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Sociólogos funcionalistas têm-se preocupado largamente com a educação. Grande quantidade de estudos realizados nos últimos 50 tem o funcionalismo como base teórica. Este interesse não chega a surpreender: o funcionalismo enfatiza a integração social e a educação é um dos subsistemas integradores, responsável pela

socialização.

Sociólogos funcionalistas têm-se preocupado largamente com a educação. Grande quantidade de estudos realizados nos últimos 50 anos tem o funcionalismo como base teórica. Este interesse não chega a surpreender: o funcionalismo enfatiza a integração social e a educação é um dos subsistemas integradores, responsável pela socialização.

De acordo com o ponto de vista durkheimiano, mesmo numa sociedade sem classes haveria diversidade ocupacional, pois persiste a divisão do trabalho. Deste modo, tal diversidade ocupacional resultaria em diversidade educacional, embora não mais repousasse sobre desigualdades injustas. Esta colocação aproxima de Durkheim a teoria funcionalista da estratificação social de Davis e Moore. Como vimos, segundo estes autores, a diversificação de papéis, a escassez e abundância de pessoal para preenchê-los, entre outros fatores, conduz à diversidade de recompensas e, por conseguinte, de preparação para o desempenho daqueles papéis.

Outros aspectos aparecem ainda, nos dias de hoje, como limitações à definição durkheimiana de educação. Primeiro, ela reduz o processo educacional à ação de uma geração

"madura" sobre uma geração "imatura" para a vida social. É extremamente difícil distinguir maturidade e imaturidade quando, ao longo de sua vida, o indivíduo deve socializar-se para o

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desempenho de muitos papéis. A educação, como se sabe, expandiu-se e vai muito além da infância e adolescência.

Segundo, ela vê o processo como unilateral. Na verdade, as gerações interagem e entram em conflito, de modo que a influência é recíproca.

Terceiro, a definição é em grande parte determinista e atribui um papel passivo ao

"educando". A criança estaria "naturalmente" em estado de passividade, como o hipnotizado se acha "artificialmente colocado" (Durkheim, 2007, p.30). Consoante suas outras obras, Durkheim vê os fatos sociais como coisas — não são extensões da individualidade, mas são reais e distintos como fatos físicos. Uma vez que grupos e comunidades são formados, uma vez que costumes, tradições e códigos passam a influenciar, educar e socializar os indivíduos, surge uma esfera de dados tão evidente e real como a que se encontra no interior das pessoas.

Assim, os fatos sociais caracterizam-se por serem exteriores ao indivíduo, atuam de fora para dentro, geram sanções e muitas vezes preexistem ao indivíduo. É o que ocorre, por exemplo, com o uso de determinadas roupas em nossa sociedade. O indivíduo já encontra as normas estabelecidas quando nasce. Tais normas se lhe impõem e, quando o indivíduo busca desviar-se das mesmas, enfrenta a punição da sociedade sob formas variadas, desde o desprezo e a exclusão do grupo, se não usa as roupas compatíveis com o seu status, até o processo criminal, se o seu comportamento não é adequado às regras de moralidade.

Esta caracterização do fato social foi de certa forma útil para caracterizar o objeto da Sociologia em tempos pioneiros. A forma pela qual Durkheim vê a educação é também útil no sentido de desvelar a sua coercitividade e exterioridade. Porém, a ênfase a estes aspectos da realidade social não pode esconder ou obscurecer o papel do indivíduo e sua vontade, que também têm existência concreta. Concepções pedagógicas que consideram o educando um elemento passivo falham exatamente porque a atividade dos educandos faz com que o processo educacional e os seus resultados se desviem do que tais concepções pedagógicas, baseadas em falsos pressupostos, esperam.

Como consequência desta caracterização de educação, a autoridade do professor é o eixo da pedagogia durkheimiana (Durkheim, 2007). O professor representa a sociedade e tem o direito legítimo de suscitar aqueles "estados físicos, intelectuais e morais", requeridos pela vida social. A sociedade é o fim e a fonte da moralidade. Uma ação é moral se é social ou impessoal, se é motivada por sentimentos altruísticos e se é socialmente prescrita e/ou em

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acordo com ideais e valores sociais. Portanto, não existe moralidade fora de um contexto social, e a moralidade é a grande força coesiva da sociedade.

A função básica da educação é justamente a de transmitir os valores morais. O professor exerce o seu poder em nome da sociedade instituída.

Críticos afirmam que Durkheim fez uma confusão entre o fato social da solidariedade e o princípio da obrigação moral e entre a coerção social e as normas morais. Assim, Durkheim, que é tão cuidadoso em analisar a educação ontologicamente, como cientista, ao abordar a educação moral não deixa clara a fronteira entre o ontológico e o deontológico, ou seja, entre o que é e o que deve ser.

Ademais, ao situar educação como a forma pela qual se exerce a coerção social sobre as novas gerações e legitimando a priori esta coerção como positiva, Durkheim não coloca em questão as finalidades e métodos da coerção social.

O poder do professor, exercido em nome da sociedade, é consagrado como um poder racional, porque representa a Razão encarnada pela sociedade, segundo a concepção da modernidade, com raízes no Iluminismo e na Ilustração.

Com efeito, ao situar sua sociologia no paradigma do consenso, Durkheim viu unidade onde existe diversidade. A sociedade mais parece um bloco indiferenciado, um mar calmo e liso. No entanto, diversos valores e normas sociais, frequentemente opostos, possuem graus e formas diferentes de legitimidade.

A autoridade do professor é, na verdade, questionada com base em variados valores. E pouco consenso existe quanto aos fins da educação, quer entre profissionais, quer entre leigos.

Assim, Durkheim, embora tenha revelado aspectos importantes, simplificou a realidade.

Outro tema importante, explicitado pelo autor em Evolution Pédagogique en France (1969), é o das relações entre mudança social e mudança educacional. Nesta obra, relativamente pouco conhecida, ele situou o conteúdo da educação francesa — a transmissão e avaliação do conhecimento — no seu contexto histórico-social, desde a "Igreja primitiva" à Terceira República. O método utilizado é o histórico e sociológico.

Em vez de expor sucessivas práticas, doutrinas e instituições educacionais, Durkheim, por meio de rico material, procurou explicar por que determinadas ideias, práticas e instituições surgem e desaparecem. Suas explicações dão relevo a diferentes fatores, não caindo na unicausalidade. A partir das explicações alcançadas, o autor procurou fazer

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generalizações e discutir as perspectivas do seu tempo para a escola secundária na França. O seu método, embora às vezes mecanicista e cm, entrelaça admiravelmente os níveis micro e macro da análise sociológica, abrindo interessantes perspectivas para a Sociologia da Educação.

Entretanto, se Durkheim pudesse ver os acontecimentos ao longo do século XX, constataria que as sociedades estão mais unidas por mecanismos impessoais que pelo sistema normativo comum.

Como assinala Martuccelli (2000), a integração da sociedade já não se baseia tão consensualmente na integração social. Porém, apesar das mudanças e do declínio da escola republicana francesa é possível que nunca, como hoje, o futuro da nação dependa tanto da manutenção de um modelo cultural por meio do sistema educacional.

Tão importantes quanto o método, elogiado por críticos, são as conclusões do autor.

Ao passo que em Educação e Sociologia, ele parece reconhecer apenas uma rua de mão única entre a mudança educacional e social, aqui Durkheim identifica algumas relações bilaterais.

Fica claro que não se pode entender o conteúdo e os métodos da educação sem o contexto social. Entretanto, fica também claro que a mudança educacional tem relativo impacto sobre a sociedade.

Os exemplos oferecidos são de natureza diferente da até certo ponto ingénua crença de que a educação moral pode transformar a sociedade (Durkheim, 2007).

Como podemos observar, a obra de Durkheim não tem para a atualidade simples valor histórico, como importante ponto de partida para o estudo, sociológico da educação. Embora limitada por uma série de razões, algumas das quais vimos acima, ela continua sendo importante fonte de inspiração para o funcionalismo.

Mais do que isto, porém, a obra de Durkheim possui tão amplo escopo que autores de tendências diversas nela têm encontrado inspiração. Bourdieu, em seus estudos que abordam as relações entre educação e estrutura social, se inspirou em Durkheim.

O mesmo ocorreu com Bernstein e seus trabalhos sobre a cultura da escola e códigos linguísticos. Isto ocorre em parte porque Durkheim, considerando o fato social como externo e coercitivo e, ainda, analisando historicamente as relações entre educação e sociedade, abriu caminho para uma sociologia do conflito em educação.

46 4.3.3. A contribuição de Durkheim

Durkheim (1858-1917), um dos pioneiros da Sociologia, é o mais importante precursor do moderno funcionalismo. Positivista, influenciado por Comte, sua obra contribuiu decisivamente para o moderno funcionalismo através do seu impacto sobre Radcliffe Brown e Malinowski.

Como professor e pesquisador, Durkheim viu na educação o meio pelo qual a sociedade se perpetua. A educação, segundo ele, transmite_ valores morais que integram a sociedade. Por isto, a mudança educacional é não só um importante reflexo das mudanças sociais e culturais, mas também um agente ativo de mudanças da sociedade envolvente.

Deste modo, os educadores, particularmente ao nível do ensino fundamental, poderiam provocar mudanças na educação e, por consequência, na sociedade (Durkheim, 2007). No contexto da França do seu tempo, a preocupação de Durkheim estava voltada paia as transformações provocadas pela Revolução Industrial, que ele chamou de "desintegração moral".

As escolas poderiam ter um ativo papel na reorganização da sociedade. Não é de admirar, portanto, que a análise da educação fosse parte importante de sua teoria geral da sociedade.

Com efeito, Durkheim e outros autores consideravam que as sociedades nacionais eram unidas por uma cultura comum, em que a escola tinha um papel axial, transmitindo uma língua e um conjunto de valores patrióticos.

Parte considerável da contribuição de Durkheim para a Sociologia da Educação é o seu próprio trabalho pioneiro de definir o processo educacional. Ele analisou várias definições anteriores, todas vagas e preocupadas em descrever o que a educação deve ser, não o que a educação é. Durkheim (2007) passou, então, dos aspectos deontológicos para os ontológicos e considerou a educação como "a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem como objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine".

A definição de Durkheim apresenta grandes vantagens como ponto de partida e várias debilidades facilmente identificáveis nos dias de hoje. O sociólogo francês clarifica as relações entre educação e sociedade, mostrando que a primeira se insere no tempo e no

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espaço. Não tem sentido a concepção ingénua — ainda hoje existente — de que a educação pode ser modelada quase à vontade dos seus reformadores. Durkheim apresenta vários exemplos históricos e mostra que a educação é estruturada de modo a assegurar a sobrevivência da sociedade a que serve. O autor destaca também as funções uniformizadora e diferenciadora da educação: de um lado, ela visa à integração do indivíduo no contexto da sociedade, transmitindo valores e desenvolvendo atitudes comuns; de outro lado, a educação diferencia, respondendo à divisão social do trabalho e reforçando-a.

Esta análise revela o grande valor de uma abordagem precursora do moderno funcionalismo. Durkheim opõe-se à simples descrição da forma manifesta de um fenómeno social. Ele busca a função do fato social, que é encontrada em sua relação com algum objetivo da sociedade. Além disto, busca inserir o fato social na estrutura da sociedade. Graças a esta abordagem, o autor transcende as análises do seu tempo e revela a educação no contexto da sociedade.

Todavia, como ocorre com todos os enfoques, há vantagens e limitações. Como sociólogo do consenso, Durkheim não considera as contradições entre as demandas da

"sociedade política" como um todo e as do "meio especial" a que o educando se destina. Não aborda as implicações de a sociedade ser composta de grupos em conflito, com diferentes graus de poder. Não há também um exame acurado sobre o que representam os "estados requeridos pela sociedade política" como um todo, se são realmente requeridos pela sociedade ou por determinados grupos que dominam a sociedade.

De acordo com o ponto de vista durkheimiano, mesmo numa sociedade sem classes haveria diversidade ocupacional, pois persiste a divisão do trabalho. Deste modo, tal diversidade ocupacional resultaria em diversidade educacional, embora não mais repousasse sobre desigualdades injustas. Esta colocação aproxima de Durkheim a teoria funcionalista da estratificação social de Davis e Moore. Como vimos, segundo estes autores, a diversificação de papéis, a escassez e abundância de pessoal para preenchê-los, entre outros fatores, conduz à diversidade de recompensas e, por conseguinte, de preparação para o desempenho daqueles papéis.

Outros aspectos aparecem ainda, nos dias de hoje, como limitações à definição durkheimiana de educação. Primeiro, ela reduz o processo educacional à ação de uma geração

"madura" sobre uma geração "imatura" para a vida social. É extremamente difícil distinguir

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maturidade e imaturidade quando, ao longo de sua vida, o indivíduo deve socializar-se para o desempenho de muitos papéis. A educação, como se sabe, expandiu-se e vai muito além da infância e adolescência.

Segundo, ela vê o processo como unilateral. Na verdade, as gerações interagem e entram em conflito, de modo que a influência é recíproca. Terceiro, a definição é em grande parte determinista e atribui um papel passivo ao "educando". A criança estaria "naturalmente"

em estado de passividade, como o hipnotizado se acha "artificialmente colocado" (Durkheim, 2007, p.:30).

Consoante suas outras obras, Durkheim vê os fatos sociais como coisas — não são extensões da individualidade, mas são reais e distintos como fatos físicos. Uma vez que grupos e comunidades são formados, uma vez que costumes, tradições e códigos passam a influenciar, educar e socializar os indivíduos, surge uma esfera de dados tão evidente e real como a que se encontra no interior das pessoas. Assim, os fatos sociais caracterizam-se por serem exteriores ao indivíduo, atuam de fora para dentro, geram sanções e muitas vezes preexistem ao indivíduo. É o que ocorre, por exemplo, com o uso de determinadas roupas em nossa sociedade.

O indivíduo já encontra as normas estabelecidas quando nasce. Tais normas se lhe impõem e, quando o indivíduo busca desviar-se das mesmas, enfrenta a punição da sociedade sob formas variadas, desde o desprezo e a exclusão do grupo, se não usa as roupas compatíveis com o seu status, até o processo criminal, se o seu comportamento não é adequado às regras de moralidade.

Esta caracterização do fato social foi de certa forma útil para caracterizar o objeto da Sociologia em tempos pioneiros. A forma pela qual Durkheim vê a educação é também útil no sentido de desvelar a sua coercitividade e exterioridade. Porém, a ênfase a estes aspectos da realidade social não pode esconder ou obscurecer o papel do indivíduo e sua vontade, que também têm existência concreta. Concepções pedagógicas que consideram o educando um elemento passivo falham exatamente porque a atividade dos educandos faz com que o processo educacional e os seus resultados se desviem do que tais concepções pedagógicas, baseadas em falsos pressupostos, esperam.

Como consequência desta caracterização de educação, a autoridade do professor é o eixo da pedagogia durkheimiana (Durkheim, 2007). O professor representa a sociedade e tem

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o direito legítimo de suscitar aqueles "estados físicos, intelectuais e morais", requeridos pela vida social. A sociedade é o fim e a fonte da moralidade. Uma ação é moral se é social ou impessoal, se é motivada por sentimentos altruísticos e se é socialmente prescrita e/ou em acordo com ideais e valores sociais. Portanto, não existe moralidade fora de um contexto social, e a moralidade é a grande força coesiva da sociedade. A função básica da educação é justamente a de transmitir os valores morais. O professor exerce o seu poder em nome da sociedade instituída.

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