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2 APORTE TEÓRICO

2.2 Características dos gêneros textuais usados em sala de aula

2.2.6 Conto: narrativa que encanta

De origem remota, o nascedouro do conto reside nos primórdios da arte literária e não possui uma definição que esgote ou abarque-o por completo, pelo contrário, Cortázar (2008, p. 149) assevera o conto é de ―tão difícil definição, tão esquivo nos seus múltiplos e antagônicos aspectos‖. Conforme Moisés (2013) encontram-se resquícios do que se convenciona hoje chamar de conto, em passagens bíblicas, como a do Filho Pródigo; em histórias do antigo Egito, como a d‘Os Dois Irmãos e Setna e o Livro Mágico; e na Antiguidade Clássica, em trechos da Odisseia e das Metamorfoses, de Ovídio. Outrossim, advém das produções do Oriente, cujas as mais conhecidas são Mil e Uma Noites, Aladim e a

Lâmpada Maravilhosa, Ali Babá e os Quarente Ladrões, com traços mais aproximados aos

das produções contemporâneas.

A despeito de sua definição, Gotlib (1990), no livro ―Teoria do conto‖, aponta três acepções amparadas nos estudos de Júlio Cortázar que convergem numa perspectiva

narrativa; no ato de contar algo, partindo do critério de invenção. A primeira acepção é a que

diz que o intento do conto é relatar um acontecimento. A segunda acepção, por seu turno, afirma que a finalidade do conto é narrar um fato fictício, seja por escrito ou oralmente. A terceira e última acepção assegura que este gênero é uma fábula contada aos infantes para diverti-los; seriam os famosos contos maravilhosos.

Verificar as três acepções sobreditas é indispensável para que se reconheça que o

conto, como é difundido atualmente, é precedido pela tradição oral e evoluiu para o registro

documental, revestindo-se, de fato, de definições várias ao longo do tempo. Tal termo, na Idade Média, referia-se ao relatar de acontecimentos, enumerando-os, como se fossem exemplos, ou em equivalência com dois outros gêneros: a fábula e o apólogo, pois as características destes não eram bem delimitadas e, sem distinções estruturais entre si, logo terminavam por aproximarem-se ou confundirem-se.

Nos últimos séculos da era medieval, encontrou solo fértil na Itália e na Inglaterra, difundindo-se a posteriori em toda a Europa, em produções nas quais o conto figura, indistintamente, com a novela e com o romance; marcadas pelo tom e pelo caráter moralizante, impregnado também pelo folclórico e pelo popular. Alguns expoentes desse

período são: na Itália, Bandello (1510-1569); na Espanha, Cervantes (1613); na França, La Fontaine (1665-1674) e Perrault (1697). Portanto, nesse momento histórico o conto ainda não era observado de acordo com suas especificidades, o que se alteraria nos séculos vindouros.

No século XIX, diferenciou-se dos demais modos de narrar, tendo uma estrutura definida, desse modo, tornou-se autônomo e não deve ser confundido com as demais formas narrativas. O que ocorreu, justamente, quando o narrador assumiu a função ―de contador- criador-escritor de contos, afirmando, então, o seu caráter literário‖ (GOTLIB, 2004, p. 13). Acrescente-se que devido à expansão jornalística deste século, os contos passaram a ser difundidos em grande escala em revistas e em jornais, pois que ―já havia a prensa da

imprensa: era preciso escrever e muito e depressa‖ (GOTLIB, 2004, p. 44).

Nesse sentido, muitos escritores de renome despontam no cenário literário das produções desse gênero, que é dotado de concisão e de brevidade, pautado na rapidez e no recorte do cotidiano. No século XIX, destacam-se Maupassant, na França; Edgar Allan Poe, nos EUA; Anton Tcheckov, na Rússia; Hoffmann, na Alemanha; Clarice Lispector e Machado de Assis, no Brasil. No século XX, outros escritores adotam esse novo modo de contar, tais como Virgínia Woolf, James Joyce e Kafka. Ademais, muitos ficcionistas encontraram no conto a ferramenta e a estrutura necessárias para expressarem-se.

Face ao percurso histórico descrito, o gênero conto, nas palavras de Cortázar (2008, p. 150), passa a ser vislumbrado como ―uma síntese viva, ao mesmo tempo, que uma vida sintetizada‖. Ou seja, é um registro escrito com o intuito de representar e/ou sintetizar episódios corriqueiros sob um prisma literário de prévia limitação. Assim, ―o contista sabe que não pode proceder acumulativamente, que não tem o tempo por seu aliado‖ (CORTÁZAR, 2008, p. 152), portanto, faz uso de características como profundidade e densidade em seu ofício, descrevendo acontecimentos que sejam significativos, de tal maneira que o fragmento remeta-se a uma totalidade, representando-a no tempo e no espaço determinado pelo gênero.

Há, então, no conto uma linguagem sucinta, sem dados supérfluos ou prolixidade, para que não se perca de vista o efeito de composição desejado; importa a qualidade do que está posto. Há ainda uma tríade imprescindível: uma só célula dramática, um espaço limitado, que serve como plano de fundo e ambientação ao conflito em evidência, e um ritmo conferido pelo tempo, cronológico ou psicológico. Vale salientar que as personagens inseridas na narrativa são poucas e participam diretamente do enredo, do qual tudo lhe serve de matéria. E o foco narrativo, por sua vez, é posto sob um viés onisciente ou de um narrador observador, com mais frequência em primeira pessoa. Outro fator relevante é o tom que se

deseja dar em cada conto é dado logo de início, pois ―um conto é ruim quando é escrito sem essa tensão que se deve manifestar desde as primeiras palavras ou desde as primeiras cenas‖ (CORTÁZAR, 2008, p. 152).

Grabo apud Móises (2013) classifica o conto em cinco tipos: de ação, de personagem, de cenário ou atmosfera, de ideia, de efeitos emocionais. O primeiro tipo é regido por mistérios inventariados a partir histórias policiais. O segundo pauta-se mais nos protagonistas do que na ação. No terceiro, a ambientação é mais relevante ou equipara-se com o enredo/personagens. O quarto centra-se em doutrinas como as filosóficas. O quinto, tal qual se autodenomina, busca gerar sensações variadas no leitor.

Saliente-se, ainda, que há duas fases distintas de concepção do conto: a clássica e a

moderna. A fase clássica é regida pela tradição, obedece à estrutura de começo, meio e fim,

inserindo-se numa realidade histórica, detendo-se ao acontecimento em si. A fase moderna possui um desfecho surpreendente, situações menos realistas e atmosfera poética, que descortina acontecimentos interiores. Ambas possuem uma estrutura base e há contistas que se voltam mais para uma, ou em cujas produções verificam-se as duas tendências, como ocorre com o expoente brasileiro Machado de Assis e com as produções de contistas contemporâneos.

Seja qual for a perspectiva adotada, com base nas postulações de Bosi (1975, p. 9), o que importa é que ―o contista é um pescador de momentos singulares cheios de significação‖. Cabe a tal escolher a temática e os elementos narrativos necessários e, finalmente, imprimir o melhor enfoque, empregando uma ótica ou um modo de narrar peculiar para ―inventar, de novo: descobrir o que os outros não souberam ver com tanta clareza, não souberam sentir com tanta força‖ (BOSI, 1975, p. 9). Sem uma fórmula pré-estabelecida, a inventividade é o recurso do contista e a matéria-prima indispensável que torna o conto bem-sucedido.

Enfim, os contos são narrativas que estão vivas na atualidade, fazem parte do mundo infantil e imaginativo das crianças desde as suas primeiras audições na barriga da mãe. Esse universo mágico proporcionado pelo encantamento deslumbrante, cheio de princesas, bruxas, cavaleiros, príncipes e animais personificados perdurarão para sempre, pois o inventar, o descobrir e o provocar suspense mexe com o sentimento humano em qualquer idade.

Na seção seguinte, falamos acerca da importância de se trabalhar com gêneros, visando tanto compreensão e interação quanto a produção textual.

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