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CAPÍTULO IV O CONTRIBUTO PEDAGÓGICO DE DOMINGOS MACHADO

4.4. Contextualização legislativa

Se queremos compreender um pouco melhor o Ensino Artístico e o seu lugar no contexto educativo, temos que observar mais atentamente a legislação em vigor. A tábua de referência ainda é a Lei de Bases do Sistema Educativo (L.B.S.E.), Lei nº46/86 de 14 de Outubro.

Assim, a Lei de Bases do Sistema Educativo (L.B.S.E.), refere no artigo

7º o seguinte:

São objectivos do ensino básico:

a) “Assegurar uma formação geral comum a todos os portugueses que lhes garanta a descoberta e o desenvolvimento dos seus interesses e aptidões, capacidades de raciocínio, memória e espírito crítico, criatividade, sentido moral e sensibilidade estética, promovendo a realização individual em harmonia com os valores da solidariedade social;

b) Assegurar que nesta formação sejam equilibradamente inter- relacionados o saber e o saber fazer, a teoria e a prática, a cultura escolar e a cultura do quotidiano;

c) Proporcionar o desenvolvimento físico e motor, valorizar as actividades manuais e promover a educação artística, de modo a sensibilizar para as diversas formas de expressão estética, detectando e estimulando aptidões nesses domínios;”

(…)

g) “Desenvolver o conhecimento e o apreço pelos valores característicos de identidade, língua, história e cultura portuguesas;”

(…)

No artigo 3º em relação aos seus princípios organizativos: b) “Contribuir para a realização de educando, através do pleno

desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos e proporcionando-lhe um equilibrado desenvolvimento físico;”

(…)

d) “Assegurar o direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais da existência, bem como da consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas;”

h) “Contribuir para a correcção das assimetrias de desenvolvimento regional e local, devendo incrementar em todas as regiões do País a igualdade no acesso aos benefícios da educação, cultura e ciência;” (…)

No Artigo 23º, no que se refere à educação extra-escolar: 4 – “As actividades de educação extra-escolar podem realizar-se em estruturas de extensão cultural do sistema escolar, ou em sistemas abertos, com recurso a meios de comunicação social e a tecnologias educativas específicas e adequadas;”

5 – “Compete ao Estado promover a realização de actividades extra- escolares e apoiar as que, neste domínio, sejam da iniciativa das autarquias, associações culturais e recreativas, associações de pais, associações de estudantes e organismos juvenis, associações de educação popular, organizações sindicais e comissões de trabalhadores, organizações cívicas e confessionais e outras;”

Podemos observar com relativa facilidade, o palco importante e decisivo de acção que obtém o Ensino Artístico na L.B.S.E., onde a preocupação sobre o mesmo é de grande notoriedade. Assim, a L.B.S.E. constitui um marco fundamental na sua implementação. A este propósito, Alberto B. Sousa (2000, p.13-23) refere que: “A Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº46/86, de 14 de Outubro) aponta definitivamente a relevância e imprescindibilidade da Educação pela Arte ao referir como objectivos o desenvolvimento das capacidades de expressão, da imaginação criativa e da actividade lúdica, através das diversas formas de Expressão Estética”.

Para complementar esta contextualização legislativa, vamo-nos debruçar sobre o decisivo Decreto-Lei nº344/90 de 2 de Novembro, que estabelece as bases gerais da organização de educação artística pré-escolar, escolar e extra-escolar, contidos na Lei de Bases de Sistema Educativo. Naturalmente que o nosso enfoque, será feito no que diz respeito ao ensino artístico de forma genérica.

Assim, o referido decreto na sua introdução, alerta para o facto da “reconhecidamente insuficiência” do ensino artístico em Portugal e do seu atraso em relação à maioria dos países europeus. Estas insuficiências,

segundo o decreto, existem a vários níveis, que vão da falta de infra-estruturas e equipamentos, até à subjectiva avaliação das próprias práticas artísticas. “…a progressiva democratização do ensino, o incremento da divulgação dos bens culturais e a proliferação e desenvolvimento das artes…” (Decreto-Lei nº344/90), tornou urgente a implementação de medidas de maior rigor e estímulo às práticas artísticas.

Assim, segundo o Decreto-Lei nº344/90 de 2 de Novembro, e incluídos no artigo 2º, que importa estarem presentes neste trabalho, são objectivos da educação artística:

a) “Estimular e desenvolver as diferentes formas de comunicação e expressão artística, bem como a imaginação criativa, integrando-as de forma a assegurar um desenvolvimento sensorial, motor e afectivo equilibrado;”

b) “Promover o conhecimento das diversas linguagens artísticas e proporcionar um conjunto variado de experiências nesta área, de modo a estender o âmbito da formação global;”

c) “Educar a sensibilidade estética e desenvolver a capacidade crítica;”

d) “Fomentar práticas artísticas individuais e de grupo, visando a compreensão das suas linguagens e o estímulo à criatividade, bem como o apoio à ocupação criativa de tempos livres com actividades de natureza artística;”

e) “Detectar aptidões específicas em alguma área artística;” f) “Proporcionar formação artística especializada, a nível

vocacional e profissional, destinada, designadamente, a executantes, criadores e profissionais dos ramos artístico, por forma a permitir a obtenção de elevado nível técnico, artístico e cultural;”

g) “Desenvolver o ensino e a investigação nas áreas das diferentes ciências das artes;”

h) “Formar docentes para todos os ramos e graus de ensino artístico, bem como animadores culturais, críticos, gestores e promotores artísticos.”

No que respeita ao ensino artístico genérico, o único ponto que não merece significativa relevância, é o da alínea f), pois este refere-se em particular ao ensino vocacional.

No artigo 3º, está criado o ensino artístico genérico em todos os níveis de ensino, como “componente da formação geral dos alunos”. Como verificaremos mais à frente, esta generalização, só acontecerá efectivamente uma década mais tarde, estando ainda em fase de implementação no que se refere ao 3ºciclo.

O artigo 7º define o que se entende por ensino artístico genérico onde se pode ler que: “Entende-se por educação artística genérica a que se destina a todos os cidadãos, independentemente das suas aptidões ou talentos específicos nalguma área, sendo considerada parte integrante indispensável da educação geral”.

Esta contextualização permite-nos perceber melhor a importância do trabalho pedagógico desenvolvido por Domingos Machado no seu Museu dos Cordofones. Diz-nos Domingos Machado em relação às visitas que recebe por parte das escolas:

“Quando vêm aquelas escolas que apenas vêm por vir, só para saírem da escola, que é a maior parte, para isso servia qualquer pessoa! Escusava eu de estar a perder o meu precioso tempo! Mas olhe que são poucas as escolas que trazem os alunos preparados para fazer a visita! Mas olhe que também vejo cá professores muito exigentes! Que tentam saber, que vêm já mais organizados, que fazem perguntas, que tentam saber, porque entretanto o professor já os preparou na escola!” (À conversa com Domingos Machado a 23 de Maio de 2004).

De facto e sem querermos reduzir a uma simples frase, a educação “…é, no fim de contas, um esforço para auxiliar ou moldar o crescimento” (Bruner, 1999, p.17). As bases para uma colaboração e parceria, entre o sistema educativo e a obra social, educativa e pedagógica de Domingos Machado encontram-se assim lançadas. Podemos ler, num dos seus dois livros de visitas que fazem parte do espólio do museu, as seguintes palavras de um músico e professor de violino no Conservatório de Música de Coimbra, que é o Prof. Manuel Rocha: “Esta casa não é só um museu. É uma casa de sementes, de onde saem os instrumentos e as emoções que não deixam a nossa cultura morrer. Domingos Machado é um homem que não se limita a mostrar o trabalho de uma vida à frente destas vitrinas – vai-nos educando o

amor por estas peças de madeira que vão ser música. Domingos Machado é um Artesão – é mais: é um criador! Com gratidão, carinho e admiração”.