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Sumário 1 INTRODUÇÃO

1.1 Contextualização e motivação

Em muitos países, as empresas de distribuição de energia são, atualmente, monopólios regulados. Nas últimas décadas, foram realizadas reformas regulatórias para incentivar os concessionários operadores de rede a melhorar suas decisões de investimento e sua eficiência operacional, a fim de garantir que os consumidores se beneficiassem dos ganhos obtidos. Na base das reformas, encontra-se a regulação por incentivos, instrumento que visa estimular a produtividade e controlar a qualidade do serviço prestado, em contraposição à regulação por custos que foca na redução dos custos. No setor elétrico, os esquemas de regulação por incentivos utilizados pelos órgãos reguladores incluem Rate of Return, Price Cap, Return Cap e Yardstick Regulation, entre outros (Solver and Soder,2004) (Jamasb and Pollitt,2001). Em geral, tais abordagens envolvem métodos de benchmarking que comparam o desempenho real com uma referência ou referência predefinida (Jamasb and Pollitt, 2001). Em muitos países, os órgãos reguladores determinam a Receita Permitida (RP) que os operadores do sistema podem cobrar durante cada ciclo de controle regulatório em referência às despesas de capital, às despesas operacionais esperadas (OPEX), à depreciação, aos juros e a outros custos incorridos pela concessionária. Em um segundo momento, as tarifas de energia são determinadas e projetadas para recuperar esses custos (Kufeoglu and Pollitt, 2019). A definição da composição adequada da RP é um problema complexo que atrai o interesse dos reguladores e do meio acadêmico. No caso do segmento de distribuição de energia, um dos maiores desafios está relacionado à geração distribuída (GD), especialmente à geração fotovoltaica (GD-FV). Os Operadores dos Sistemas de Distribuição (DSOs) têm sido confrontados com questões importantes, como a redução da quantidade de energia vendida e a necessidade de reforçar ou atualizar as redes para aumentar a capacidade de instalação

da GD, o que aumenta os custos (Picciariello et al., 2015b) (Bustos et al., 2019). Esses problemas podem estar relacionados com a repartição incorreta dos custos entre consumidores e prossumidores1

ou, com a própria estrutura da RP. Um relatório elaborado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), intitulado Utility of the Future, aponta que, se a GD-FV aumentar mais de 20% da demanda total de eletricidade, o custo da rede poderá dobrar. Os prossumidores podem se tornar independentes da rede, fazendo com que os custos da rede sejam compartilhados entre um número menor de consumidores. Portanto, as tarifas aumentam, promovendo a GD-FV, e consequentemente o número de prossumidores, o que, pode aumentar novamente a tarifa. Gera-se assim um loop insustentável conhecido como "death spiral" do sistema de distribuição (MIT, 2016) (Sioshansi, 2016).

A avaliação dos impactos da GD tem o potencial de mudar o curso dos eventos na transição energética para um sistema de distribuição descentralizado. Vários trabalhos mostram que a GD-FV pode trazer benefícios à rede, como a redução de perdas e o aumento da vida útil dos transformadores, em situações de baixa penetração (Cohen and Callaway,2016) (Agah and Abyaneh,2011) (Mousavi Agah and Askarian Abyaneh, 2011) (Pezeshki et al., 2014). Entretanto, cenários com alta concentração de GD-FV podem motivar reforços na rede, causar sobretensão e aumentar perdas, por causa dos possíveis fluxos reversos. Vários trabalhos estudaram os impactos da GD-FV no funcionamento do sistema elétrico, analisando sobretensão, perdas, fluxo reverso, entre outros impactos (Chowdhury and Sawab, 1996) (Masters, 2002) (Hoke et al.,2013). A inversão nos fluxos de energia também pode causar sobrecarga

do transformador, o que muitas vezes afeta sua vida útil, custos operacionais e de manutenção (O&M) (Manito et al., 2016). A avaliação dos impactos econômicos da GD sobre o sistema de distribuição, seja positivos, seja negativos, é um grande desafio. É necessário levar em consideração vários fatores simultaneamente, como o nível de penetração e concentração da GD, os parâmetros da própria rede (urbana ou rural), as características da carga, além da forma como a rede é gerenciada (ativa ou passiva) (Picciariello et al.,2015a). Além disso, o impacto da GD-FV no cálculo da receita

requerida das concessionárias de distribuição ainda não está claro. Por exemplo, os transformadores são os ativos mais caros da rede de distribuição (Metwally,2011). Em alguns casos, eles representam até 60% dos ativos das empresas (Jahromi et al.,

2009). A avaliação de sua vida útil sob a crescente participação da GD-FV, quer ela aumente, que não, contribui para a avaliação do adiamento de investimentos.

A influência da GD-FV no envelhecimento dos transformadores de distribuição tem sido alvo de recentes estudos (Agah and Abyaneh,2011) (Mousavi Agah and 1

1.1. Contextualização e motivação 33 Askarian Abyaneh,2011) (Pezeshki et al.,2014) (Manito et al.,2016). Alguns estudos também avaliam o impacto de veículos elétricos plug in e GD-FV simultaneamente (Gray and Morsi, 2017a) (Gray and Morsi, 2017b), ou avaliam o envelhecimento dos transformadores na presença de armazenamento de energia com geração FV (Queiroz et al., 2020). Em geral, a metodologia para calcular o envelhecimento dos transformadores leva em conta as normas IEEE C57.91 (IEEEC57.91, 2012) e IEC 60076-7 (IEC60076-7, 2018).

Embora existam trabalhos que estudam a influência dos sistemas FV no enve- lhecimento do transformador, há uma lacuna no conhecimento sobre a extensão dos efeitos econômicos para os agentes, especialmente para as distribuidoras, em razão da influência na vida útil do transformador e a até que ponto a GD-FV é vantajosa para o sistema de distribuição. Além disso, muitos estudos limitam o estudo a apenas um transformador (Pezeshki et al., 2014) (Manito et al., 2016) (Gray and Morsi,

2017a) (Gray and Morsi,2017b), não avaliam outros impactos na rede, tampouco fazem algum tipo de avaliação econômica. Por exemplo, em (Manito et al., 2016), o envelhecimento de um transformador de 100 kVA alimentando consumidores e prossumidores com GD-FV é avaliado considerando curvas típicas de cargas residen- ciais e industriais em diferentes níveis de penetração. O estudo porPezeshki et al.

(2014) avalia o impacto da geração FV na vida útil de um transformador trifásico de 200 kVA, 22 kV/415 V, localizado na Austrália, que fornece energia a clientes residenciais.

Outros trabalhos avaliam o envelhecimento em situações mais realistas, conside- rando uma rede com vários transformadores, mas não abordam o efeito da localização das unidades fotovoltaicas nem avaliam outros impactos. Em (Agah and Abyaneh,

2011), um estudo do envelhecimento dos transformadores de distribuição é feito em cenários com diferentes tecnologias de GD avaliando níveis de penetração de até 30%. Os autores consideram um alimentador urbano e tratam a estocasticidade da carga e dos dados meteorológicos através do método de simulação de Monte Carlo. Em (Mousavi Agah and Askarian Abyaneh, 2011), os mesmos autores, usando a mesma metodologia, realizam uma análise econômica do aumento da vida útil dos transformadores, levando em consideração cinco alimentadores de redes iranianas em cenários de penetração de GD de até 50%. Há também pesquisas que avaliam outros impactos dos sistemas FV na rede, tais como perdas, sobretensão e envelhecimento dos transformadores, avaliando alimentadores representativos em diferentes condições climáticas (Cohen and Callaway,2016). Em (Cohen et al.,2016), os mesmos autores de (Cohen and Callaway, 2016) estimam o valor da GD-FV avaliando a energia evitada, os reforços na rede e o desgaste mecânico dos reguladores da subestação.

O adiamento dos investimentos é traduzido como um valor financeiro ao levar em consideração a taxa de retorno. Entretanto, a avaliação econômica não analisa o envelhecimento do transformador.

Como pode ser visto, poucos trabalhos realizam avaliações econômicas do efeito da GD-FV (Mousavi Agah and Askarian Abyaneh, 2011) (Cohen et al., 2016). Estudos recentes mostram que a GD-FV pode ter impacto sobre as tarifas de energia. Em (Kufeoglu and Pollitt, 2019), o impacto da GD-FV e dos veículos elétricos sob tarifas de energia existentes na Grã-Bretanha é avaliado analisando o efeito sobre a energia exportada para a rede. Os resultados demonstram que a GD-FV causa um aumento nas tarifas, enquanto os veículos elétricos contribuem para a redução. O estudo feito porFares and King (2017) evidencia que os custos de transmissão, distribuição e administração da rede provavelmente aumentarão se a concessionária vender menos energia no futuro. Os autores Hinz et al. (2018) mostram que já existe uma disparidade nas tarifas de energia da Alemanha que tende a aumentar com a GD. Os autoresBustos et al. (2019) quantificam a evolução das tarifas de energia residenciais e a receita da concessionária com quatro modelos diferentes de tarifas no Chile. O estudo mostra que os sistemas fotovoltaicos residenciais com tarifas volumétricas às vezes reduzem a receita das concessionárias em até 47%, o que pode aumentar as tarifas em até 24%, afetando os clientes que não têm geração. Um estudo relativo ao aumento da penetração FV nas redes americanas (Picciariello et al., 2015b), conclui que há subsídios cruzados sob esquemas de compensação "net metering" quando as tarifas volumétricas são aplicadas. A quantidade de subsídios cruzados varia de acordo com a quantidade de GD conectada à rede. Recentemente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) realizou um estudo concluindo que haverá um aumento nas tarifas, motivado pela expansão da micro e minigeração distribuída (ANEEL,2019b). Pode-se observar que a maioria dos esforços tem sido direcionada à quantificação dos subsídios cruzados nas tarifas. A relação entre o envelhecimento dos ativos por causa da GD-FV não tem sido explorada no contexto das tarifas de energia, tampouco no das receitas das concessionárias.

1.2 Objetivos

O objetivo desta tese é avaliar o impacto do envelhecimento dos transformadores de distribuição na presença de diferentes níveis de penetração de geração distribuída fotovoltaica, com e sem armazenamento de energia, na receita requerida das distri- buidoras. O trabalho é conduzido por simulações computacionais no OpenDSS e no MATLAB.

1.3. Contribuição 35 Os objetivos específicos compreendem:

• Proposta de uma metodologia que envolve simulação de Monte Carlo e considera simultaneamente a aleatoriedade da carga, a irradiação solar, a localização dos sistemas FV e a temperatura ambiente, baseada no cálculo da taxa de deprecia- ção e substituição dos ativos em função do envelhecimento dos transformadores para avaliar o efeito da GD nas receitas da distribuidora.

• Proposta de três índices que avaliam a Vida Útil Média Ponderada dos Trans- formadores (V MP T ), taxa média de depreciação dos transformadores (δtc) e taxa de depreciação média relativa dos transformadores (Iδtc).

• Utilização de um estudo de caso realista baseado em alimentadores representa- tivos da CEMIG.

• Avaliação dos aspectos meteorológicos no envelhecimento.

1.3 Contribuição

Os impactos técnicos da GD na rede elétrica, tais como perdas, fluxo reverso, sobretensão, desequilíbrio de tensão, têm sido bastante estudados. Contudo, há escassez de trabalhos que abordem a influência desses impactos nas receitas da distribuidora. Estudos recentes, mencionados anteriormente, avaliam a influência na vida útil de transformadores, levando em conta a GD e os veículos elétricos "plug in". No entanto, existe uma lacuna no conhecimento sobre a extensão dos benefícios econômicos em razão do efeito na vida útil do transformador, e, até que ponto a GD é vantajosa para o sistema de distribuição. Muitos trabalhos estão limitados a sistemas com poucos barramentos com um único transformador ou às redes do IEEE com poucos transformadores. Ainda, há uma deficiência em trabalhos que expressem a realidade do sistema elétrico brasileiro, utilizando dados reais das redes elétricas, e não há relatos na literatura de trabalhos que estudaram os efeitos da GD nas receitas da distribuidora levando em consideração a regulação brasileira. Esta tese avalia em detalhes os benefícios econômicos da GD-FV por causa do envelhecimento dos transformadores e até que ponto é vantajosa para a rede de distribuição, considerando redes reais com muitos transformadores.