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BRASILEIRO

No sentido de entender como as concessões se inserem no quadro jurídico brasileiro, essa sessão abordará conceitos e princípios que norteiam os contratos de concessão, partindo da normativa geral da Teoria Geral dos Contratos conforme o Código Civil, até os contratos de Parcerias Público Privadas, regidos pela Lei nº 11.079/2004.

Definições complementares a cerca de contratos são encontradas na literatura, sendo que Beviláqua (1916) entende por contrato “o acordo de vontade de duas ou mais pessoas com a finalidade de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direito”. Diniz (2008) complementa essa definição dizendo que “contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial”. Na concepção moderna trazida por Miranda (2008), contrato é “negócio jurídico bilateral que gera obrigações para ambas as partes, que convencionam, por consentimento recíproco, a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, verificando, assim, a constituição, modificação ou extinção do vínculo patrimonial.”

Alguns princípios básicos incidem sobre os contratos, (SANTOS e OLIVEIRA, 2012):

 Princípio da autonomia privada: também conhecido como autonomia da vontade, trata-se do princípio que garante às partes o poder de manifestar as próprias vontades na definição do conteúdo e a disciplina das relações jurídicas de que participam. Esse princípio, no entanto, está sujeito às leis de ordem pública;  Princípio da função social: estabelece que, na busca dos interesses particulares,

23  Princípio da boa fé objetiva: princípio que prevê a honestidade e justiça nas

condições gerais estabelecidas nos contratos.

 Princípio da força de obrigação: estabelece que uma vez firmado o contrato, torna-se obrigatório seu cumprimento, como prevê o Art. 389 do Código Civil, “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” Como salientam Santos e Oliveira (2012), pode haver a inserção de cláusulas de arrependimento ou arras penitenciais nos contratos.

Como aponta Miranda (2008), os contratos podem ser classificados de acordo com sua formação, as obrigações que originam, as vantagens que podem trazer para as partes, a realidade da contraprestação, os requisitos exigidos para a sua formaç ão, o papel que tomam na relação jurídica, o modo de execução, o interesse que tem a pessoa com quem se contrata, e sua regulamentação legal ou não. De acordo com essas características, os contratos podem ser: a) contratos consensuais e reais; b) contratos unilaterais e bilaterais; c) contratos gratuitos e onerosos; d) contratos comutativos e aleatórios; e) de execução imediata, diferida e sucessiva; f) contratos solenes e não solenes; g) contratos escritos ou verbais; h) contratos paritários e de adesão; i) contratos principais e acessórios; j) contratos típicos e nominados; e l) contratos atípicos e inominados.

Os contratos administrativos são espécie do gênero contrato, particularizando-se pelo fato de a administração se tratar do poder público, o que os sujeita, predominantemente, ao regime jurídico de direito público (ALEXANDRINO e PAULO, 2010). O princípio da autonomia da vontade permanece no sentido de ser preservada ao particular a livre manifestação de vontade para a formação do vínculo contratual. Estabelece-se ainda a distinção entre contrato administrativo e contrato de administração. O contrato de administração se refere ao ajuste firmado entre a administração pública e particulares, no qual a administração pública não figura como poder público, havendo em princípio, igualdade jurídica entre ambos, sendo o contrato regido predominante por norma de direito privado. Alexandrino e Paulo (2010) ressaltam a atenuação que a Lei nº 8.666/1993 impôs a essa distinção ao prever que prerrogativas de direito público possam ser aplicadas em contratos de administração, no que couber.

24 Os contratos administrativos estão disciplinados nos artigos 54 a 80 da Lei nº 8.666/1993, e o que confere a particularização dos contratos administrativos em relação aos contratos regidos pelo direito privado, são as cláusulas exorbitantes, enumeradas no artigo 58 da referida Lei, abaixo descritas:

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;

II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;

III - fiscalizar-lhes a execução;

IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;

V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.

§ 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.

§ 2o Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.

As cláusulas exorbitantes são assim chamadas porque extrapolam as cláusulas comuns do direito privado, são prerrogativas especiais da administração pública decorrentes do regime jurídico de direito público, derivadas do princípio da supremacia do interesse público. Além desses, Alexandrino e Paulo (2010) destacam a possibilidade de exigência de garantia pela administração (art. 56) e as restrições à aplicação da exceção do contrato não cumprido (art. 78).

O artigo 56 estabelece que, a critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas

25 contratações de obras, serviços e compras. A garantia prestada pelo contratado é liberada ou restituída após execução do contrato. As modalidades de garantia são:

 caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda;  seguro-garantia;

 fiança bancária.

Nos contratos de concessão de serviço público precedida da execução de obra pública é obrigatória a exigência de garantia relativa à realização da obra, e nos contratos de parceria público-privada deverá ser exigida prestação de até 10% do valor do contrato.

O artigo 78 prevê que o contrato pode ser rescindido em caso de atraso superior a 90 dias de atraso no pagamento de parcela devida ao particular contratado, salvo em situação de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra. Nos casos de concessão e de permissão de serviços públicos, não é cabível a suspensão da execução do contrato pela concessionária ou permissionária, prevalecendo o principio da continuidade dos serviços públicos. A rescisão, neste caso, deve ser judicial, por iniciativa do particular, sem interrupção dos serviços até o trânsito em julgado da decisão judicial.

Apesar das cláusulas exorbitantes, existe uma divergência entre os doutrinadores a respeito da compatibilidade com o direito privado. Estorninho (2003) declara que a alteração unilateral dos contratos é compatível com o direito privado, havendo normas do Direito Civil contemplando essa possibilidade. A doutrina civilista teria então evoluído para assegurar a flexibilidade dos contratos privados mediante alterações circunstanciais para preservar o equilíbrio entre as partes. Ainda assim, a autora considera específico dos contratos administrativos o fato de a administração ser dotada dessa possibilidade independente de previsão legal ou contratual, o que não é dado ao particular.

Existem diferentes modalidades de contratos administrativos, dentre eles o contrato de obra pública, contrato de serviços, contrato de fornecimento e contratos de concessão.

26 Um contrato de concessão é um contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a execução remunerada de serviço público ou de obra pública, ou lhe cede o uso de bem público para que o explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais (DI PIETRO, 2009). Dentre os contratos de concessão, regidos pela Lei nº 8.987/1995, Alexandrino e Paulo (2010) distinguem três tipos: concessão de serviços públicos, concessão de uso de bem público e a concessão de obra pública. Os contratos de concessão de obra pública são caracterizados pelo fato da remuneração do executor da obra ser feita pelo usuário ou beneficiário da obra, e não pela administração.

A concessão comum dos serviços públicos, de acordo com a Lei nº 8.987/1995, artigo 2º, inciso II, é o contrato administrativo por meio do qual o Estado delega a exploração de determinado serviço público, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado. Devem ser fixadas as condições mínimas de qualidade, tendo o concessionário o direito de ver suas atividades remuneradas pela cobrança de tarifas dos usuários. Importante destacar que a Lei nº 11.079/2004 ressalta expressamente em seu art. 2º, § 3º, que a concessão comum não constitui uma PPP, uma vez que são consideradas Parcerias Público-Privadas somente projetos que requerem algum tipo de complementação governamental na forma de contraprestações públicas.

A concessão de serviço público precedida da execução de obra pública, de acordo com a Lei nº 8.987/1995, artigo 2º, inciso III, compreende a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada ao particular pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado.

A concessão de uso de bem público é definida por Di Pietro (2009) como o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a utilização privativa de bem público, para que a exerça conforme sua destinação. Uma outra forma de atribuição de direito de uso de bens públicos a particulares é a concessão de direito real de uso, por sua vez, definida pelo Decreto-Lei nº 271, de 1967, alterado pela Lei nº

27 11.481, de 2007. Esse tipo de concessão se aplica a terrenos públicos ou particulares e pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas.

Além dos três tipos mencionados por Alexandrino e Paulo (2010), a Lei nº 11.079/2004 define as parcerias público-privadas como contratos especiais de concessão. A parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, efetuado na modalidade patrocinada ou administrativa. A modalidade patrocinada, conforme determina o art. 1º, é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987/1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro ao parceiro privado. A concessão administrativa é mais utilizada para infraestruturas sociais, como hospitais e escolas. O poder público transfere a gestão do equipamento público para o investidor privado, estabelecendo níveis de desempenho, de quantidade de atendimentos e qualidade do serviço, e paga à ele 100% do valor da prestação do serviço.

Apenas se admitem contratos de parceria público-privada quando o valor contratual for igual ou superior a 20 milhões de reais e o período de prestação dos serviços não for inferior a 5 anos, sendo que não poderá exceder o prazo de 35 anos, incluindo eventual prorrogação. E, ainda, é vedada a celebração de contrato de parceria público-privada que tenha como objetivo único o fornecimento de mão-de-obra, fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.

A principal distinção entre concessão comum e a concessão patrocinada está na forma de remuneração do parceiro privado, que nesta deve ser arcada parcialmente pelo poder concedente. Desse modo, a remuneração do particular se fará por meio da cobrança de tarifa usuários, da receita proveniente de projetos acessórios, bem como do recebimento de recursos oriundos dos cofres públicos.

Diferentemente da concessão patrocinada, a concessão comum regulada pela Lei nº 8.987/1995 implica a prestação de serviços por conta e risco do particular, segundo o disposto no art. 2º, II e III. O particular é remunerado mediante a exploração do serviço

28 que por ele mesmo é efetuada, normalmente pela cobrança de tarifas dos usuários, não havendo, em princípio, remuneração por parte do poder concedente.

De igual modo, também existe a diferença no que tange aos riscos, que nas parcerias público-privadas são repartidos com o parceiro público, bem como às garantias que o poder público presta ao parceiro privado e ao financiador do projeto, e ao compartilhamento entre os parceiros de ganhos econômicos decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado. As principais diferenças são resumidas pela Tabela 3-1.

Tabela 3-1: Principais diferenças entre as Parcerias Público-Privadas (Concessão Patrocinada e Concessão Administrativa) e a Concessão Comum.

Contrato de PPP Contrato de Concessão

Prazo Superior a 5 e inferior ou igual a 35 anos Até 50 anos.

Riscos Repartição de riscos extraordinários e ordinários.

Repartição apenas de riscos extraordinários.

Viabilidade da repartição de riscos ordinários deve ser avaliada em cada caso.

Ganhos Econômicos Devem ser repartidos quando decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado.

Lei é omissa.

Viabilidade da repartição desses ganhos deve ser avaliada em cada caso.

Inadimplência do Parceiro Público

Definição dos fatos que gerem a

inadimplência do parceiro público, prazo de regularização e condições de execução de garantia.

Lei é omissa.

Inclusão de tais regras nos contratos de concessão é recomendável, observado que não haverão garantias dadas pelo parceiro público.

Desempenho Parâmetros objetivos de desempenho e qualidade.

São cláusulas essenciais do contrato as relativas aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço.

Remuneração do Parceiro Privado

Pelo parceiro público e pelos usuários do serviço (patrocinada), ou apenas pelo parceiro público (administrativa)

Somente pelos usuários do serviço.

Garantias Tanto o parceiro privado quanto o parceiro público oferecem garantias.

Apenas o parceiro privado oferece garantias.

Penalidades Aplicação de penalidades proporcionais às faltas do parceiro privado e do parceiro público.

Apenas em desfavor do concessionário.

Bens Reversíveis Parceiro público deverá realizar vistorias e poderá reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar irregularidades detectadas.

Contrato tem que dispor sobre bens reversíveis, mas não há a previsão de penalidades.

Reajuste Admite atualização automática dos índices, quando houver, sem necessidade de homologação pelo poder público.

Depende da homologação do poder concedente.

29 A modalidade de concessão mais adequada a determinado projeto relaciona-se com a sua capacidade de geração de receitas, como mostrado na Figura 3-1, que determinará a necessidade ou não de aporte de recursos fiscais para sua viabilização.

Figura 3-1: Capacidade de geração de receita e alternativas de viabilização do projeto. Fonte: adaptado de Rio de Janeiro (2009).

Rosa (2014) aponta que algumas previsões presentes na Lei nº 11.079/2004 demonstram uma flexibilização das cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos, seguindo uma tendência que a autora chama de constitucionalização do Direito Administrativo. Os pontos que a autora destaca são:

a) penalidades aplicáveis ao particular mas também à Administração (artigo 5º); b) repartição dos riscos entre as partes, inclusive os referentes ao caso fortuito, a

força maior, ao fato do príncipe e as áleas econômicas extraordinárias; c) estabelecimento de garantias prestadas pela Administração (artigo 8º).

A autora conclui que, se comparado aos contratos administrativos previstos na Lei nº 8.666/1993, verifica-se que o contrato de parceria público-privada traz avanços no sentido de colocar o parceiro privado em igualdade, tornando-se mais claros e seguros os critérios para remuneração e estabelecimento de garantias.