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2 A PESQUISA: EM BUSCA DOS LEITORES

2.3 Leitores

2.3.1 Formando o grupo

A primeira etapa da pesquisa consistiu, pois, em formar grupos de leitura compostos pelos alunos do curso de Introdução à Literatura Francesa I, conforme foi descrito na primeira parte desta tese. Essa disciplina, no primeiro semestre de 2008, foi oferecida em dois horários, uma pela manhã, outra, à noite. Os alunos das duas turmas foram convidados a formar grupos de leitura, esclarecendo que se tratava de uma pesquisa sobre a didática da leitura literária e que as leituras empreendidas durante as reuniões dialogariam com o corpus da disciplina de Introdução à Literatura Francesa I. As manifestações de interesse em compor grupos partiram apenas dos alunos inscritos no curso noturno. Dentre os dezesseis que entraram em contato por meio de correio eletrônico, consegui, em razão da disponibilidade de horário, formar um grupo composto por cinco alunos que se dispuseram a reunir-se quinzenalmente por duas horas antes da primeira aula do período noturno.

O fato de o grupo ser constituído por apenas cinco dentre os potenciais noventa participantes (o convite foi aberto a todos alunos inscritos na disciplina) não deve ser desconsiderado. Sim, parte considerável dos alunos do curso noturno já tem agenda bem carregada, trabalha e dispõe de pouco ou nenhum tempo para atividade extracurricular; não é possível fazer a mesma afirmação a respeito dos alunos do período matutino. Os alunos inscritos naquele semestre pareciam-me relativamente desmotivados, e, durante as aulas que observei (ao longo de duas semanas), presenciei pouca ou nenhuma participação em sala de aula.

Houve, pois, significativa diferença entre a dinâmica de interação em sala de aula entre o período matutino e noturno que se refletiu, acredito, na manifestação de um número maior de interessados em participar de uma pesquisa sobre leitura literária. Não é possível, entretanto, generalizar os perfis de participação em sala e engajamento em relação ao processo de aprendizagem entre os dois períodos com base na observação de apenas algumas semanas de aulas. Acredito, porém, que uma pesquisa nesse sentido seria interessante para que se conheça de forma mais qualitativa o perfil do aluno de Letras/Francês.

O grupo de leitores reuniu-se em sessões que duraram cerca de duas horas e meia. As duas primeiras sessões foram dedicadas à leitura do prólogo de Rabelais. Os encontros foram realizados no prédio de Letras, na sala 20, tendo sido gravados com consentimento prévio dos participantes.

Inicialmente, a proposta do corpus era bem mais ambiciosa, desejava que fosse feita a leitura um prólogo por reunião: além de Rabelais, seriam lidos os prólogos Au Lecteur de Baudelaire, Les liasons dangeureses de Choderlos de Laclos e de Le père Goriot de Honoré de Balzac. À medida que os encontros se realizavam, percebi que haveria sobrecarga de leitura e pouco aproveitamento da integralidade de cada texto. Além disso, o conteúdo gravado a cada reunião fornecia subsídios para muita reflexão.

Julguei, pois, que tanto em relação aos leitores participantes, que talvez não dispusessem de tempo suficiente para efetivamente discutir as leituras, resolvendo as dúvidas do ponto de vista linguístico, quanto em relação à análise que poderia vir a desenvolver posteriormente, não explorando eventualmente todas as considerações feitas pelo grupo sobre o texto e sobre o processo de leitura de cada

um; seria melhor reduzir o número de prólogos. Ao fim do processo, com base nos elementos colhidos ao longo das reuniões, acabei por optar pela análise integral das quase seis horas dedicadas à discussão sobre o prólogo de Rabelais.

A primeira reunião ocorreu em 09 de maio de 2008. A instrução dada para a leitura era apenas ler o texto e anotar o que cada um entendera, não entendera e gostaria de acrescentar sobre o processo de compreensão; essas observações compuseram os elementos a ser debatidos durante as reuniões. Porém, antes de entrar efetivamente na leitura do texto, busquei conhecer melhor cada um dos leitores que formavam o grupo: as diferentes trajetórias, como haviam chegado ao curso de Letras, porque haviam optado pela habilitação em Língua e Literatura Francesa e que relação estabeleciam com a leitura, como e o quê gostavam de ler. Como essas informações foram dadas por meio de narrativas orais, o modo como cada um estruturou seu percurso é singular; assim, busco, por minha vez, recuperar e organizar minha percepção de cada um dos leitores numa outra narrativa: a minha. Vale ressaltar que todo texto está, pois, permeado pela subjetividade da observação e mediação por mim operadas.

O grupo, conforme descrito na introdução desta tese, foi composto por alunos do segundo ano do curso de Letras que optaram habilitação em Língua e Literatura Francesa. Ingressantes em 2007 na USP, após um ano cursando as disciplinas do Ciclo Básico (ver anexo), em 2008 cursavam o primeiro ano do Francês, cursando as disciplinas específicas da área, dentre as quais Introdução à Literatura Francesa: Leitura de Textos I (ver anexo). Ao longo das conversas, conforme pode ser lido na transcrição das reuniões (ver anexo) são feitas várias referências ao curso de Introdução aos Estudos Literários (IEL), disciplina obrigatória oferecida pelo

Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH/USP, pré- requisito para que os alunos de Letras possam cursam as demais disciplinas sobre literatura.

Buscando preservar o anonimato dos participantes na degravação das reuniões, optou-se por nomeá-los de “leitor” seguido de um número crescente relacionado ao lugar ocupado pelo nome em ordem alfabética. Tem-se, assim, cinco leitores designados de 1 a 5. Optei por designar meu papel nas reuniões por “mediadora”. Ao longo do texto, pois, seis vozes tecem a leitura coletiva, compartilhando suas experiências e ressignificando o prólogo lido.