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Contexto: Introdução à Literatura no curso de Língua e Literatura

2 A PESQUISA: EM BUSCA DOS LEITORES

2.1 Contexto: Introdução à Literatura no curso de Língua e Literatura

O curso de Língua e Literatura Francesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo teve suas atividades iniciadas em 1935, sendo assim, junto com o curso de Língua e Literatura Italiana, a primeira cadeira de língua estrangeira moderna. Desde sua fundação, viveu significativas transformações quanto à formulação, à estruturação curricular, à diplomação e, sobretudo, quanto ao perfil discente.

Não se trata aqui nem de fazer uma diacronia dessa cadeira, nem a análise dessas transformações. O intuito é descrever o curso tal como se configurava no momento desta pesquisa, pois esse era o contexto no qual se inscrevia a disciplina de Introdução à Literatura Francesa: Leitura de textos I e no qual se desenrolaram as reuniões do grupo de leitura.

Em 2008, a Habilitação em Francês (ver anexo) era estruturada em oito semestres. O primeiro e o segundo semestres constituíam o Ciclo Básico. No primeiro semestre, são obrigatórias49 as disciplinas Introdução aos Estudos da Língua Portuguesa I, Introdução aos Estudos Clássicos I, Elementos de Linguística e Introdução aos Estudos Literários I. No segundo semestre a estrutura se repetia, o aluno prosseguia, pois, seus estudos com a seguinte grade curricular: Introdução

49 Vale observar que os alunos da Habilitação em FRANCÊS devem cursar 96 (noventa e seis)

créditos em disciplinas obrigatórias e 36 (trinta e seis) créditos em disciplinas optativas de livre escolha, entre as disciplinas oferecidas pelos Departamentos de Letras, totalizando 132 (cento e trinta e dois) créditos. Os alunos com Habilitação em FRANCÊS e PORTUGUÊS devem, por sua vez, cursar 144 (cento e quarenta e quatro) créditos em disciplinas obrigatórias das duas habilitações e 08 (oito) créditos em disciplinas optativas de livre escolha, entre as disciplinas oferecidas pelos Departamentos de Letras, totalizando 152 (cento e cinqüenta e dois) créditos. A descrição aqui feita trata apenas das disciplinas obrigatórias, visto que as outras são escolhidas pelos próprios alunos.

aos Estudos da Língua Portuguesa II, Introdução aos Estudos Clássicos II, Elementos de Linguística II e Introdução as Estudos Literários II.

Nota-se que tanto a língua quanto a literatura francesa estão ausentes, cabendo ao aluno, apenas após cumprir o Ciclo Básico, optar por uma Habilitação em função de suas notas50. Assim, é no segundo ano de graduação que o aluno começa a cursar disciplinas do francês; o que não impede que, nos cursos de Introdução aos Estudos Literários (ver anexo) muitos autores franceses, como Flaubert, Baudelaire e Mallarmé sejam lidos em tradução. Esta é, aliás, uma das portas de entrada para o francês, uma vez que esta literatura passa a suscitar interesse.

No terceiro semestre, já munido de um primeiro repertório literário e linguístico oferecido pelo Ciclo Básico, o aluno começa sua formação em francês por meio das seguintes disciplinas obrigatórias: Língua Latina I, Língua Francesa I, Introdução à Literatura Francesa: Leitura de Textos I. São justamente os alunos desta disciplina que formam o leitores desta pesquisa.

Interessa, no contexto deste trabalho, especificar um pouco mais a disciplina dentro da qual se deu a pesquisa, isto é a Introdução à Literatura Francesa: Leitura de Textos I. Por se tratar do primeiro contato de alunos que ainda são, em sua grande maioria, principiantes em língua francesa, o curso é ministrado em português. Assim, ao longo do semestre (ver anexo), o aluno lê um conjunto de textos em francês. No caso do semestre em questão, o curso tinha como principais

50 Os alunos passam por um ranqueamento, isto é, em função de seu desempenho podem ou não

escolher um determinada habilitação. O francês encontra-se entre as habilitações mais procuradas, motivos pelo qual seus alunos estão dentre aqueles com as melhores médias.

objetivos oferecer aos alunos um primeiro contato com aspectos considerados centrais da história, da cultura, da crítica e da literatura francesas, assim como alguns instrumentos para a compreensão e discussão de textos literários em língua francesa. Para desenvolver tais objetivos, o curso foi dividido em quatro grandes núcleos temáticos. O primeiro dedicado à formação da França, abarcando a História do massacre de St. Barthélemy e a crítica, por meio da relação entre a oralidade e a escrita, assim como a análise da “Ballade des pendus” de François Villon. O segundo dedicado à Revolução Francesa, tendo com grande eixos a discussão do terror, da epidemia de leitura, assim como a análise de “L’Instituteur Philosophe” de Sade. O terceiro, voltado para a França Moderna, concentrou-se no Affaire Dreyfus, no Manifesto do Surrealismo e na análise de um caligrama de Apollinaire. O quarto e último, sobre a Revolução Cultural, abarcou maio de 1968, o estruturalismo e a análise do texto “L’Astrologie” de Roland Barthes. Como se pode notar, trata-se de um conjunto bastante amplo de textos, permeados de uma riqueza simbólica e semântica consideráveis, sendo muitos deles de difícil leitura.

O que interessa aqui, sobretudo, é o fato de que o aluno entra, ao mesmo tempo, em contato com a língua e com a literatura. À estranheza da língua cultura soma-se a dupla estranheza do “idioma estrangeiro” que é a literatura e com o qual o leitor, na maioria das vezes51, ainda se familiariza. Tratar desse “descompasso” entre um conhecimento linguístico muitas vezes inexistente e a complexidade envolvida no modo de significar de um texto literário não é tarefa fácil e exige grande reflexão, residindo aí um dos desafios desta pesquisa.

É importante notar que esse descompasso prossegue ao longo de, pelo menos três semestres, até que os alunos tenham um domínio razoável da língua. Desse modo, no quarto semestre, o aluno tem três disciplinas obrigatórias: Língua Latina II, Língua Francesa II, Introdução à literatura francesa: leitura de textos II. Trata-se, pois de uma continuação do semestre anterior, com a diferença de que o aluno já acumula alguma experiência de leitura e algum conhecimento linguístico.

No terceiro ano, ou seja, o quinto e sexto semestres, como foi dito acima, o aluno depara com a mesma dificuldade: descompasso entre seus conhecimentos linguísticos e a complexidade dos textos lidos. A grande diferença reside no fato de que, por um lado, o ensino da literatura se torna mais específico e o aluno passa a ter cursos organizados por gênero, a saber, Literatura Francesa I – que corresponde à leitura de Narrativas curtas – no quinto semestre e Literatura Francesa II, na qual são lidos textos de poetas franceses do século 16 ao Romantismo, no semestre seguinte. Por outro lado, a carga horária dedicada à literatura dobra, pois, complementarmente a estes dois últimos cursos o aluno tem como disciplinas obrigatórias os cursos intitulados Visão Diacrônica da Literatura Francesa I e Visão Diacrônica da Literatura Francesa II durante os quais os alunos, por meio de uma perspectiva mais histórica, entram em contato com alguns gêneros e autores não contemplados em outros cursos.

O quarto e último ano de formação é aquele em que há mais disciplinas de literatura. Trata-se, no sétimo semestre, de um bloco de três disciplinas, cujos títulos já são bastante elucidativos: O Teatro Francês e Poesia Moderna, às quais se soma Literatura de Expressão Francesa I, na qual são estudados autores do Caribe, como a Martinica, Guadalupe e Haiti. A língua também recebe um complemento, pois,

além do curso de Língua Francesa V, é ministrada a disciplina Análise da Língua e dos Textos I. Vê-se, assim que no coroamento do percurso, quando o aluno adquire mais repertório, passa-se a ampliar seus horizontes literários e culturais.

A mesma perspectiva domina o semestre de conclusão do curso. Nele, além dos cursos de Língua Francesa VI e de Análise da Língua e dos Textos II, são obrigatórias a Monografia, em geral um curso monográfico sobre um autor francês, o Romance Moderno e a Literatura de Expressão Francesa II, dedicada à literatura do Québec.

O que se depreende da breve descrição da grade curricular da Habilitação em Francês é que o aluno, ao longo de toda sua formação, tem de lidar com dificuldades de leitura que não dizem respeito apenas à especificidade do objeto literário, mas à própria leitura em língua estrangeira, pois essa dificuldade é intrínseca a uma formação em língua estrangeira, sobretudo num sistema de ensino como o brasileiro em que, salvo exceções, o ensino de línguas costuma ser bastante precário e superficial.

Ou seja, ler um texto literário em francês durante uma graduação em Língua e Literatura Francesa é sempre lidar com o fato de que o texto está escrito numa língua estrangeira. Diante disso, parece não só pertinente, mas necessário pensar práticas que contribuam para tornar esses leitores mais conscientes dos processos envolvidos na construção de sentido com seus problemas de leitura e seus problemas com a leitura. Usa-se aqui a noção de problema de leitura. A noção de problema de leitura é usada por Dabène & Quet como forma de identificar os momentos em que o texto exige postura mais interpretativa do leitor, segundo os autores:

(...) ela [a noção de problema] é uma incitação a cada vez mais explicitar, a cada vez mais trabalhar as interações entre texto e seu leitor. Suscitar problemas de leitura e didatizá-los, é criar dispositivos que destacam a pluralidade de hipóteses, que põem tal pluralidade em debate, que organizam, na classe, o trabalho do sentido. (DABÈNE e QUET, 1999: 1222)

Os problemas de leitura são, pois, momentos a ser explorados com vistas a abrir as possibilidades de leitura, a plasiticidade semântica, a polissemia. Já os problemas com a leitura remetem, neste contexto, às dificuldade referentes à componente FLE da leitura, ou seja, as questões relacionadas à aprendizagem da leitura em língua estrangeira.

No contexto desta pesquisa, para permitir uma melhor aproximação dos leitores reais, decidiu-se partir de um gênero, o prefácio ou prólogo, que, conforme se descreve aqui , costuma ser um texto em que a própria questão da leitura se coloca de forma instigadora e reflexiva, tornando-se um instrumento altamente eficaz para despertar nos leitores uma consciência sobre o que está implicado no ato da leitura, sobretudo quando se trata de prefácios altamente polissêmicos, como é o caso dos prólogos de Rabelais, escolhidos também, vale lembrar, pela sua pertinência com o primeiro grande bloco temático da disciplina – Renascimento e a relação entre escrita e oralidade.