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Como outros neomarxistas, Althusser é bastante controverso. Caio Prado Jr.

(1971,p.73.), um marxista ortodoxo, considerou-o muito distante do marxismo e até das tradições materialistas. Em geral, é acusado de idealismo e estruturalismo, sendo incluído entre os que rejeitam uma interpretação humanista de Marx.

Althusser (1972) buscou desenvolver uma teoria que focalizasse a educação dentro de uma visão global do capitalismo. Sua pergunta básica foi: como as condições de produção se reproduzem? Toda formação social deve reproduzir as forças produtivas e as relações de produção existentes. Uma destas forças produtivas é a força de trabalho. Sua reprodução é assegurada pelos salários, mas, além da reprodução física, a força de trabalho precisa ser competente. Para isto as escolas se constituem nos lugares onde os juntos prendem conhecimentos e técnicas, bem como normas de comportamento. Estas normas são ensinadas conforme a classe social aluno se. pertencente à classe dominante, a escola o ensinará a manipular a ideologia; se pertencente à classe dominada, ser-lhe-á ensinada a submissão à ideologia.

Mas como estes processos se desenvolvem? Existe uma relação recíproca ente a superestrutura e a infraestrutura em que a primeira é relativamente autónoma. O Estado é

56 parte da superestrutura e se compõe:

1) dos aparelhos do Estado, a saber, a chefia de Estado, o governo e a administração pública;

2) dos "Aparelhos Repressivos do Estado" (polícia, tribunais, prisões, forças armadas), que são localizados em domínio público e exercem suas funções através da violência;

3) uma pluralidade de "Aparelhos Ideológicos do Estado", em parte situados em domínio público e que cumprem suas funções por meio da ideologia. Althusser incluiu entre os últimos as igrejas, as escolas públicas e particulares, a família, o aparato legal, o sistema político, os sindicatos, os meios de comunicação, a literatura, as artes e os esportes.

Qs "Aparelhos Ideológicos do Estado" são muito importantes^ porque inculcam a ideologia dominante desde o início da vida dos indivíduos por meios aparentemente não coercitivos. Além disso, a intermediação da ideologia dominante assegura a "harmonia" entre os "Aparelhos Repressivos do Estado" e os "Aparelhos Ideológicos do Estado", bem como entre cada um destes últimos. Em virtude desta importância estratégica, nenhuma classe pode garantir o poder do Estado sem exercer hegemonia por meio destes aparelhos.

No período pré-capitalista havia um aparelho ideológico dominante, a Igreja. Mais tarde, a burguesia instalou o aparelho educacional em posição dominante. A escolarização tem sido altamente influente porque é obrigatória por um longo período da vida. Porém, o mecanismo que produz o resultado vital para o capitalismo é uma ideologia que representa a escola como um ambiente neutro, isento de ideologia, ou seja, a escola inculca a ideologia como se não o fizesse.

Conforme vemos, a educação é concebida como um instrumento de reprodução do sistema capitalista. Em parte, numa perspectiva estruturalista, o pensamento de Althusser coincide sob este aspecto com o de Bourdieu e Passeron, que, entretanto, não são estruturalistas, embora alguns dos seus discípulos possam ter tomado caminhos diferentes. A escola tem um papel essencialmente passivo na sociedade. Althusser reconhece a relação recíproca entre a infraestrutura a superestrutura, porém sua tese não inclui nem mesmo a possibilidade aparente de que a escola contribua para transformar a infraestrutura.

Já ponto de vista constitui uma debilidade do seu trabalho, que corresponde à sua visão passiva e determinística do homem. Na perspectiva de Althusser, a História parece moldar as pessoas e grupos; mas quem é que faz a História senão pessoas e grupos?

57 4.4.4 A visão de Bourdieu e Passerom

Bourdieu e Passeron têm uma obra bastante variada sobre os meios pelos quais os fenómenos culturais e a educação formal reproduzem as características básicas da estrutura social e do sistema de poder.

Tem sido dada atenção especial a um fato já mencionado acima, quando tratamos das sociedades socialistas: a herança da cultura de geração a geração.

No entanto, o trabalho mais importante dos dois pesquisadores para a Sociologia da Educação é La Reproduction: Éléments pour une Théorie du Système d'Enseignement (1970). Um dos temas deste trabalho é o meio pelo qual o ensino superior transmite privilégios, aloca status e infunde respeito pelo status quo. Segundo os autores, numa sociedade estratificada, os grupos e classes dominantes controlam os significados culturais mais valorizados socialmente. Tais significados simbólicos medeiam as relações de poder entre grupos e classes.

Um dos mais importantes conceitos da obra de Bourdieu e Passeron é o de capital cultural, que se refere à competência cultural e linguística socialmente herdada sobretudo da família e que facilita o desempenho na escola. Este conceito é usado no sentido de bens económicos que são produzidos, distribuídos e consumidos pelos indivíduos. O capital cultural, obviamente, não é distribuído equitativamente entre os grupos e classes sociais, de tal modo que as possibilidades de sucesso na escola são também desiguais. O currículo, por meio de sua ênfase à abstração, ao formalismo, à palavra oral e escrita e a outros aspectos, limita as possibilidades dos estudantes. Aqueles que dispõem de uma grande quantidade de capital cultural são bem-sucedidos, enquanto os demais enfrentam barreiras, em virtude da descontinuidade entre_a_esçola_e_suas_origens_sociais. Ademais, existe uma auto seleção baseada nas aspirações — e que está relacionada às oportunidades objetivas —, de tal modo que parte dos estudantes pão consegue atingir os níveis mais altos de escolaridade.

Os autores concordam que o desempenho escolar está ligado à origens culturais, mas esses aproxima explicação baseada no simples determinismo de classe. Os efeitos das origens sociais variam conforme o nível de escolaridade, de tal forma que eles são mediados por um conjunto complexo de fatores. O resultado final, no entanto, é que a escolaridade se torna a

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base para uma mobilidade social limitada, que é um dos mais importantes pontos de apoio da meritocracia.

Não existe também um simples determinismo nas relações entre o sistema educacional e a estratificação social. Como o primeiro tem capacidade auto reprodutiva e interesse na proteção do valor de mercado do capital cultural, o sistema educacional mantém uma autonomia relativa.

Em consequência, ele pode resistir com êxito a reformas inconvenientes aos seus próprios interesses. Além disto (e em parte por isto), pode haver falta de sincronia entre o sistema educacional e as demandas do mercado de trabalho.

De acordo com este ponto de vista, pelo qual o capital cultural é similar a um bem económico, Bourdieu e Passeron estudaram as estratégias adotadas por diferentes classes na França desde a II Guerra Mundial:

1) a nova classe média, que tradicionalmente possui pouco capital cultural, está investindo muito da sua riqueza em educação e, por isso, demanda preparação profissional do sistema escolar;

2) a elite intelectual tradicional defende as artes liberais e se manifesta contra a orientação profissionalizante das universidades;

3) as frações dominantes da classe alta intensificam a acumulação de capital cultural (de que já são ricas), a fim de competirem com a nova classe média.

Como outros autores, Bourdieu e Passeron têm ampla orientação marxista, mas possuem também outras fontes teóricas, como Weber e o funcionalismo. O modelo de estratégias de classe para a reprodução do capital cultural e o investimento em educação está baseado na visão weberiana de estratificação social: esta é um continuo e não uma estrutura fraturada, onde classes dominante e dominada se opõem.

Esta parece ser uma abordagem teórica mais compatível com uma sociedade onde os estratos de assalariados são ricos em diferenças e onde as credenciais educacionais são importantes componentes do modelo de sucesso.

Os trabalhos de Bourdieu e Passeron buscam ser agudos, conforme mostra a sua análise das formas sutis de dissimulação da violência simbólica. Contudo, muitas de suas formulações carecem de base empírica, o que constitui uma séria fraqueza. Por outro lado, o modelo de reprodução não é adequadamente aberto à mudança.

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O que acontece à educação quando a sociedade muda? Quais são os papéis desempenhados pela educação na mudança social?

Como o sistema educacional muda? Ou ele se perpetua indefinidamente? Parece que os autores estão demasiadamente voltados para o sistema educacional francês, com sua tradição conservadora. Sua análise, todavia, precisaria ser fundamentada numa base empírica mais ampla, de modo que outras experiências fossem incluídas.

60 4.4.5 A abordagem sociológica de Gramsci

A importância da ideologia destaca o papel dos intelectuais, atores estratégicos da luta.

Aqui Gramsci também adotou um conceito diferente do de outros autores. Para Marx, o intelectual é alguém que em geral pertence à burguesia e é seu ideólogo. Para Mannheim (1941), os intelectuais constituem um grupo autónomo e independente. O teórico italiano recusa a distinção entre trabalhadores manuais e intelectuais. Para ele o intelectual é um criador, difusor e organizador, que tem habilidade política e organizadora. Cada classe cria organicamente seus intelectuais, que devem suscitar a tomada de consciência nos seus membros, tarefa que é hegemónica. Neste sentido, ministros, juízes, militares, técnicos e militantes de partidos políticos que tenham funções organizacionais (mesmo que sejam trabalhadores manuais) são intelectuais. Tal conceito distingue os intelectuais orgânicos dos tradicionais. Os últimos estão ligados às classes declinantes, ao passo que primeiros são criados pelas classes emergentes, no caso da visão de Gramsci, o proletariado. O Partido Comunista para ele, é o "intelectual coletivo", organizador da "reforma intelectual e moral"

que prepara o caminho para uma nova sociedade. Na qualidade de "dirigente coletivo", o Partido se opõe às massas, que, neste sentido, lhe são subordinadas, porém extrai delas a força para a sua ação educativa. Deste modo, o Partido é educador e seus membros são todos intelectuais.

Embora devamos ter sempre em mente que o autor escrevia sob censura, o seu conceito de educação era muito mais amplo que o de escolarização. A educação política era considerada importante, mas não parece que seu locus por excelência fosse a escola.

Ao contrário, Gramsci não imaginou uma escola radicalmente diversa da instituição escolar italiana do seu tempo. Parece que ele concebeu a escolarização para crianças como um agente de continuidade histórica, capaz de desenvolver a base para a educação política.

Em seu apreço pela cultura humanística, o escritor entendia que o papel do marxismo é elevar as massas à alta cultura. São alheias ao seu pensamento as noções de cultura da classe operária e de códigos linguísticos de classe média ou trabalhadora. Em sua concepção, a subcultura da criança é uma ponte para a cultura. O aluno precisa aprender a linguagem culta para ter acesso às grandes culturas e maior intuição do mundo.

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O ensino dos conteúdos é indispensável, uma vez que a relação instrução-educação só pode ser representada pelo "trabalho vivo do professor, na medida em que o mestre é consciente de sua tarefa, que consiste em acelerar e disciplinar a formação da criança ..."

(Gramsci, 1979, p. 131).

A escola é em si mesma trabalha em adquirir conhecimentos, habilidades e hábitos estabelecidos, que exige rigor, ênfase às notas e disciplina coercitiva. "Um estudioso de quarenta anos", pergunta, "seria capaz de passar dezesseis horas seguidas numa mesa de trabalho se, desde menino, não tivesse assumido, por meio da coação mecânica, os hábitos psicofísicos apropriados?" (Gramsci, 1979, p.133).

Neste sentido, como observa Entwistle (1924), o autor em tela provavelmente seria crítico da integração educação-trabalho, nos termos da já aludida educação politécnica, pois era cético quanto ao valor do trabalho manual como meio de assegurar a solidariedade com os trabalhadores. Da mesma forma, nota Entwistle, nada há de surpreendente no fato de Gramsci valorizar a cultura clássica. Neste ponto ele alinha com o marxismo clássico, uma vez que o desprezo a toda a cultura pré-revolucionária como "burguesa" é um desenvolvimento posterior do marxismo.

Appartheid na África do Sul. Criou-se também um contraponto a um mundo unipolar, centrado nos EUA, com o alargamento da União Europeia e a criação e o fortalecimento do euro. No entanto, por outro lado, as desigualdades intra e interpaíses parecem aumentar, ao mesmo tempo em que os atentados terroristas nos EUA em 11 de setembro de 2001 marcaram um divisor de águas (triste inauguração histórica do século XXI), colocando em pauta as múltiplas correntezas em choque no oceano da globalização. Igualmente, destacam as questões da matriz energética e dos futuros pico e declínio da produção de petróleo, sobre a qual estão assentadas a sociedade capitalista de consumo e a própria civilização ocidental.

Neste cenário, novamente o paradigma do conflito perdeu força (haveria um movimento pendular?), especialmente com a crise do marxismo e do neomarxismo. Voltou à tona a importância económica da educação, tendo em vista suas ligações com a produção, a tecnologia e, por conseguinte, com as próprias perspectivas de competitividade e prosperidade de cada país, mas sempre tendo em vista a globalização da economia.

Diversos autores aprofundaram a complexidade das contradições e mediações, com base nas teorias sociais modernas e em coerência com a fundamentação dialética. Por outro

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lado, desenvolveram-se posições ligadas mais ou menos diretamente à emergência da Nova Direita, sobretudo no campo da economia da educação. Por fim, a educação recepcionou as formulações a respeito da crise da modernidade e do encerramento desta, com a inauguração da pós-modernidade.

Nos dois casos fica claro que as sociedades ocidentais e as ciências sociais enfrentam desafios quanto às suas raízes. A pós-modernidade, que examinaremos adiante, veio abalar as próprias bases destas ciências, negando as concepções amplas e totalizantes da sociedade, como as de Smith, Hegel, Comte e Marx. Com isso, dispersaram-se as perspectivas e se relativizou o conhecimento, com implicações favoráveis tanto ao chamado neoconservadorismo quanto às posições denominadas progressistas em educação. Deste modo, de certa forma se esmaeceram diferenças entre os paradigmas do consenso e do conflito, que já não faziam tanto sentido, como ocorria no mundo bipolarizado pela guerra fria. Pontos de convergência se estabeleceram, apesar de se manterem a distância entre as raízes teóricas e a as fronteiras entre grupos que, de uma forma ou de outra, se ligam à esquerda e direita políticas, assumindo variados contornos, conforme o contexto sociopolítico.

Esta discussão e a resenha dos paradigmas do consenso e do conflito se desenrolarão ao longo do presente capítulo. Tal resenha é extremamente útil, para que os estudos de educação se baseiem em perspectivas teóricas claramente delineadas, o que nem sempre ocorre. E importante, também, para que se forme uma consciência crítica, capaz de identificar as vantagens e limitações inerentes aos diferentes enfoques teóricos.

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