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4. REFLEXÕES ACERCA DE ALGUMAS NOÇÕES DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA FRANCESA

4.4. Contrato Didático

Os papéis assumidos por professor e alunos no cotidiano de uma sala de aula já estão instituídos. Ainda nos primeiros anos da vida escolar, as crianças já sabem de uma maneira geral o comportamento que precisam ter nesse espaço, assim como os professores recém-formados já sabem a postura que irão adotar perante a comunidade escolar, embora a experiência de forma natural promova com o passar do tempo algumas modificações. Convém ressaltar que se desconsidera na assertiva anterior qualquer particularidade econômica, social, psicológica ou de outra ordem que resulte em atitudes contrárias ao comportamento usual em sala de aula.

Ao professor são designadas as ações de mediar o ensino dos conteúdos previstos, tirar dúvidas, promover a disciplina em sala, determinar as atividades a serem realizadas, e, de acordo com a natureza das mesmas, estabelecer a maneira como deverão ser desenvolvidas. Quanto ao aluno, realizar as atividades propostas, comunicar suas dúvidas e ter um comportamento adequado para o convívio no espaço escolar e com os demais colegas, são algumas de suas atribuições.

Assim, observa-se uma série de atitudes direcionadas a cada um dos agentes escolares em questão, a saber, professor e alunos, que podem ser tanto explícitas como implícitas, e, nessa perspectiva, Brousseau define uma das noções desenvolvidas nos estudos de didática da matemática e objeto de suas pesquisas:

Contrato didático é o conjunto de comportamentos do professor que são esperados pelos alunos e o conjunto de comportamentos do aluno que são esperados pelo professor... Esse contrato é o conjunto de regras que determinam, uma pequena parte explicitamente, mas sobretudo implicitamente, o que cada parceiro da relação didática deverá gerir e aquilo que, de uma maneira ou de outra, ele terá de prestar conta perante o outro

(BROUSSEAU, 1986, apud MACHADO, 1999, p. 43).

A parte explícita desse contrato, geralmente, contém as regras “negociáveis” entre professor e alunos, como também aquelas em que são apenas comunicadas aos discentes pela necessidade da sua efetiva realização para o alcance dos objetivos previamente determinados. A seguinte situação exemplifica o caráter de flexibilidade presente nesta noção: ao propor uma atividade que deverá ser realizada em dupla, o

professor comunica aos alunos esta forma de organização da turma (regra não negociável), mas deixa a escolha do critério de formação das duplas em discussão (regra negociável).

Possivelmente em razão da sua parte implícita, a responsabilidade do aluno nas respostas ou resultados das atividades propostas pelo professor e a busca por respostas a partir de questões com enunciados absurdos são aspectos importantes presentes na reflexão sobre contrato didático.

Ao mostrar a resolução de uma questão para um professor, a maioria dos alunos, inicialmente já falam que não sabem se a resposta está correta, e se o professor solicitar o esclarecimento de algum ponto dessa resolução, o aluno geralmente já conclui que a sua resposta está errada. Segundo Chevallard (2001, p. 30), atitudes como esta são resultantes da hierarquia rígida de funções corroborada cotidianamente pelo professor, pois se o aluno nunca desempenha o papel de matemático para o professor, então nunca se responsabiliza pela validade das respostas que dá.

Em relação aos enunciados absurdos, destacam-se dois exemplos: “Num barco há 26 carneiros e 10 cabritos. Qual é a idade do capitão?” (ALMOULOUD, 2000, p. 83) e “O elevador de um edifício de 10 andares parte do térreo com 4 pessoas: 2 mulheres, 1 homem e 1 criança. Pára no 4º andar e aí sai 1 mulher e entram 3 homens. No 7º saem 2 pessoas. Sabendo-se que houve apenas mais uma parada no 9º onde não desceu nenhuma criança e que o elevador chegou ao 10º andar com 11 pessoas, pergunta-se qual é a idade do ascensorista” (MACHADO, 1999, p.50).

Os alunos para os quais esses problemas foram propostos forneceram inúmeras respostas. Para Brousseau, isso mostra que os alunos acreditam que os problemas sempre têm uma resposta e que todos os dados presentes na questão devem ser utilizados para a sua resolução (ALMOULOUD, 2000), a partir dessa inferência é plausível considerar que a própria lógica entra em conflito com as regras implícitas do contrato didático.

Nesse contexto, a partir da experiência docente adquirida, são apresentadas a seguir três situações em que se pode verificar a ocorrência de regras implícitas da noção em questão: Quando os alunos copiam até um risco que o professor fez no canto superior do quadro (esse teste já foi realizado e a maioria dos alunos escreveu no caderno) mesmo sem saber a sua utilidade, indicando que todos os escritos do professor devem ser anotados; Quando o professor pergunta algo a um aluno, e após a resposta, o docente pergunta se o mesmo tem certeza, imediatamente a maioria dos alunos já

procura erros em sua resposta, pois concluem que esta só pode está errada; O professor só pode avaliar o conteúdo que foi explicado recentemente.

As regras implícitas, como as que foram mencionadas acima, se tornam mais evidentes mediante a chamada “ruptura do contrato didático”, ou seja, quando professor e aluno têm atitudes ou posturas não previsíveis de acordo com o contrato estabelecido. Segue um exemplo de ruptura, segundo MACHADO (1999, p. 47):

O professor pretende introduzir um conceito novo por meio não de uma aula expositiva (definição, propriedades, exemplos, listas de exercícios), mas de atividades em que os alunos, partindo de uma situação-problema resolvem questões trabalhando individualmente ou em dupla, e no final, o professor faz com toda a classe o fechamento... Quando este [o professor] lhe diz que são eles que devem trabalhar, a primeira reação vem imediatamente, através de

questões do tipo: “não sei fazer”, “como começa?”, “a teoria não foi dada”, “você não vai explicar o enunciado?”, não entendi o que é para fazer”, e

assim por diante.

Essa ruptura mostra que embora a flexibilidade do contrato didático favoreça a autonomia discente, os alunos podem não responder a esse estímulo da forma esperada, ou seja, ao invés de aceitar o desafio, eles desistem da realização da atividade proposta.

Entre os efeitos do contrato didático, destaca-se o denominado “Topaze”. Segundo Almouloud (2000, p. 84), quando um aluno encontra uma dificuldade, esse efeito consiste, de uma maneira ou de outra, da ação do professor, em superá-la no lugar do aluno. Assim, a atenção quanto à adoção deste tipo de postura colabora para uma melhor qualidade do processo de mediação do professor.

Com o intuito de refletir sobre a relação professor e aluno no contexto da sala de aula, irá se tomar como referência os estudos de Brousseau sobre o chamado contrato didático.