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Contextualizando a dimensão afetiva da formação em gamificação

5 EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES FORMADORES

5.2 Contextualizando a dimensão afetiva da formação em gamificação

Considerando a importância dada ao papel da afetividade nos processos e relações de formação e educação por Imbernón (2009), Nóvoa (1995a, 1995b), Tardif (2002) e Vygotsky (1988), trago uma breve contextualização de como esse aspecto foi gestado inicialmente na vivência formativa de gamificação aqui apresentada. Essa gestação inicial foi fundamental, por ter proporcionado uma base aberta para que a afetividade se colocasse repleta no espaço formativo a partir das vivências com games ou das atividades gamificadas, que trabalham e estimulam o afeto intensamente.

Ao me apresentar, o fiz enfatizando minha trajetória de vida, trazendo primeiramente a informação pessoal e bastante afetiva do nome de meus pais, minhas origens identitárias. Essa escolha de iniciar com uma apresentação afetiva repercutiu na forma como alguns dos participantes optaram por se apresentar e colaborou para o estabelecimento de vínculos afetivos tanto entre mim e os participantes quanto entre os participantes entre si (ainda que eles convivessem cotidianamente).

Pesquisadora: Desde a educação infantil, a gente trabalha a questão da identidade.

E eu sou pessoa a partir do meu nome. Meu nome é minha identidade. E muitas vezes a gente só lembra do nome, só pensa no nome todo, só pensa nisso quando vai assinar um contrato. Mas a importância desse nome é muito forte [...]. Então, o nome traz uma identidade muito forte do meu pai. Eu sou Mércia Valéria Campos Figueiredo, filha de Francisco César Campos Aires e Maria do Socorro Campos Aires. E tudo que eu sou e como estou nesse momento tem muito deles dois. Nós trazemos muito isso desde o momento que interagimos.

Como necessário, também me apresentei desde um ponto de vista mais formal, contextualizando minha trajetória profissional e acadêmica. Contextualizei o processo que estávamos iniciando como parte integrante da minha pesquisa de mestrado e explicitei, novamente, que estava registrando a oficina em formato audiovisual e sonoro.

E assim, como planejado, organizei a apresentação dos participantes a partir do acaso, do inesperável. Fichas com números foram distribuídas e dois dados foram utilizados. De maneira aleatória, com base no resultado dos dados, as pessoas iam se apresentando. Pedi

que os sujeitos se apresentassem expondo motivações para a sua presença, expectativas, etc. Destaco aqui a forma como três participantes responderam afetivamente à dinâmica de apresentação. Marina, por exemplo, optou por também trazer o nome de seus genitores, e esse caráter afetivo impulsionou-lhe a compartilhar suas predileções como professora a partir do posicionamento da afetividade como a característica que a fez escolher o 4º ano como seu favorito para o ensino. Ao mesmo tempo, sentiu-se à vontade para compartilhar sua idade, sua etapa profissional próxima à aposentadoria, concomitante com um ainda latente e forte desejo de aprender e dialogar com o novo.

Marina: Vou fazer como você, Mércia. Sou Marina Brandão Garcia Bernardes.

Filha de Cláudio e Elisabete, pessoas maravilhosas que eu amo e que me amam também. [...] Já estou há 17 anos aqui no município. Falta pouco para me aposentar. Já estou velhinha, mas não quero de jeito nenhum parar. Eu estou velhinha, sim, que eu tenho 58 anos. Eu não quero parar de jeito nenhum, quero continuar. A cada dia que aparece uma coisa que parece difícil, com a interação do grupo, a gente percebe que não é difícil. Eu não gosto de falar ‘formadora’, acho muito... formadora é você! No bom sentido. Eu sou orientadora de estudos, da sala com os professores. Passei por várias etapas da vida escolar, jardim, 1º ano, 3º, 4º e ensino fundamental II. O que mais amei foi o 4º ano. Amei o 4º ano. Se um dia eu voltar para a sala de aula, quero ir para o 4º ano.

Aproveitei a fala de Marina para, através de um aprofundamento do que foi compartilhado, costurar uma relação entre afetividade e interação, elementos que podem ser potencializados em uma abordagem gamificada e que eram de meu interesse destacar.

Pesquisadora: E o que tinha de diferente que você se identificou tanto?

Marina: Boa pergunta. Parece que a gente fez um trabalho de empatia um com o

outro. Muitos trabalhos de prática. Eles comigo e eu com eles. Leituras. Nós sentávamos no chão, na cadeira: ficavam à vontade e criaram gosto de ler. Não tinha que ser só sentadinho. Eu dizia assim: ‘Fiquem à vontade, mas façam a leitura. Aí eles sentavam no chão. E isso foi muito bom, fluiu bastante. No final do ano foi sucesso para eles e para mim.

Pesquisadora: Você colocou na sua fala já muita afetividade em relação ao 4º ano.

E as primeiras palavras que você pontuou foram ‘afetividade’ e ‘interação’. A gente vai descobrindo na própria dinâmica e na própria fala como esses aspectos são fundamentais para que a aprendizagem ocorra e para que ela ocorra de forma significativa. Eu creio, não vou ter a oportunidade de estar com esses alunos que conviveram com você, mas deve ter existido uma relação de interatividade e afetividade, que é essencial para que a aprendizagem ocorra e para que a gente possa estabelecer isso aqui: afetividade e interação para que as coisas aconteçam.

Leila, por sua vez, aproximou-se afetivamente, em sua apresentação, da proposta de formação, ancorando-se em sua experiência com sua própria filha. Esses tipos de associações pensam o conhecimento desde uma dimensão experiencial, que não distingue conhecimento para o exercício profissional de conhecimento para a vida.

Leila: Estou aqui para aprender. Assim que ele falou do curso, fiquei com

curiosidade. Eu tenho uma filha e tecnologia é com ela. Assim que falaram do curso, eu fiquei com os olhos brilhando de curiosidade, porque tenho um. Com minha formação, eu faço todo um trabalho com ela, e as crianças querem muito estar em contato com a tecnologia. E eu gosto de trabalhar na Escola de Formação esse aspecto afetivo. É muito gratificante estar aqui.

Como Marina afirmou, o destaque dado à afetividade em sua fala foi uma repercussão da ênfase que dei em minha própria apresentação; de certa forma, esse momento influenciou, deu a base para todo o desenvolvimento da formação, assim como a percepção dos participantes sobre minha performance e a sua apreensão sobre gamificação.

Busquei reforçar o desejo que possuía de, com a experiência formativa, construir uma relação de troca entre profissionais que trabalham com formação e de poder colaborar com a trajetória deles ao colocar em debate a dinâmica da gamificação, já indicando e nos aproximando a conceituações de tal termo, assim como também afirmando que sua aplicação não necessariamente demandava o uso de aparatos tecnológicos. Obviamente, para o conceito ser mais bem compreendido, teve de ser aprofundado, repetido e discutido posteriormente.

A fala de Leila sobre a relação com a tecnologia a partir de sua filha nos aproxima da relação entre desenvolvimento tecnológico, gamificação e afetividade, que foi pauta de diálogo logo após as apresentações. Ao tratarmos do caráter lúdico da gamificação, Borges estabeleceu uma relação entre o gesto de brincar, a representação e a própria constituição da subjetividade. Aproveitei a oportunidade para relacionar a dimensão afetiva dessas ações e constituições:

Borges: Faz parte do ser humano, assim, do próprio animal, o brincar, desde o

começo da vida. É tanto que outros animais brincam. O poder de representações e dessa interação é que a gente vai se constituindo enquanto humano, enquanto ser na sociedade. E aí a gente vai representando, mesmo quando vai crescendo, mantendo representações, abstratas algumas vezes, mas às vezes se tornam concretas com essa questão do brincar.

Pesquisadora: A Lynn Alves coloca muito isso, ela fala que brincar é coisa séria.

Ela fala que às vezes a gente nem pensa, mas esse brincar vem desde o início da história da humanidade, onde, para caçar, as pessoas usavam a brincadeira. O lúdico estava ali presente. O brincar veio muito antes da construção que a cultura trouxe da palavra brincar. Será que o brincar é só diversão? Que a cultura fecha o brincar para o entretenimento? O jogo é só entretenimento? Será que hoje, com a resolução que traz o documento legal, que diz que o eixo principal do eixo infantil é o brincar, será que esse brincar já deixou de ser visto como mero entretenimento, mas como algo que constrói esse ser psicologicamente, socialmente, culturalmente?

Com isso, pensamos sobre como a dimensão lúdica dos games está relacionada com o próprio viver, assim como também com o próprio desenvolvimento tecnológico e com as reconfigurações das relações afetivas que se dão como efeito desse desenvolvimento. Esse tema retornou posteriormente, quando tivemos a oportunidade de aprofundá-lo melhor.

Trouxe um pouco do tema “game” e incentivei o direcionamento do pensamento reflexivo

para a criação de uma prática gamificada:

Pesquisadora: Deu para a gente revisar um pouco, né, do que foi discutido no

encontro passado, em torno do avanço da tecnologia, da imersão, do hipertexto, do dialogismo, etc., e o game, nesse contexto, além de trabalhar o raciocínio, trabalha a memória, a percepção, que são elementos fundamentais para que a aprendizagem ocorra. Então, sempre que eu me utilizo de um jogo, eu vou buscar na minha memória alguma coisa que eu tenha vivenciado e que se assemelhe, para que eu, a partir da minha experiência prévia, possa ir adiante. Então, quando vivemos algo novo, sempre buscamos algo que vivenciamos que lembre aquela vivência, relacione, para que a gente possa utilizar dessa vivência anterior e dar um passo à frente. Então, ele [o game] traz esses elementos cognitivos, favorece essa questão cognitiva. A gente vai já falar como Vygotsky e outros teóricos trabalham com isso a partir do afetivo. Por quê?

Borges: Há uma produção de sentimentos e uma reelaboração também. Há o caso de

uma criança que passa por uma experiência traumática, não necessariamente de abuso, tipo um dentista, onde a criança fica numa posição de passividade. Então, por meio de uma atividade lúdica, ela vai sair de passiva para ativa e transforma essa dor na dor de outra pessoa ou de um boneco.

Pesquisadora: Exatamente. Ressignifica a partir da experiência de dor. As crianças

fazem isso o tempo todo, seja na relação com o professor, se ela tem aquele professor mais carrasco, que não deixa ela falar, ela bota as bonecas no chão, brinca e diz: ‘Vamos lá, participar!’; se o professor é mais interativo, diz: ‘Cala a boca, você não para um minuto!’; se ele for mais carrasco [...]. No texto, se fala da psicologia da catarse, onde vou trabalhar questões bem emocionais e ressignificar. E o jogo tem esse poder terapêutico. Quando você vivencia essa atividade gamificada e que traz aspectos do jogo, você com certeza traz experiências anteriores.

Busquei, por fim, com este tópico, aproximar as questões de pesquisa e de formação à exposição de um processo que se iniciou em uma perspectiva que deu ênfase à afetividade ao discutir um contexto que envolve tecnologia, educação, game, gamificação, teoria e prática. Enfatizei também para os participantes a importância de refletir sobre a prática docente no contexto da contemporaneidade, as relações entre sujeito e tecnologia e como elas repercutem na experiência educativa. Além disso, mencionei como tal reflexão pode proporcionar motivação na sala de aula, realçando que o processo formativo seria um processo de aprendizagem também para mim, que vivencio empiricamente elementos e conceitos de minha pesquisa.

Em seguida, irei me aprofundar um pouco nas estratégias estabelecidas para fomentar um espaço de dialogismo e reflexividade no processo formativo.