de infraestrutura. Em grandes empreendimentos de infraestrutura, faz-se necessária a formação de consórcios entre empresas públicas e privadas, em que o Estado deve assumir a coordenação estratégica dos projetos e o papel de órgão fiscalizador. Essa lógica, ao mesmo tempo em que permite maior acesso aos canais de financiamento, minimiza os riscos para os agentes financiadores (BICALHO, 2009).