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Contribuição para o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional –

O art. 215 da Constituição Federal estabelece que “o Estado garantirá a todos o pleno

exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a

valorização e a difusão das manifestações culturais.” Para cumprir a norma programática supra

referida, a União, por meio da Medida Provisória nº 2.228-1, de 06 de setembro de 2001,

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alterada pela Lei nº 10.454, de 13 de maio de 1992, criou a Contribuição para o

Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), tendo como fato gerador

a veiculação, produção, o licenciamento e a distribuição de obras cinematográficas e

videofonográficas com fins comerciais; o pagamento, o crédito, o emprego, a remessa ou a

entrega, aos produtores, distribuidores ou intermediários no exterior, de importâncias relativas a

rendimento decorrente da exploração de obras cinematográficas e videográficas ou por sua

aquisição ou importação a preço fixo (art. 32). A lei sob referência, criou uma agência

reguladora (art. 5º), Agência Nacional de Cinema (Ancine), a qual compete fomentar, regular e

fiscalizar o setor econômico cinematográfico

371 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 339.

372 Veja-se o entendimento do STF: Recurso Extraordinário nº 198.554-2, rel. Min. Carlos Velloso, j. 18.09.1997. “Constitucional. Contribuição. IBC. Café. Exportação. Cota de contribuição ao Instituto Brasileiro de Café – IBC – Decreto-lei n. 2.295, de 21.11.86, arts. 3º e 4º. CF, 1967, art. 21, § 2º, I. CF 1988, art. 149. I – Não recepção, pela CF/88, da cota de contribuição nas exportações de café, dado que a CF/88 sujeitou as contribuições de intervenção à lei complementar do art. 146, III, aos princípios da legalidade (art. 150, I), da irretroatividade (art. 150, III, a) e da anterioridade (art. 150, III, b). No caso, interessa afirmar que a delegação inscrita no art. 4º do DL 2.295/86 não é admitida pela CF/88, art. 150, I, ex vi do disposto nos arts. 25, I e 34, § 5º, do ADCT/88. RE não conhecido.” 373 Essa Medida Provisória teve a sua vigência prorrogada por tempo indeterminado pela Emenda Constitucional nº 32/2001.

Como se vê,

para implementar uma finalidade posta na Constituição Federal (incentivar as manifestações culturais), a União interviu em determinado setor da atividade econômica (indústria cinematográfica), para fomentar o seu desenvolvimento. A hipótese, portanto, nessa situação, é de intervenção indireta, por meio da técnica do incentivo.374

O primeiro vício de inconstitucionalidade da contribuição em estudo é de natureza

formal. Sem embargo de opiniões contrárias, entendemos incabível a adoção de Medida

Provisória para instituir contribuição de intervenção no domínio econômico destinada a

implementar a política de desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional. É que, nessa

hipótese, estão ausentes os requisitos autorizativos

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para a adoção desse instrumento

normativo, arrolados no art. 62, caput, da Constituição Federal.

No entanto, outros vícios de inconstitucionalidade podem ser detectados: (i) a Ancine foi

criada como agência regulatória

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– e não meramente executiva – sem respaldo na

Constituição; (ii) a agência em questão não se restringe a executar as metas definidas pelo Poder

Executivo, adentrando em questões que não lhe competem, em exercício irregular de atividade

regulatória, reservada, pela Constituição, exclusivamente ao setor de telecomunicações (Anatel)

e de petróleo (ANP). Assim, a destinação da Condecine encontra-se viciada, o que contamina a

exigência;

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e (iii) a destinação do produto da arrecadação é para atender a diversas finalidades

(custeio das atividades da Ancine, financiamento de atividades de fomento ao cinema e ao

374 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Contribuições de intervenção no domínio econômico, p. 118.

375 De fato, não há urgência nem relevância necessárias à edição de Medida Provisória. Esse é o entendimento de SOUZA, Fátima Fernandes R. de Souza; PAVAN, Cláudia Fonseca Morato. Contribuições de intervenção no domínio econômico, p. 129.

376 Essa conclusão é extraída do art. 7º da Medida Provisória nº 2.228-1, segundo o qual compete à Ancine: “regular, na forma da lei, as atividades de fomento e proteção à indústria cinematográfica e videofonográfica nacional” e, ainda, “estabelecer critérios para a aplicação de recursos de fomento e financiamento à indústria cinematográfica e videofonográfica nacional.”

377 Também, aqui não se pode deixar de registrar o entendimento de Paulo Roberto Lyrio Pimenta, para quem a Condecine é constitucional: “Confrontando-se os parâmetros constitucionais com o perfil da exação desenhada pelo documento normativo supracitado, evidencia-se que é constitucional a CIDE objeto de análise. Com efeito, trata-se de uma contribuição destinada ao custeio de uma atividade interventiva de incentivo a determinado setor econômico (indústria cinematográfica e videofonográfica), o qual auferirá as vantagens decorrentes da intervenção estatal. Os sujeitos alcançados com a atuação do Estado foram escolhidos como contribuintes, aos quais será destinado o produto da arrecadação do tributo. Estão preenchidos, portanto, os critérios da finalidade, razoabilidade, proporcionalidade (aspectos necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito), núcleo essencial do direito e o destino da arrecadação” (PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Contribuições de intervenção no domínio econômico, p. 119).

audiovisual desenvolvidas pelo ministério da Cultura, transferência ao Programa de Apoio ao

Desenvolvimento do Cinema Nacional – Prodecine).

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André Ramos Tavares adverte que

as agências reguladoras não podem ser „remuneradas‟ por contribuições de intervenção no domínio econômico. Não se passa de outra forma com a Agência Nacional do Cinema – Ancine (entre as suas funções, encontra-se a de regulação e fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica – art. 5º da Medida Provisória). Assim, é inconstitucional a instituição da Condecine para o custeio desta agência. 379

Ademais, as contribuições interventivas são tributos destinados a atender a uma

finalidade específica em razão de um benefício especial, assegurado a um determinado grupo

econômico. No caso da Condecine, se sua finalidade é estimular a indústria nacional

(representada por seus produtores), a contribuição não poderia ser exigida de outro grupo

(distribuidores estrangeiros), o que a torna inconstitucional, haja vista que tal exação é exigida

de grupo desvinculado do benefício gerado com a intervenção e que não é beneficiado com a

atuação do Estado.

Adequado para o desenvolvimento da indústria cinematográfica seria a concessão de

benefícios e/ou estímulos fiscais, mas não a instituição de contribuição de intervenção no

domínio econômico, sob pena de tornar-se determinante o planejamento apenas indicativo para

o setor privado.