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5 OS ESTRANHOS MUNDOS DO ZÉ DO CAIXÃO

8. CONTRACAPA: Texto sobre “Os Tugs e a deusa Khali”.

5.3.5 Herdeiros de A Cripta

Figura 63 – Capas das edições n. 1 a 4 de A Cripta

Fonte: Guia dos Quadrinhos (2019).

Para melhor compreender o projeto da revista em Quadrinhos de O Estranho

Mundo do Zé do Caixão é importante conhecer sua antecessora imediata (Figura 63)

temática do terror. Outra semelhança é o mesmo formato grande, diferente de tudo o que era publicado em quadrinhos na época, e a presença, em ambas as publicações, de duas histórias em quadrinhos. O maior diferencial da revista do Zé do Caixão era que uma das histórias se apresentava como fotonovela. Foi em 1966 nas revistas de Terror da Editora Taika que se iniciou a prolífica parceria entre Lucchetti e Rosso que, além da amizade e admiração pelo trabalho mútuo, tinham em comum o descontentamento com a qualidade editorial com o que era publicado na época, em particular com os resultados obtidos por ambos em suas produções pessoais. Em busca de perspectivas melhores decidiram iniciar uma revista própria que teria como personagem principal um vampiro. Lucchetti batizou a publicação com o título de

A Cripta em alusão a um cineclube de mesmo nome, realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Nome que entusiasmou Rosso:

Daí, logo ele já rascunhou o logotipo da revista que era como se fosse um mausoléu, como se fosse uma cripta, com teias de aranha, tudo mais assim, daí já estava já com dois números prontos… nós fomos falar com Manoel César Cassoli, que era o diretor da Taika, levando esse material, as duas capas prontas, o número de ponta a ponta… eram aqueles papéis grandes, né, aquelas folhas grandes, formato acho que A3. O Manuel, ele gostou, né, quando viu aquele material lá ficou deslumbrado: “Nós vamos editar isso aí!”. (LUCCHETTI, 2017).

Ao amparar-se em modelos existentes sem necessariamente de copiá-los na íntegra (SILVA, 2012), a proposta de inovação dessa publicação era uma consequência direta das transformações práticas experimentadas pelos profissionais dos quadrinhos nacionais a partir do momento em que se aumentou a demanda por novas histórias produzidas integralmente no país. Incentivado particularmente pela editora Outubro, esse movimento em oposição ao material importado, juntamente com a melhor organização da classe e do conhecimento técnico necessário para suprir esse mercado, despertou a autoestima nos artistas que, gradualmente deixavam de encarar seu ofício como mero complemento de renda. Lucchetti e Rosso dedicaram- se a iniciativas que transpusessem as convenções que os limitavam não apenas comercialmente, mas artisticamente, pois “no aspecto da autoria, o artista brasileiro ganhava mais reconhecimento ao assinar sua obra, tirando seu trabalho da condição de anonimato imposta pelos anos de práticas dos editores de quadrinhos no país” (SILVA, 2012, p. 195).

O trabalho de empresas com as editoras Outubro, Continental, Trieste, Edrel, La Selva e outras foi muito importante para o desenvolvimento das histórias em quadrinhos nacionais, uma vez que elas possibilitaram que vários artistas brasileiros pudessem se sustentar e a suas famílias com a produção de histórias em quadrinhos e, ao mesmo tempo, tornaram possível que os leitores brasileiros tivessem acesso a histórias que tratavam de temas mais próximos à nossa cultura e realidade. (VERGUEIRO, 2017, p. 62).

O projeto editorial criado pela dupla era diferenciado os padrões vigentes, pois naquela época “as revistas brasileiras de histórias em quadrinhos de Horror possuíam o formato 18 × 26 cm e trinta e duas páginas internas, impressas em preto e branco – apenas capa e a 4a capa apresentavam impressão em cores" (LUCCHETTI, 1993, p. 42). Tratava-se de publicações baratas acomodadas em reciclar histórias de vampiro, editorialmente pouco preocupadas com o acabamento do desenho e no cuidado com o texto. Enquanto projeto gráfico, A Cripta era chamativa pelo apuro de suas capas, com o logotipo desenhado como que em relevo e ilustrações impactantes. Enquanto objeto, ela se destacava de seus pares: o formato era 23 × 29 cm, 48 páginas de miolo que também apresentavam tons de cinza113 nos desenhos e, por

fim, a capa tinha acabamento plastificado. Luxos até aquele momento impensáveis para os quase precários quadrinhos nacionais de horror. Outro quesito que distinguia

A Cripta de tudo o que fora feito até então, em termos de quadrinhos nacionais de

terror, foi o fato de que se tratou da primeira revista “inteiramente realizada e editorada por seus autores, não havendo qualquer interferência de editores convencionais na elaboração de suas histórias” (LUCCHETTI, 1993, p. 45).

O conteúdo da revista incluía histórias de terror curtas e independentes e a série Nosferatu (Figura 64), cujo nome é referência direta à mais célebre releitura cinematográfica114 do Conde Drácula, feita pelo diretor alemão Murnau. Segundo o

roteirista, a série era “um tipo de conto de fadas para adultos” (LUCCHETTI, 2017) com algumas diferenças de suas inspirações, apresentando não um conde, mas um barão loiro, culto e sedutor. No entanto as mudanças nos paradigmas vampirescos foram bem além de detalhes cosméticos: o personagem não possui as mesmas fraquezas à cruz, alho ou água benta e nem se transforma em morcego, inclusive

113 “… A Cripta foi a primeira publicação nacional de histórias em quadrinhos de Horror a fazer uso

desta técnica.” (LUCCHETTI, 2017, p. 82).

114 Nosferatu – Uma Sinfonia do Horror (Nosferatu - Eine Symphonie des Grauens) é um filme alemão

dirigido por F. W. Murnau. Uma adaptação não autorizada do livro de Bram Stocker onde Drácula se torna Orlock, uma criatura mais grotesca.

podendo andar à luz do dia. Tampouco o personagem suga sangue, mas sim a energia vital de donzelas através do seu “beijo da imortalidade”.

Figura 64 – Estreia de Nosferatu na edição n. 1 de A Cripta

Embora esse Nosferatu brasileiro pudesse ser violento e sádico, suas histórias eram feitas de um terror mais preocupado com a atmosfera do que com a violência explícita. Numa análise objetiva esse personagem não se tratava de nenhuma subversão às tradicionais histórias de Drácula. Alterar alguns poderes, cor de cabelo ou título de nobreza não disfarça a referência do qual ele era decalcado. Na verdade, o coloca na mesma categoria de infindáveis variações do mesmo tema que a cultura popular ainda produz nas mais variadas mídias. Porém, para aquele momento do quadrinho brasileiro em que editores esgotavam sem pudor as mesmas abordagens do tema com clones sem identidade, o Nosferatu de Lucchetti e Rosso foi um passo adiante na quebra desse paradigma aparentemente sólido do mercado editorial. Um ensaio necessário que os levaria a produzir histórias de terror cada vez mais ousadas em conteúdo e estética, que abririam caminho para que alguns anos depois viessem a trabalhar com a criatura de José Mojica Marins. Este sim não um decalque, mas um híbrido de vários personagens anteriores acrescido com tempero social brasileiro.

Figura 65 – Exemplos de diagramação fora do convencional em Nosferatu

Fonte: Lucchetti (1993, p. 62; 123).

A inovação estética mais relevante de A Cripta veio do experimentalismo (Figura 65) de Nico Rosso em propor novas formas de diagramar suas páginas.

O usual nos quadrinhos da época era utilizar requadros115 comportados na forma de

quadrados e retângulos, sempre dispostos em tiras horizontais formadas por quadrinhos que pouco variavam em proporção. Nesse projeto Rosso começou a preferir formas irregulares que acentuavam a intenção das cenas. Um “desequilíbrio” que evocava a tensão das tramas, conferindo uma dinâmica especial às páginas que desenhava. É importante frisar que esse tipo de experimento já era utilizado em outros quadrinhos produzidos mundo afora desde muito antes como, por exemplo, nas páginas de séries norte-americanas naquela época já conhecidas no Brasil (Figura 66) como Little Nemo in Slumberland de Winsor McCay ou Spirit de Will Eisner, que décadas antes já entendiam que os requadros, por meio de suas formas, mesmo sem ter “significado fixo e absoluto [...] podem afetar a experiência da leitura” (McCLOUD, 1995, p. 99).

Figura 66 – Exemplos de paginação arrojada por Maccay e Eisner

Fonte: Reichteberger e Fuchs (1972, p. 28); Eisner (1989, p. 52).

115 Um dos nomes técnicos para os quadros que formam a página de quadrinhos. Segundo Ramos

(2009), outras nomenclaturas para essas linhas que formam a borda dos quadrinhos são vinheta, linha demarcatória, contorno e moldura.

Ao compartilhar desses experimentos o trabalho de Rosso também deixou de encarar o quadro como mera “moldura dentro da qual se colocam objetos e ações” pois quando se rompe com a formalidade como é usado o “requadro do quadrinho em si pode ser usado como parte da linguagem “não verbal” da arte sequencial” (EISNER, 1989, p. 44). Isso ocorre mesmo quando ele não é visível, pois dentro da página da HQ a ausência de requadro também “tem o efeito de abranger o que não está invisível, mas que tem existência reconhecida” (EISNER, 1989, p. 45), o que confere possibilidades narrativas mais amplas do que uma série de quadros homogêneos e enfileirados. Recurso que Rosso também passou a empregar em A Cripta ao abrir mão dos espaços entre os quadros para criar composições de página inteira que Eisner chama de “metaquadrinho” (Figura 65).

Compreender que o contexto ainda tecnicamente embrionário onde se inseria a produção brasileira de quadrinhos entre as décadas de 1950 e 1960 ajuda a mensurar como foi relevante a iniciativa de incorporar novas técnicas narrativas às suas HQs. Tratava-se de um esforço não só de se sintonizar com o amadurecimento dessa linguagem que acontecia mundo afora. A ruptura necessária e natural com tudo o que se publicava no segmento terror até o momento no Brasil é onde reside grande parte do mérito da iniciativa de A Cripta. Se o conteúdo de Nosferatu ainda era tímido no sentido de recodificar os estereótipos do universo vampiresco, a publicação foi realmente inovadora tanto no aspecto formal de seu projeto gráfico, como na seriedade editorial de seu conteúdo e no experimentalismo estético. Foi um passo importante no amadurecimento da produção local de gibis por demonstrar à sua geração que era possível reinventar a maneira como era feito o terror nos quadrinhos brasileiros. Mas na visão de Lucchetti a editora Taika não parecia estar preparada para comportar o que ele e Rosso idealizaram para sua revista fora do convencional. O formato da revista era um problema gráfico, tanto que o editor levou seis meses para concretizar o projeto, que chegou às bancas durante o ano de 1968.

Mas só que quando saiu o primeiro número, eu já fiquei desgostoso, porque colocaram um papel de péssima qualidade, o pior papel que poderia existir... Depois colocaram um anúncio que não tinha nada a ver com o nosso trabalho, anunciando as novas revistas lá deles lá. Então cada número praticamente saiu num formato diferente. O número 5 então foi um verdadeiro terror […] tanto o Nico quanto eu ficamos desgostoso com a coisa. (LUCCHETTI, 2017).

Tais reveses editoriais acabaram minando a motivação da dupla em seguir após a publicação da quinta edição, descaracterizada, com uma logo diferente na capa e em formato reduzido. Lucchetti coloca os poréns do fim precoce da publicação como consequência única dos desacordos cometidos pela Taika “pois este magazine tinha uma penetração junto ao público bastante expressiva, ainda mais ao se considerar seu elevado preço: Cr$ 2,00, numa época em que os gibis eram vendidos a Cr$ 0,50 ou Cr$ 0,60” (LUCCHETTI,1993, p. 112) Porém, por melhor que tenha sido a aceitação de A Cripta entre os leitores, é provável que questões de ordem prática como o valor alto do preço de capa certamente influenciaram seu desempenho e motivaram os editores a inserir anúncios para compensar seus gastos. Além disso, por mais inovadora que fosse, ela não possuía um chamariz cujo apelo compensasse seu investimento a um leitor menos aficionado do gênero. O que não ocorreu pouco depois com a revista O Estranho Mundo de Zé do Caixão que, mesmo com praticamente o mesmo projeto editorial, escorou suas vendas na imagem de uma celebridade.

De qualquer maneira, os autores optaram por canalizar seus esforços em outra empreitada que pudesse permitir a eles concretizar sua ambição de realizar uma revista de terror que revolucionasse plenamente o gênero. Contudo, paralelamente a essa frustração, Lucchetti encontrava-se em uma boa fase criativa. Há mais de um ano estava produzindo uma enorme quantidade de roteiros de televisão e cinema para seu patrão José Mojica Marins. Projetos que logravam êxito e aumentavam a cobiça do cineasta em conquistar maiores audiências. Como Mojica também era apreciador de histórias em quadrinhos, portanto, não foi difícil convencê-lo que ele poderia encaixar seu cada vez mais famoso personagem também nas páginas dos gibis. “Já por volta do número 3, nós já estávamos pensando em desistir da coisa. Já criar, já partir pra outra empreitada, aí nós começamos a pensar: “Por que não transportar para os gibis esse universo do Zé do Caixão?” (LUCCHETTI, 2017).

5.3.6 Como Construir e Rasgar um Estranho Mundo em Papel

A iniciativa pioneira e frustrada de A Cripta não só foi um marco no mercado editorial de quadrinhos brasileiros, mas também calhou de se tornar o modelo da revista que a dupla começaria a produzir ainda em 1968 e que viria a ser lançada somente no ano seguinte. As citações a seguir, feitas a partir de entrevista concedida

para esta pesquisa, fazem-se necessariamente longas, pois revelam, de maneira detalhada, todo o processo de bastidores que envolve a revista em quadrinhos, tratando-se de um testemunho extremamente rico e indispensável de Rubens Lucchetti. Depoimento que cobre desde a gênese até o declínio do novo e ambicioso projeto encabeçado por ele e Nico Rosso:

Então nós resolvemos criar: “Vamos partir pra uma coisa diferente, vamos transportar, vamos tropicalizar o terror. Vamos criar O Estranho Mundo do Zé do Caixão!” O Nico sempre foi fascinado justamente pelos programas da TV do Mojica... Ele estava empolgado: “Vamos esquecer lá o Nosferatu, vamos esquecer desse terror europeu e vamos partir para o terror brasileiro!” O nosso erro foi nunca ter pego, digamos, ter feito um contrato […]. Esse foi um erro brutal nosso. Aí nós começamos a fazer […] eu logo redigi os dois primeiros roteiros. Um era a Noite Negra e o segundo era A Praga… das histórias da TV. E o Nico se pôs a trabalhar. Só que eu achei que tinha que ter algo mais na revista. Então como tinha o título de O Estranho Mundo do Zé do Caixão pensei em colocar na revista, em fotonovela, os três episódios do “Estranho Mundo”. (LUCCHETTI, 2017).

Com o aval de Mojica e o bom momento de popularidade e exposição na mídia que ele vivia naquele ano, Lucchetti supôs que seria fácil encontrar uma editora disposta a publicar a revista que já estava em produção. Porém, se o primeiro desafio da Cripta foram as limitações técnicas impostas pelos maquinários da editora, o desafio da vez seria a própria imagem de Mojica. Através e, apesar, de suas aparições públicas espalhafatosas, testes de coragem bizarros e a questionável credibilidade de seus métodos de ensino, ele conquistou popularidade entre uma parcela da população que apreciava suas histórias repletas de violência, sangue e sobrenatural. Temas, por outro lado, não muito atraentes a todos os gostos, como revelara a experiência na TV Tupi. Outro fator a ser superado era o fato de que, devido a suas escolhas, Mojica acabou criando uma imagem de pessoa não muito confiável quando o assunto era negócios.

A primeira Editora que eu fui foi a editora Prelúdio, na qual eu trabalhava, fazia

freelance […] pertencia a dois meios-irmãos […] o seu Arlindo Pinto Sousa e

o Seu Armando Augusto Lopes […] os dois extremamente católicos. Seu Arlindo assim adorou a revista […] Seu Armando, ele ficou meio ressabiado: “Acho melhor não editar isso aí.” […] Aí procurei o Manoel, que era da Taika: “Olha, não tô interessado” […] daí procurei o Miguel Falconi Penteado, que era proprietário da GEP... logo de cara falou: “Não, isso aí é um verdadeiro lixo” […] não sei como é que você pode perder tempo de fazer isso aí”. Procurei o

José Sidekerkis que era o editor da Mirza116, que também não se interessou.

Procurei o seu Salvador Bentivegna. O seu Salvador até se interessou pelo projeto, mas ele falou: “Olha, eu não tenho assim estrutura pra lançar uma revista dessa.” […] Daí procurei o seu Savério117 Fittipaldi, que era uma editora

assim pra qual eu já tinha feito alguns trabalhos […] inclusive com o Nico. O Savério falou: “Não, não, não.” […] Foram umas duas semanas eu batendo de porta em porta. Nesse dia que eu recebi essa resposta do seu Savério, eu fiquei assim, estava perto do Natal, perto do Natal de 68, mais ou menos dia 12, 13 de dezembro. Eu morava no Belenzinho, eu estava andando por uma avenida, que era a principal avenida lá do Brás, é uma avenida bem extensa que passa por vários bairros, tinha várias lojas com músicas natalinas, mas aquele espírito de Natal não tinha entrado em mim. Eu não sabia nem como eu ia falar isso pro Nico. Era um trabalho que tinha sido jogado fora. Aí cheguei em casa, joguei assim a papelada lá na, em cima da minha escrivaninha. Minha esposa veio e perguntou o que que foi. Eu falei: “Olha, não vai dar certo. Quer dizer, nós perdemos o trabalho”. Aí no dia seguinte eu decidi voltar lá na Prelúdio [...]. Aí eu conversei com o seu Arlindo, que era quem eu tinha assim mais intimidade, né? Ele falou: “Olha, eu gostei do trabalho. Eu vou tentar convencer o Armando. Você deixa o material comigo”. Isso foi logo de manhã. “Você deixa o material comigo e de tarde você volta aqui. Acho que nós vamos fazer negócio.” Eu fui pra casa, aí de tarde voltei lá na editora. O seu Arlindo falou: “Ó, nós vamos editar isso, e vamos editar logo! Amanhã mesmo eu já vou lá no chamado Fotolito Astra”. O proprietário era um tal de Valtão. “Eu vou falar com o Valtão e vamos já fazer imediatamente, vamos fazer o fotolito já antes do final do ano […] quero imprimir para os primeiros dias de janeiro lançar isso aí”. Eu conversei com seu Nico e tudo. Eu falei: “Olha, a Prelúdio vai lançar!”. (LUCCHETTI, 2017).

Arlindo Pinto de Souza118, um dos proprietários da Prelúdio, afirma que não

fosse o esforço de Lucchetti a revista não teria acontecido, pois ele e Armando, seu irmão e sócio, não acreditavam em seu sucesso. Mas, “como o Zé do Caixão vinha com o apoio e a divulgação de seu programa de tevê e em virtude da confiança e da exaltação demonstradas por Lucchetti pelo terror e por esse projeto, decidimos lançá- la” (LUCCHETTI, 1993, p. 226) Depois do receio inicial superado, tudo pareceu se encaixar perfeitamente. Inclusive Mojica não exigiu pagamento pela cessão de direitos. Tampouco firmou contrato com as partes envolvidas na produção da revista com seu personagem. Pediu apenas que sua parte fosse paga em exemplares que ele comercializaria diretamente com o auxílio de seus alunos. Mas, nem todos pareciam acreditar no sucesso da empreitada. O caso mais notório foi o encontro com o editor Reinaldo de Oliveira durante a execução dos fotolitos, que desdenhou do

116 Publicada em 1967 pela editora Jotaesse, a personagem Mirza, a Mulher Vampiro foi criação de

Eugênio Colonnese. Disponível em: <http://www.guiadosquadrinhos.com/artista/eugenio- colonnese/1056>. Acesso em: 24 jun. 2019.

117 Editor na editora paulista Saber (Saber S/A Expansão Industrial e Comercial da Cultura), empresa

que na década de 1960 fez sucesso publicando em formato de livro os personagens licenciados da

King Features Sindicate como Fantasma, Mandrake e Recruta Zero. Disponível em:

<http://www.guiadosquadrinhos.com/artista/saverio-fittipaldi/4807>. Acesso em: 10 jun. 2019.

projeto, conforme recorda o próprio Lucchetti: “Vocês vão editar isso? O público do Mojica é analfabeto, não sabe ler […] vocês são todos ingênuos por acreditar nisso. Isso aí não vai vender nada!” Taxativo quanto ao fracasso quando soube dos apressados planos de Lucchetti e seu editor em lançar a publicação no início do ano, ele decretou que “[...] janeiro é péssimo! Mês de férias e ninguém está interessado em ler nada! Ainda mais quadrinho, esses quadrinhos de terror aí” (LUCCHETTI, 2017).

Entretanto, suas previsões não vingaram. Lançada como previsto no início de janeiro, sem divulgação em jornais, publicidade apenas em publicações da própria editora e contando apenas com o boca a boca dos frequentadores de banca. Mesmo sendo uma publicação que custava Cr$ 2,00, o equivalente a quase quatro vezes o valor dos gibis convencionais à venda na época, o gibi de O Estranho Mundo de Zé

do Caixão foi um sucesso além do esperado: “[…] por volta do dia 10 de janeiro essa

revista foi lançada em São Paulo. Foi numa tiragem inicial de 20 mil exemplares. Esgotou assim em questão quase que de dez dias […] foram feitas várias tiragens