• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 Pressupostos teóricos

1.3 Contextos de imersão e aprendizagem de uma L2

1.3.2 Contextos de imersão e aprendizagem da língua portuguesa na China

imersão, os primeiros casos registados foram de estudantes universitários que, inicialmente, tinham sido integrados em cursos de inglês e espanhol e reorientados pelo Governo Central da República Popular da China, devido à escassez de tradutores e intérpretes nesta língua. Nessa altura, esses jovens foram mandados para países como o Brasil, com quem a China tinha restabelecido relações diplomáticas, em agosto de 1974 e, logo a seguir, em junho de 1975, Moçambique, de modo a reforçar a aprendizagem do português.

Relembramos que as relações diplomáticas, entre a China e Portugal só reataram, anos mais tarde, em fevereiro de 1979, e que os contactos entre os dois países foram dominados, até dezembro de 1999, pela questão de Macau. Contudo, nos anos 80, e sempre sob a orientação do Governo Central, os primeiros estudantes chineses eram integrados em cursos de aperfeiçoamento de Língua Portuguesa, nomeadamente na Faculdade de Letras, da então Universidade Clássica de Lisboa.

Como refere Futscher Perreira (2006, p. 65), uma vez terminado o processo da transferência de soberania de Macau para a China, iniciou-se uma nova era entre os dois países de relações mais fluidas e abrangentes. Essa fase coincidiu com um período de notória afirmação da China no cenário geopolíticomundial. Na verdade, o crescente peso económico da China, a sua adesão à Organização Mundial de Comércio (OMC), em 2001, que obrigou à

46

abertura da sua economia, e a sua crescente assertividade política (em parte movida pela competição pelo acesso às matérias-primas e às fontes energéticas), fez com que fossem assinados acordos e protocolos de cooperação, nas mais diversas áreas, sendo que o setor da Educação não ficou de fora, nomeadamente, com novas diretivas para a política linguística, a começar, no que respeita à divulgação do mandarim e da cultura chinesa, além fronteiras. Desde a abertura do primeiro Instituto Confúcio, em novembro de 2004, em Seul, na Coreia do Sul, foram abertos, até à data, mais de mil institutos e salas de aula pelo mundo. O Brasil e Portugal não ficaram de fora, com oito e quatro institutos abertos, respetivamente. Em simultâneo, o crescente interesse pela língua portuguesa também revelou a clara perceção, por parte do Governo Central da República Popular da China, do valor económico que as línguas acarretam.

A visita oficial a Portugal do então Primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, em dezembro de 2005, e a assinatura da “Declaração Conjunta de Reforço das Relações Bilaterais” constituíram um passo importante, em matérias de cooperação entre os dois países, nos sectores político, económico, cultural, educativo, tecnológico, da justiça e da saúde. Essa declaração sublinha, também, a importância do papel de Macau nas relações entre os dois países, elo que julgamos fundamental no estabelecimento de contactos entre instituições de ensino superior.

Na verdade, a Universidade de Comunicação da China acaba por ser pioneira por vários motivos. Um deles e, sem dúvida, o mais emblemático, prende-se com o facto de ter sido a primeira instituição a criar, em 1960, um curso de Licenciatura em Língua Portuguesa, no então denominado Instituto de Radiodifusão de Pequim. Nessa época, a carência de docentes levou o Partido Comunista Internacional, sediado na ex-União Soviética, a contratar uma docente brasileira, que passou a ensinar 23 finalistas do curso de tradutores/intérpretes de língua russa, que integraram a primeira turma. Na viragem do século, após umas décadas de interrupção, no que respeita à lecionação do idioma, missão que, entretanto, tinha sido transferida para a Universidade de Línguas Estrangeiras de Pequim, a Universidade de Comunicação da China volta a fazer história. Uma vez mais, a escassez de recursos humanos fez com que a Instituição arranjasse alternativas, procurando assinar protocolos de cooperação com Portugal e Macau, que contemplassem a integração de alunos em instituições, onde pudessem prosseguir a aprendizagem da língua. Foi assim que, no ano letivo 2002/2003, a turma do terceiro ano foi dividida em dois grupos, sendo que 15 foram frequentar o Curso Anual de Língua e Cultura Portuguesa da Universidade de Coimbra e 17

47

rumaram para Macau: 14 para o Instituto Politécnico de Macau e 3 para a Universidade de Macau (Zheng, 2010).

Ainda que o Brasil seja considerado pela China um parceiro privilegiado, em matéria de trocas comerciais1, os programas de licenciatura em Língua e Cultura Portuguesa que enviam os alunos passar uma temporada no país só começaram a intensificar-se na segunda década deste século. Uma vez mais, a Universidade de Comunicação da China abriu caminho ao mandar a sua primeira turma, em 2005, permanecendo a única durante muitos anos.

Por sua vez, países africanos como Angola e Moçambique, potencial mercado de trabalho para muitos recém-licenciados, ainda não são considerados uma opção, no que respeita à aprendizagem formal da língua, em contextos de imersão.

Em contrapartida, Portugal tem vindo a registar não só um aumento de alunos que decidem fazer os seus cursos de pós-graduação, nas mais diversas instituições de ensino superior, como também tem vindo a somar protocolos que delineiam programas de mobilidade. Em 2012, Zhu e Água-Mel já registavam as seguintes parcerias:

1 Ver tabela sobre “Trocas comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa de Janeiro a Novembro de 2015”, em Anexo 1.

48

Quadro 2.1 – Protocolos entre instituições de ensino superior

Embora a aprendizagem em contexto de imersão seja encarada de forma positiva por grande parte dos governantes, pais, alunos e académicos, esta também levanta uma série de questões espinhosas:

A sojourn abroad is normally considered to be a crucial step in the development of ability to use a language in a range of communicative settings. The design of research on language learning abroad, however confronts the investigator with a bewildering array of variable features, from the identities, motives, or desires of the learner to the range of chance or deliberate encounters presenting opportunities to learn. (Kinginger, 2009, p. 5)

A nossa experiência enquanto ensinantes, ainda que de uma forma empírica, diz-nos que estas questões também se aplicam ao caso da aprendizagem da língua portuguesa. Desde o ano académico de 2007/2008, ano em que regressou a primeira turma envolvida no projeto

Instituições de ensino superior da China e da Região Administrativa Especial de Macau

Universidades com protocolos de cooperação assinados

Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim Universidade de Macau Universidade de Estudos Estrangeiros de Xangai Universidade de Macau

Universidade de Lisboa Instituto Politécnico de Macau Universidade de Comunicação da China Universidade de Coimbra

Universidade de Macau Instituto Politécnico de Macau

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Universidade de Pequim Instituto Politécnico de Macau Universidade de Línguas Estrangeiras de Tianjin Universidade do Minho

Universidade de Lisboa Universidade de Macau Universidade de Línguas Estrangeiras de Xi’an Universidade do Minho

Universidade de Aveiro

Universidade de Língua Estrangeiras de Dalian Universidade Nova de Lisboa Universidade de Aveiro

Universidade Normal de Harbin Universidade do Minho Universidade de Línguas Estrangeiras de Jilin Huaqiao Universidade de Aveiro Universidade de Economia e Comércio Internacional Universidade de Lisboa

Universidade de Macau Universidade de Lisboa

49

de mobilidade, ao abrigo do protocolo de cooperação assinado entre o Instituto Politécnico de Macau e o Instituto Politécnico de Leiria, temos vindo a perceber que o impacto da experiência de imersão linguística, em Portugal, se reflete de múltiplas maneiras no nosso público aprendente. Se o que refere Kinginger (2009) é uma realidade, no que respeita à língua inglesa: "Thus, the nature of study abroad experiences is infrequently depicted, learners' own unique dispositions towards language learning are not considered, and we do not learn why some students prevail whereas others display only modest gains in documented language ability” (p. 31), mais obscura é a luz do conhecimento, relativamente à aprendizagem do português, em contexto de imersão, já que não existem estudos científicos que deem conta desse fenómeno.

É por entendermos que uma estadia num dos países da língua-alvo inicia um processo longo e complexo de “re-mediating one’s interaction with the world and with one’s own psychological functioning” (Lantolf & Thorne, 2006, p. 5) que decidimos entender, até que ponto, a cultura e as suas representações condicionam ou impulsionam a motivação dos alunos, relativamente à aprendizagem da língua, uma vez que, como já referimos, acreditamos ser um fator-chave no sucesso da aprendizagem de uma L2.