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4. REFLEXÕES ACERCA DE ALGUMAS NOÇÕES DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA FRANCESA

4.2. Transposição Didática

Após as primeiras aulas de um professor, cada um de seus alunos tem uma opinião quanto ao seu fazer pedagógico, e esta geralmente é expressa em frases como as seguintes: “(nome do professor (a)) tanto sabe o conteúdo, como sabe passar” e “(nome do professor) sabe muito, mas não sabe ensinar”. Desse modo, a relação “saber um conteúdo” - “saber ensinar este conteúdo” é um dos aspectos que caracterizam um professor, e sobre isso D´Amore (2007, p. 227) afirma que uma coisa é saber uma noção outra é descrevê-la para outros.

Assim, elaborar uma maneira para abordar determinado conhecimento é uma das etapas a serem seguidas no planejamento de uma aula. Embora os livros didáticos apresentem um saber adaptado de literaturas científicas, e isso pode ser verificado tanto em seu texto principal como em seu manual pedagógico35, a partir da nítida diferença entre as linguagens utilizadas em livros e artigos científicos, geralmente o professor também faz suas adaptações ao conteúdo a ser abordado na aula que irá desenvolver.

Geralmente descontextualizado, o saber científico, no caso da matemática, produzidos pelos matemáticos profissionais 36 passa por uma série de alterações para ser utilizado no ambiente escolar. Estas são provenientes, pelo menos, de autores de livros e

35

Em alguns livros didáticos, em sua versão direcionada ao docente, esta parte também pode ser denominada “complementos para o professor”.

36

Estes se referem às pessoas que tratam apenas da chamada matemática pura, ou seja, estudam matemática sem importar-se com aspectos pedagógicos.

de professores, considerados por Chevallard como agentes da chamada noosfera, fontes de influências para a abordagem pedagógica (MACHADO, 1999).

Nessa perspectiva, a partir dos estudos de Yves Chevallard surge a noção de Transposição Didática, que segundo Pais (2001, p.17) está diretamente relacionada ao estudo das transformações por que passam os conteúdos da educação matemática. Convém ressaltar que o ato de transformar não se reduz a simplificar ou até mesmo reduzir o saber matemático para os alunos, pois a metodologia científica é essencialmente diferente da metodologia de ensino (MACHADO, 1999, p. 24).

Quanto ao conteúdo de matemática do ensino médio, essa tentativa de simplificação ou redução pode ser observada no ensino de:

 Conjuntos numéricos: quando apenas os números racionais são localizados na reta real, omitindo a discussão sobre o posicionamento de números irracionais, como , etc, possivelmente pelo fato destes apresentarem radicais com diferentes índices em sua composição, indicando a necessidade da utilização de conceitos relativos a radiciação, que costumam suscitar dificuldades de compreensão pelos alunos.

 Progressões: quando as situações propostas aos alunos sempre trazem a razão como um número natural induzindo os mesmos a pensarem que essa constante pertença apenas a esse conjunto.

Considerando a ideia de efetiva transformação, e não apenas de simplificação ou redução, Yves Chevallard compreendia uma clara diferença entre o que se produz nos espaços científicos e o que é ensinado nas escolas, definindo a noção de transposição didática da seguinte forma:

Um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar lugar entre os objetos do ensino. O trabalho que, de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino, é chamado de transposição didática. (CHEVALLARD, 1991, apud, PAIS, 2001, p.19)

O conteúdo do conhecimento citado por Chevallard se refere ao saber sábio ou saber científico, ou ainda saber matemático (quando a transposição se dá na área de conhecimentos da matemática) correspondente ao saber proveniente de estudos científicos, logo está mais próximo do saber acadêmico produzido nas universidades e institutos de pesquisas. (MACHADO, 1999, p.21)

O saber a ensinar se refere aos saberes que o professor acredita que deve ser ensinado em sala de aula, baseado nos livros didáticos publicados, recomendados por uma instituição de orientação educacional, no caso do Brasil, o MEC (Ministério da

Educação), ou ainda em documentos de orientação curricular, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN).

Após a identificação do que deve ser ensinado, inicia-se um conjunto de transformações desse saber para que se torne acessível à compreensão dos alunos. Nesse processo algumas modificações acabam por desvincular-se do objetivo de esclarecimento de conteúdos e passam a constituir um objeto de ensino em si mesmo (PAIS, 2001, p. 20), são as chamadas “criações didáticas”.

Os diagramas de Venn e os produtos notáveis são exemplos dessas criações. Na Geometria Analítica Plana podemos citar ainda a condição de alinhamento de três pontos no contexto da determinação da equação geral de uma reta, pois ao vincular esta condição à nulidade de uma matriz, cujos elementos são as coordenadas dos pontos em questão, resulta em uma abordagem com um evidente direcionamento algébrico, exacerbando os cálculos realizados, e assim tende a comprometer o entendimento da relação da reta com a equação que a representa.

Há ainda dois fatores importantes a serem levados em consideração na reflexão acerca da transposição didática, estes são o tempo de ensino e o tempo de aprendizagem. Segundo Almouloud (2000), o tempo de ensino (ou tempo didático) é o tempo definido pelo texto do saber a ensinar, isto é, o programa, pois existe por causa do programa e o tempo de aprendizagem é o ritmo de aprendizagem próprio a cada aprendiz.

Estes dois fatores contribuem para mostrar que, embora a experiência docente e os estudos teóricos e práticos que resultam na elaboração de noções, recursos didáticos ou metodologias de ensino possam favorecer a aprendizagem de um determinado conteúdo, a efetivação desse processo é interna, e consequentemente sem controle de qualquer professor envolvido.

Desse modo, a transposição didática de um saber deve ser realizada com o intuito de aumentar as possibilidades de compreensão do aluno, tendo como referência as orientações fornecidas nos materiais de apoio pedagógico de um modo geral, como também no próprio saber acumulado, advindos da formação inicial e/ou da prática adquirida ao longo do tempo de atuação docente, configurando assim a chamada vigilância didática (PAIS, 2001), estimulando assim a uma maior atenção de professores e pesquisadores em suas interpretações pedagógicas.