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3.2 O Direito Constitucional Econômico

3.2.3 Da ordem econômica e social

A Constituição Federal de 1988, contrariamente às que lhe antecederam, distingue

ordem econômica e ordem social, tratando da primeira no Título VII e da segunda no Título

VIII. Todavia, ao englobar no Título da ordem econômica a política urbana, por exemplo,

afirma que ela tem “por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”, demonstrando, antes de tudo, o

entrelaçamento dos conceitos de econômico e social (art. 182).

Podemos distinguir, na própria Constituição Federal, o conceito de ordem econômica

como expressão do mundo do ser e do dever ser. No art. 170, caput, por exemplo, designa-se a

realidade do mundo do ser; no art. 173, § 5º, indica um dever ser.

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A distinção faz sentido na

medida em que se reconhece, no termo “ordem econômica”, diversas acepções possíveis: seja

como modo de ser de uma determinada economia concreta, seja como conjunto de normas de

regulação do comportamento dos grandes agentes econômicos, seja como ordem jurídica da

economia.

As nossas primeiras Constituições apenas recebiam a ordem econômica tal qual ela se

encontrava na realidade (mundo do ser),

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sem nela pretender intervir (mundo do dever ser).

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Essa é a principal diferença entre a ordem econômica clássica, na qual entendia Adam Smith

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89 Para esclarecimento e aprofundamento dessas distinções, vide GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 p. 56-58 e 76-78.

90 Vide, nesse sentido, Eros Roberto Grau, para quem: “Na Constituição de 1988, no art. 170, caput, tal qual ocorria em relação às Constituições de 34 e 46 e 67-69, „ordem econômica‟ designa realidade do mundo do ser; a carta de 1937 somente usa a expressão como título que engloba seus arts. 135 a 155. Em todas elas, de qualquer forma, no quanto a expressão apresenta alguma utilidade, só a apresenta na medida em que indica o local, na Constituição, no qual se irá encontrar disposições que - repito - no seu conjunto, institucionalizam a ordem econômica (mundo do ser).” (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988, p. 76-77).

91 Sobre o entendimento de que a ordem econômica (mundo do dever ser) não se esgota no nível constitucional, vide também Eros Roberto Grau: “Veja, por exemplo, na Constituição de 1988, entre outros, os preceitos inscritos no § 2º do art. 171, no § 4º do art. 173 e no art. 186. O elenco das disposições que preenchem totalmente a moldura da ordem econômica (mundo do dever ser) apenas estará completo quando, além de outras, tivermos sob consideração as leis – legislação infraconstitucional, portanto – que definem o tratamento preferencial a ser conferido à empresa brasileira de capital nacional, a repressão ao abuso do poder econômico, os critérios e graus de exigência que afetarão o atendimento de determinados requisitos, pela propriedade rural, a fim de que se tenha por cumprida sua função social (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 77).

92Nesse sentido, leciona Monica Herman Salem Caggiano: “Adam Smith (1723-1790) conquista a simpatia do período setecentista, direcionando as ideias econômicas para a tese da „mão invisível‟, conduzindo os indivíduos ao alcance de seus objetivos e que, afinal, apresenta-se útil ao interesse social, consubstanciando-se em instrumento de incentivo mais eficaz do que o incremento oriundo da promoção estatal. A teoria de Smith, desenvolvida no seu memorável „A riqueza das nações‟, escrito em 1776, configura a certidão de nascimento do liberalismo econômico e da drástica redução do papel do Estado, fazendo prevalecer o princípio da iniciativa privada como mola propulsora do desenvolvimento econômico” (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito público econômico, p. 3).

que uma mão invisível guiava o mercado (e nesse contexto era suficiente para o Estado que ele

se limitasse à defesa da concorrência), e a atual, expressa pelas normas constitucionais.

Atualmente, ao contrário da economia clássica e a partir de uma realidade econômica de

grande concentração empresarial, pode-se entender a regulamentação pelo Estado da atividade

econômica, na qual a livre iniciativa continua a ser o princípio fundamental da ordem

econômica, mas a economia passa a ser regulada por princípios constitucionais.

Além disso, na medida em que o Estado intervém sobre o domínio econômico, a

expressão “ordem econômica”

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passa a ter, também, um evidente sentido de transformação da

realidade, com o fim de atingir os objetivos pretendidos pelo legislador, que podem ser tanto de

incentivo à obtenção de um determinado comportamento quanto de coerção sobre o

comportamento adotado.

O conceito de domínio econômico, por sua vez, também não se confunde com o de

ordem econômica. Podemos afirmar, de acordo com Eros Roberto Grau, que o “domínio

econômico” é precisamente o campo da atividade econômica, em sentido estrito, constituindo

área alheia à esfera pública, de titularidade (domínio) do setor privado;

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já em sentido amplo,

significa qualquer atividade econômica, inclusive a estatal.

Finalmente, para Eros Roberto Grau, a ordem econômica na Constituição de 1988: (i)

consagra um regime de mercado organizado, entendido como aquele afetado pelos preceitos da

ordem pública clássica; (ii) opta pelo tipo liberal de processo econômico, que só admite a

intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer

interferências, quer do próprio Estado, quer do embate econômico, que podem levar à formação

de monopólios e ao abuso do poder econômico, visando ao aumento arbitrário dos lucros, com a

defesa da livre iniciativa; (iii) contempla a economia de mercado, distanciada, porém, do

93 Escreve Manoel Gonçalves Ferreira Filho sobre a finalidade da organização econômica: “É certo que toda organização econômica visa, em última análise, à satisfação das necessidades da comunidade. Entretanto, podem-se considerar sob a rubrica „finalidade‟, tomando o termo num sentido lato, tanto os objetivos que se propõe à economia, quanto ao valor atribuído aos móveis da conduta econômica humana. Com efeito, costumam ser impostos à economia objetivos como o poderio do Estado, o bem-estar dos indivíduos (que é mais do que a mera subsistência da comunidade) etc., consoante revela o estudo comparado das constituições econômicas. Por outro lado, encarando-se o móvel dos agentes econômicos, vários posicionamentos constitucionais podem ser distinguidos, como, aliás, na história se revelam. Um se caracteriza por privilegiar o lucro, visto como mola mestra da ação econômica, e, em consequência, pautar a conduta da sociedade no plano econômico enrichissezvous. Outro, oposto, proscreve o lucro, esperando que cada indivíduo dê de si segundo suas possibilidades ou capacidades, numa atitude altruísta. Esta visão idealista, claramente presente no mundo de hoje, ora deriva da religião (caso de algumas correntes cristãs), ora de ideologia leiga (conquanto de conotação milenarista, como o marxismo). Um terceiro, a procurar um meio termo, propõe que a busca do lucro seja tolerada, desde que compensada por uma redistribuição inspirada na justiça social.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito constitucional econômico, p. 12-13). 94 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 126.

modelo liberal puro e ajustada à ideologia neoliberal; e (iv) repudia o dirigismo, porém acolhe o

intervencionismo econômico, que não se faz contra o mercado, mas em seu favor. Para ele, a

Constituição é capitalista, mas a liberdade apenas é admitida enquanto exercida no interesse da

justiça social, conferindo prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais

valores da economia de mercado; ainda, o constituinte preferiu o modelo que conduz ao

dirigismo econômico.

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