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CAPÍTULO 6. CONTRIBUIÇÕES METODOLÓGICAS DO DIREITO À

6.2. Contribuições do Direito à Geoconservação

Dias & Ferreira (2018) conduziram recensão sobre o tratamento que a geodiversidade recebe na Grã-Bretanha, na Espanha, em Portugal e no Brasil. Ao se referirem a este país, consideram possível o desenvolvimento de iniciativas de conservação do geopatrimônio. Para elas, todavia, o direito brasileiro confere cuidado secundário à geodiversidade, pois ela não é referida em textos normativos de modo específico.

Tabela 6.1 – Proteção do geopatrimônio em diferentes países. Fonte: Dias & Ferreira (2018).

PAÍSES PRINCIPAIS LEIS DE PROTEÇÃO FORMA DE ABORDAGEM

Brasil

– Decreto-lei nº 25 de 1937: sobre Áreas de Tombamento

– Decreto Lei nº 4.146 de 1942: sobre proteção dos depósitos fossilíferos

– Lei nº 9.985 de 2000: SNUC, nas categorias: Parque Nacional, Monumento Natural, APA, ARIE, ReEx, Reserva Desenvolvimento Sustentável, RPPN

– Lei nº 12651 de 2012: sobre proteção das APPs

– Indireta: não são definidos os termos geodiversidade, patrimônio geológico ou geoconservação.

– Não há distinção clara entre geodiversidade e biodiversidade.

Grã- Bretanha

– Art. 28 do Wildlife and Countryside Act 1981: sobre a proteção dos SSSIs.

– Parte II do Planning Policy Statement 9: sobre os SSSIs.

– Countryside and Rights of Way Act 2000: sobre proteção dos sítios geológicos.

– Parte I do Planning Policy Statement 9: sobre as potenciais Áreas de Proteção Especial (SPAs).

– Direta: há diferenciação entre biodiversidade e geoconservação. – É prevista proteção específica para os sítios de interesse geológico.

Espanha

– Ley 5/2007: instaura a Rede de Parques Nacionais, podem ser criados a partir de uma amostra representativa da geodiversidade. – Ley 45/2007: LDSMR, sobre desenvolvimento sustentável em áreas rurais e prevê medidas de implantação do geoturismo.

– Ley 42/2007: LPNB traz definições específicas sobre a temática, prevê medidas de proteção e a implantação de inventário nacional.

– Direta: são definidos em lei os termos geodiversidade, geoconservação, patrimônio geológico, geoparques. – A lei difere geodiversidade de biodiversidade.

Portugal

– Decreto Lei nº 142 de 2008: prevê proteção das formações geológicas. Institui o SNAC, que contempla em todas as categorias as feições geológicas ou geossítios e sua proteção.

– Direta: há definições sobre geossítio, patrimônio geológico e a lei também faz menção aos geoparques.

– Não define geodiversidade ou geoconservação.

– Há separação entre elementos abióticos e biodiversidade.

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Afirmam que a legislação brasileira apresenta défices comparativamente às dos países europeus citados devido: (1) à ausência de tratamento específico, inclusive conceitual, para a geodiversidade na legislação, o que coloca a geoconservação em posição secundária ante ameaças de danos; (2) à não compulsoriedade da inventariação, classificação e valorização de espaços do geopatrimônio antes das discussões sobre medidas de salvaguarda. Advogam a revisão da legislação no Brasil, para que ela contemple diretamente a proteção de recursos abióticos, impulsione a criação de novos geoparques e transcenda a abordagem da geodiverdidade como mero substrato da diversidade biológica.

A instituição de regras específicas sobre a geodiversidade pode representar, sim, ganhos para a estruturação jurídica de projetos e iniciativas de geoconservação no Brasil e, antes, para conferir visibilidade ao tema da proteção do geopatrimônio. Entretanto, há que se cuidar para que tal instituição não conduza a mais um nível de dissociação no que atine aos dispositivos e às iniciativas concretas de conservação do patrimônio natural e cultural. O fato de a geodiversidade merecer proteção por seus atributos e valores não significa que ela deva ser concebida e tratada à parte, dissociada dos demais elementos e aspectos da paisagem. O direito brasileiro já contém ferramentas que, embora carentes de melhoramentos, potencializam abordagens holísticas da geodiversidade.

É em função de sua finalidade que um projeto, instrumento ou ação se classifica como de geoconservação. Assim, ao se investigar o direito brasileiro, encontram-se preceitos legais que objetivam a conservação do geopatrimônio. A começar pela CRFB, que reconheceu a Serra do Mar, entre outras regiões de notável valor natural e fisionômico, como patrimônio nacional, para fins de “preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais” (art. 225, §4º). Pela Constituição do Estado de Minas Gerais – CEMG, de 1989, foram tombados e monumentalizados os picos do Itabirito, Ibituruna e Itambé, as serras do Caraça, da Piedade, do Ibitipoca, Cabral e de São Domingos, no planalto de Poços de Caldas (Minas Gerais 1989). Adicionalmente, vários territórios sujeitos a proteção especial — as UC, Áreas de Preservação Permanente – APP e de reserva legal (Brasil 2012) —, podem funcionar como espaços de geoconservação. As APP, por exemplo, visam preservar recursos hídricos, paisagem e estabilidade geológica. Entre as UC, destaca-se o monumento natural, cujo objetivo é preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica (Brasil 2000).

Mesmo textos legais não afetos à geodiversidade como tal contêm fundamentos para protegê-la. Exemplo disso é Lei 8.171 (Brasil 1991), a qual preceitua que o solo — a pedodiversidade, subgrupo da geodiversidade (Silva et al. 2018) — deve ser respeitado como patrimônio natural (art. 102, caput). A lei também ordena que a erosão de solos deve ser combatida pelo poder público e pelos proprietários rurais (art. 102, parágrafo único).

Ademais, institutos jurídicos que têm lugar em ações de cuidado e promoção do patrimônio cultural são úteis à geoconservação (Ferreira 2016). O tombamento, por exemplo, pode servir à monumentalização de espaços ou paisagens especiais em termos geológicos e culturais (Alvarenga, Bernardo & Castro 2016).

No que atine à salvaguarda dos espaços da geodiversidade na Serra da Canastra, cabe ter em conta, à partida, que instrumentos da legislação ambiental podem ser manejados para protegê-los. Nesta linha de raciocínio, duas hipóteses devem ser consideradas:

(1) A se ter como objetivo a proteção pontual desses espaços, pode-se lançar mão de ferramentas de alcance geográfico tendencialmente pontual ou restrito, a exemplo do tombamento (Alvarenga, Bernardo & Castro 2016);

(2) A se objetivar, diferentemente, uma forma de conservação que integre tais espaços no amplo complexo geopaisagístico, faz-se pertinente o recurso a meios jurídicos com maior alcance geográfico, a partir da perspectiva integradora da paisagem (cf. cap. 3, 3.2).

Um diálogo entre Geoconservação e Direito pode ser fecundo ao se perspectivar a construção e implementação de métodos para a conservação do geopatrimônio e o geoturismo (Ruchkys et al. 2018). A legislação pode oferecer contributos à fundamentação e à modulação de projetos e programas de geoconservação, inclusivamente geoparques, no Brasil. Tais contributos são relevantes a se tomar como objetivo a realização, em territórios concretamente considerados, de funções, valores e significações culturais da geodiversidade (cf. cap. 2, 2.5). O uso sustentável do geopatrimônio demanda cuidados especiais em relação aos GeoPat. Deve-se garantir, por exemplo, que o turismo não coloque sob risco de perda elementos frágeis ou portáveis (portanto, passíveis de furtos) da geodiversidade. Diante disso, a geoconservação tem importância, observa Brilha (2016b), como “estratégia sistemática que

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inclui desde o inventário e avaliação dos elementos geológicos (senso lato), à sua protecção e gestão (quer sejam geossítios ou sítios de geodiversidade)”.

Daí a importância do direito: é por ele que se tornam exigíveis cuidados específicos, impostos como deveres e obrigações, em relação ao geopatrimônio. Propostas e iniciativas de geoturismo alcançarão menor grau de sustentabilidade se os lugares de interesse para esse fim estiverem desprovidos de proteção legal e institucional. Ao tratar dos geoparques, a Unesco (2015) recomenda, aliás, que eles respeitem leis ambientais locais, estaduais e nacionais. Para além disso, os espaços que condicionam um território a obter o label Geoparque Global Unesco devem (1) estar protegidos juridicamente antes do requerimento de designação e (2) ser geridos por instituição legitimada segundo a legislação nacional.

O conhecimento de programas internacionais de geoconservação releva à aplicação de iniciativas similares no Brasil. Todavia, isso não conduz à conclusão automática que esses programas devem ser transpostos para o território brasileiro. Antes, importa ter em conta as características naturais e culturais do contexto geológico-ambiental em que se pretende a geoconservação. Como se tem afirmado, esta tese visa à apresentação de contribuições à proteção do geopatrimônio da Serra da Canastra, percebida como complexo geopaisagístico contentor de atributos naturais e culturais em correlação inextricável. Passa-se à apresentação de possibilidades para a conservação integradora do geopatrimônio na Serra da Canastra, a partir da legislação brasileira.

Nesta linha de pensar, e a partir do quadro teórico assumido nesta tese (cf. cap. 2 e cap. 3), que afirma a pertinência de abordagens que integrem a conservação do geopatrimônio à de outros componentes do patrimônio natural e cultural, apresentam-se ferramentas, previstas na legislação ambiental brasileira e mineira, úteis a iniciativas de geoconservação na Serra da Canastra: o parque nacional; as Áreas Especiais e os Locais de Interesse Turístico; a paisagem cultural; a musealização de território. Complementarmente, aborda-se a Lei 14.007, de Minas Gerais (2001), que dedicou proteção especial ao trecho do Rio São Francisco que banha o território mineiro, patrimonializando-o.

Antes, faz-se necessário apresentar o conceito jurídico amplo de Espaços Territoriais Especialmente Protegidos – Etep, tema tratado a seguir.