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5 EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES FORMADORES

5.1 Contextualizando o grupo e o local

A formação teve início no mês de setembro do ano de 2015, concluiu-se ao fim de novembro do mesmo ano, com uma carga horária de 24 horas. Ocorreu na Escola de Formação de um município localizado na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Idealizada por técnicos da Secretaria da Educação do município, a Escola de Formação é um espaço exclusivamente de planejamento e realização de cursos e formação continuada para todos os profissionais da educação do município, por isso assim intitulada: “Escola Municipal de Formação e Avaliação”

Contando com um quadro de funcionários composto por 57 profissionais, dentre eles técnico-administrativos, gestores e professores, a Escola de Formação atua na promoção mensal de formação continuada e acompanhamento pedagógico para cerca de 4.000 professores, além da sistematização dos resultados de avaliações externas realizadas no ensino fundamental I e II.

Este trabalho de formação é desenvolvido junto aos projetos e programas executados na rede municipal de ensino – Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic),

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), Luz do Saber, Projeto Educação de Jovens e Adultos (Peja), Programa Brasil Alfabetizado, Projeto de Inclusão, dentre outros. A Escola de Formação é um espaço que busca promover a expansão e a solidificação dos conhecimentos e práticas dos professores, fazendo com que novas metodologias sejam empregadas nas diversas áreas do conhecimento e que os alunos alcancem resultados satisfatórios em seu processo de aprendizagem.

Para a formação que conduzi no âmbito da presente pesquisa, participaram sete professores formadores: Ana, Beatriz, Borges, Célia, Leila, Marina e Pedro (pseudônimos). Leila, a princípio, não poderia permanecer no decorrer do curso, pois havia sido aprovada em um outro concurso e logo deveria iniciar esse novo momento de sua vida. Ainda assim, ela acabou permanecendo conosco até o final, participando, colaborando e contribuindo para o processo formativo que se seguiu.

Como planejado, organizei o momento inicial do primeiro encontro com a apresentação dos participantes, utilizando-me de fichas com números que foram distribuídas, bem como de dois dados de jogos de tabuleiro. Conforme o resultado da sorte, as pessoas iam se apresentando. Pedi que os sujeitos participantes se apresentassem explicitando motivações para a sua presença, expectativas, etc. Adiante, mediante os dados coletados por meio dessa dinâmica, apresento um quadro com o nome, a formação e a atuação de cada um dos participantes:

Quadro 9 – Participantes da formação em gamificação

Nome Formação Atuação

Ana Letras Trabalha atualmente como professora formadora de Língua Portuguesa, mas é efetiva de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano.

Beatriz Pedagogia Trabalha com Educação a Distância (EaD) desde 2010. Atualmente faz especialização em Mídias na Educação.

Borges Letras Português/

Espanhol

Atua como formador e pesquisador (com mestrado em curso) na área de Linguagem e Tecnologia, o qual, por isso, via muita relação entre o tema da formação e seu campo de pesquisa. Possui especialização em Linguística.

Célia Letras Também trabalha na escola de formação como formadora do Paic+ e acompanhando a Olimpíada de Língua Portuguesa do município.

Leila Letras

Trabalha há três anos no município e há dois anos como formadora, participando das formações do programa Paic+ e contribuindo na preparação do município para a Olimpíada de Língua Portuguesa.

Marina Letras

Tem 58 anos e é a professora com mais tempo em sala de aula do grupo, trabalhando há 17 anos no município, estando prestes a se aposentar. Atua hoje como orientadora de estudos do Pnaic, mas já trabalhou em sala de aula com alunos de várias séries.

Pedro Letras/Inglês

Trabalha no município desde 2010 e atua como formador dos professores de inglês do município, realizando formações na mesma sala em que estávamos trabalhando para professores dos 4º, 5º, 6º e 9º anos.

Fonte: Elaboração própria (2016).

Os encontros com esse grupo ocorreram todos em uma mesma sala da Escola de Formação. Era um espaço composto por uma variedade de carteiras escolares, seis

computadores com uma conexão instável à internet, ar-condicionado, uma lousa escolar e caixas com livros, provas, etc. Havia um projetor à minha disposição. Em todos os encontros, optei por organizar as carteiras em uma forma circular, para facilitar o contato olho no olho e a interação entre os participantes. Apesar das condições aqui relatadas para essa sala, elas não representam a realidade escolar do município, conforme as informações compartilhadas pelos participantes ao dialogarmos, em nosso primeiro encontro, sobre tecnologia e evolução. O relato das condições se iniciou a partir de uma fala de Marina sobre seu recente acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).

Marina: [...] Eu lembro quando comprei em 2009 meu primeiro notebook. Até então, a gente fazia a formação ali no papel madeira mesmo, raríssimas vezes com projetor e computador. E aí, quando começamos a usar o notebook, eu demorei muito para aprender. [...] E eu pensava: ‘Como é que eu vou aprender?’. E hoje eu já aprendi o que eles me ensinaram. Mas foi cutucando que eu consegui aprender muita coisa.

Pedro: É interessante como muita gente não se apropriou completamente da

informática.

Mediei o debate sobre essa apropriação ou não da tecnologia trazendo o trabalho que Santaella (2013) faz em torno dessas questões, especificamente no que concerne ao fato de que a tecnologia está simultaneamente presente e, às vezes, imperceptível ou desaproveitada em relação a suas possibilidades de uso. Trouxe um exemplo pessoal vivenciado por meu filho, que, com 13 anos de idade, passou a ter mais interesse por suas aulas de álgebra e trigonometria depois que seu professor adotou o uso do WhatsApp e do

Instagram como ferramentas de ensino, usando da tecnologia para se comunicar com a sala de aula. Pedro e Beatriz opinaram sobre minha mediação, contrastando com a realidade do município onde está situada a Escola de Formação:

Pedro: Nós não temos informática aqui no município ainda. [...] Mas toda escola

[no município] tem Data Show e TV de tela plana.

Beatriz: Ano passado, nós levamos um jogo de habilidades para uma formação. E

os professores [perguntaram]: ‘Como que a gente vai fazer esse jogo?’. Eles adoraram, era com três gêneros textuais para o 3º, 4º e 5º. E aí perguntaram: ‘Como a gente vai fazer sem Data Show?’. Aí a gente falou: ‘Toda escola tem Data Show’.

Só que a diretora não deixava.

Pesquisadora: Então tinha, mas não tinha acesso.

Continuamos dialogando sobre a questão. Os participantes acabaram relatando, entre diversos exemplos e experiências, não uma ausência de tecnologia, mas a sua inacessibilidade no ambiente escolar. Percebi, então, que havia uma expectativa e uma dúvida por parte dos participantes sobre possibilidades de aplicação prática da formação em gamificação nas escolas do município.

Nessa perspectiva, é importante mencionar como cada participante previamente já possuía vivência ou não com o termo “gamificação” e também com games, seja no âmbito pessoal, de entretenimento, ou no âmbito profissional, pedagógico. Em diversas falas dos primeiros encontros, os professores formadores participantes expuseram, no geral, uma expectativa de que fossem ter uma formação apenas de uso de jogos eletrônicos em sala de aula.

Célia, por exemplo, compartilhou a informação de que possui um trabalho nas Olimpíadas de Português no município, vindo daí sua experiência com jogos de aprendizagem, que, a seu ver, motivam o conhecimento. Seu interesse pelo tema gamificação estava associado à uma curiosidade em torno da possiblidade de tal metodologia poder colaborar em algum aspecto com esse seu trabalho. Leila, em proximidade, trouxe o uso que já havia feito, junto com Célia, de jogos de habilidade no mesmo contexto profissional. Pedro, por sua vez, em diversos momentos da formação, apontou seu entusiasmo com jogos – até mesmo seu “vício” como experiência prévia com videogames– e o uso que faz do lúdico nas

formações que conduz. Diante disso, aproveitei a oportunidade que se colocou com a sua fala inicial para levantar uma questão que perdurou em minha pesquisa e em sua própria apreensão do tema, como veremos posteriormente:

Pedro: Foi exatamente isso. Eu já uso jogos nas minhas formações. Não jogos on-line.

Pesquisadora: Mas o que você falou depois a gente vai ver. Será que isso já é

gamificação? Na formação, você vai perceber se isso que você desenvolve já é ou não gamificação.

Borges, por seu turno, apontou que já tinha leituras sobre gamificação, tendo sondado o tema no momento de definir seu projeto de pesquisa para o mestrado. Seu interesse pelo tema se dava tanto a partir de sua função como professor como a partir de sua função como pesquisador. Marina, por outro lado, nunca havia jogado um game eletrônico e vislumbrava a experiência reafirmando o caráter inovador que a formação estava lhe propiciando. Já Ana e Beatriz afirmaram não se sentir muito atraídas por games.

Como se pode constatar, trabalhei com um grupo heterogêneo em termos de experiência prévia com games e gamificação. Creio que o fato de essas experiências prévias terem sido trazidas (através de relatos) mais intensamente nos primeiros encontros revela um tatear do espaço em que os participantes estavam se inserindo, um espaço que estava orientado para um termo, gamificação, sobre o qual os colaboradores da pesquisa não tinham uma concepção clara de seu significado, que foi ganhando contornos conforme a experiência foi se realizando e se concluindo, como veremos posteriormente.

Enfim, esse foi o grupo e o local em que a formação docente aqui relatada foi desenvolvida. Destaco, ao fim, que, mais do que uma mera relação intelectual em torno de um tema próximo das discussões sobre tecnologia e contemporaneidade, a relação e o tipo de conhecimento construídos nesse processo foram marcados também pela afetividade, como detalhado adiante.