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Contextualização do conceito de um ensino de qualidade em educação física

da apresentação e análise crítica dos estilos de ensino (Mosston & Ashworth, 2008).

Contextualização do conceito de um ensino de qualidade

em educação física

A qualidade da aprendizagem dos alunos nas aulas de EF está relacionada com a qualidade do ensino. Por sua vez, a qualidade do ensino depende, em grande parte, da capacidade do professor de EF construir um projeto pedagógico em que, por um lado, estabelece as finalidades da EF e, por outro lado, define e domina os meios necessários para as concretizar. Um ensino de qualidade em EF está relacionado, portanto, com uma determinada dimensão moral e ética, e com uma dimensão técnica. No âmbito da dimensão moral e ética, importa responder a duas questões:

Quais são as finalidades da EF?

Não é possível falarmos das finalidades sem abordarmos as conceções de EF (Crum, 1994). Uma conceção de EF é o sistema de valores e de crenças sobre o que ensinar, como ensinar e que aluno formar através da ação educativa. Existem diversas conceções de EF que sustentam diferentes visões sobre as finalidades da EF, nomeadamente: biologista, personalista, pedagogista, socialização acrítica para o desporto e sócio-crítica (Crum, 1994). Por limitações de espaço apenas desenvolveremos a conceção sócio-crítica. Esta conceção estabelece um conjunto de pressupostos que, no nosso

entender, parecem alinhados com as perspetivas de diversos autores e organizações sobre o que é um ensino de qualidade em EF (Ministério da Educação, 2001; NASPE, 2009; SHAPE, 2015; UNESCO, 2015; Whitehead, 2010). Assumindo que a atividade física é um fator fundamental para garantir a qualidade de vida de todos os cidadãos, a conceção sócio-crítica defende que a EF deve ser um projeto de inovação e transformação cultural, onde cada aluno deve participar de acordo com as suas necessidades e possibilidades pessoais. Neste sentido, o fim último da EF é dar a oportunidade a todas as crianças e adolescentes de adquirirem e desenvolverem as atitudes, os conhecimentos, os valores e as competências necessárias para uma participação emancipada, satisfatória e prolongada na “cultura do movimento” ao longo de toda a vida.

O que é um aluno com uma boa literacia “física”?

A resposta a esta questão permite definir o que deve saber e ser capaz de fazer um aluno como resultado de um ensino de qualidade em EF (SHAPE, 2015; Whitehead, 2010), complementando assim a conceção sócio-crítica apresentada. Um aluno com um boa literacia “física”: 1) demonstra competência numa variedade de habilidades motoras e padrões de movimento necessários para praticar um conjunto diverso de atividades físicas; 2) sabe utilizar o conhecimento de conceitos, princípios, estratégias e táticas associados à prática das atividades físicas; 3) demonstra conhecimento e habilidades para atingir e manter níveis de atividade física e de aptidão física que promovem a saúde; 4) exibe um comportamento pessoal e social responsável, respeitando-se a si mesmo e aos outros; 5) reconhece o valor da atividade física para a saúde, diversão, superação pessoal, autoexpressão e/ou interação social (SHAPE, 2015; Whitehead, 2010).

Tanto no âmbito das finalidades da EF, assim como de um aluno com uma boa literacia “física”, importa destacar que a EF (e a escola) deve procurar promover o desenvolvimento social e moral dos alunos, indo para além das aprendizagens motoras e da aptidão física, ensinando-os a serem mais responsáveis nas aulas de EF e fora das aulas (e.g. respeitar os direitos e os sentimentos dos outros; participação e esforço; autorregulação; ajudar os outros e liderar).

Por sua vez, a dimensão técnica está relacionada com a seguinte questão:

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I) Como organizar o processo ensino-aprendizagem em EF com vista a promover a aprendizagem e o desenvolvimento de todos os alunos? Antes de respondermos a esta questão relacionada com a eficácia dos processos didáticos em EF, algo que se constitui como o objetivo primordial do presente trabalho, importa clarificar que as estratégias e os estilos de ensino devem ter sempre por referência as finalidades da EF e os critérios de um aluno com uma boa literacia “física” já definidos. Assim sendo, iniciaremos a resposta analisando o que a investigação nos informa sobre quais são os principais fatores da eficácia docente no ensino da EF (Carreiro da Costa, 1995; Piéron, 1999; Siedentop & Tannehill, 2000).

Na figura 1, é possível verificar que o tempo potencial de aprendizagem é o fator que contribui diretamente para a aprendizagem e o desenvolvimento do alunos em EF (“sucesso” – em função das finalidade da EF expressas e do conceito de uma boa literacia “física”) (Carreiro da Costa, 1995; Piéron, 1999; Siedentop & Tannehill, 2000). O tempo potencial de aprendizagem é o tempo suscetível de promover a aprendizagem, quando na tarefa específica (i.e. de acordo com a definição dos objetivos de aprendizagem) o aluno concretiza 80% do que é proposto, sem cometer mais de 20% erros, e com recurso a meios auxiliares (i.e. feedback do professor, fichas com critérios de êxito, progressões pedagógicas). Significa isto que o professor de EF deve proporcionar atividades de aprendizagem desafiantes, ajustadas em função das capacidades de cada aluno. As atividades não podem ser demasiado fáceis (o aluno tem 100% de sucesso – um indicador de que já sabe fazer), nem demasiado difíceis (o aluno comete demasiados erros – vai muito para além da suas potencialidades).

O aluno só poderá estar em tempo potencial de aprendizagem se, primeiramente, o professor criar condições para que haja um elevado tempo de empenhamento motor. Para além disso, o tempo de empenhamento motor é fundamental para que o aluno passe pelo menos 50% do tempo da aula a realizar atividade física moderada a vigorosa, um critério de uma EF de qualidade (SHAPE, 2015; UNESCO, 2015) que não é frequentemente cumprido (Dudley et al., 2011; Londsale et al., 2013). Neste sentido, o professor deve começar a aula a horas e despender o mínimo tempo possível em episódios de instrução e organização, maximizando assim o tempo disponível para a prática, o tempo de empenhamento motor e, por último, o tempo potencial de aprendizagem. Revela-se fundamental, portanto, que o professor domine um conjunto de técnicas de ensino ao nível da organização, uma das principais variáveis de eficácia no ensino em EF (Carreiro da Costa, 1995; NASPE, 2009; Piéron, 1999; SHAPE, 2015; Siedentop & Tannehill, 2000).

O feedback pedagógico é outra variável de eficácia fundamental pois a investigação demonstra que uma prestação motora melhora quando há feedback e deixa de melhorar, ou piora, quando este se suprime (Carreiro da Costa, Quina, Diniz, & Piéron, 1996; Piéron, 1999; SHAPE, 2015; Siedentop & Tannehill, 2000).

Adicionalmente, associado a um ensino eficaz em EF, está a criação de um clima relacional positivo entre o professor e o aluno, e entre os próprios alunos (Piéron, 1999; Siedentop & Tannehill, 2000). Por sua vez, um clima motivacional orientado para a mestria, isto é, em que o aluno é levado a dar o seu melhor e a progredir com base num critério autorreferenciado (e não por comparação com os outros) está associado a indicadores psicológicos (e.g. motivação intrínseca, perceção de competência, atitudes) que facilitam a aprendizagem (Braithwaite, Spray, & Warburton, 2011; Papaioannou, Zourbanos, Krommidas, & Ampatzoglou, 2012; SHAPE, 2015).

De facto, o professor deve conhecer que a relação entre o ensino e a aprendizagem não é direta, pois é mediada por um conjunto de variáveis caraterísticas dos alunos não modificáveis (e.g. sexo, idade, estatuto socioeconómico, etnia) e modificáveis (e.g. perceção de competência, motivação, orientação de objetivos, atitudes). As variáveis não modificáveis devem ser consideradas para o professor identificar os grupos alvo (e.g. são os rapazes que não gostam de dançar, logo é com este grupo que tenho de trabalhar). A intervenção propriamente dita deve afetar as variáveis modificáveis relacionadas com a aprendizagem e a atividade física (e.g. a

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atitude e a perceção de competência dos rapazes para dançar). Assim, os professores devem conhecer, planear e ensinar considerando a importância dos correlatos da atividade física para as crianças e os adolescentes. Entre os principais correlatos da atividade física modificáveis, a nível psicológico, constam: a perceção de competência, a autoeficácia, a motivação intrínseca, a orientação de objetivos para a mestria, as atitudes face à atividade física e à disciplina de EF (Bauman et al., 2012; Martins, 2015; Papaioannou et al., 2012).

Em suma, um ensino de qualidade em EF está associado à promoção, junto de cada aluno e através de experiências de aprendizagem agradáveis, dos conhecimentos, das atitudes e das competências necessárias para adotar e manter um estilo de vida ativo, assim como da responsabilidade pessoal e social. A variável de eficácia no ensino da EF que contribui de forma direta para a aprendizagem dos alunos é o tempo potencial de aprendizagem. Esta variável é influenciada pela técnicas de ensino relativas à organização, feedback pedagógico, clima emocional e clima motivacional. São estas e outras técnicas de ensino (e.g. instrução, controlo) que em seguida apresentamos.

Situações críticas da aula de educação física e