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7 CARTOGRAFANDO OS ESPAÇOS DE MEETUP

9.1 Contribuições do estudo para as dimensões teórica e empírica

A contribuição dessa investigação para os estudos da aprendizagem baseada em práticas (EBP) vincula-se à articulação entre processos organizativos,

saberes em ato e meetups. As lentes escolhidas, os EBP, para analisar o fenômeno contribuem para os estudos sobre aprendizagem nas organizações por trazerem uma abordagem que diverge daquelas com viés gerencialista, comumente usadas nas pesquisas brasileiras. No decorrer do estudo, procurei me afastar das abordagens usualmente adotadas pelos pesquisadores: conteúdo (o que se aprende) e forma de aprendizagem (como se aprende). As discussões aqui desenvolvidas intencionaram evidenciar uma perspectiva reflexiva, observando a configuração do aprender e do fazer nas relações e nas práticas. A partir da característica efêmera de organizações como o meetup foi possível entender os conceitos de orgânico, comunidade e compartilhamento pelas tensões existentes entre os dizeres e fazeres dos atores. No entanto, esses elementos não são

suficientes para explicar como se configura a aprendizagem nos processos organizativos no contexto estudado. Os processos organizativos se estabelecem pela necessidade de reconhecimento e autopromoção perante ao grupo, e não pelo desejo de estar em comunidade, compartilhar experiências ou estabelecer novos modos de fazer as atividades

Para os estudos organizacionais e da aprendizagem, a compreensão de como acontecem o organizing e a formação dos saberes coletivos em realidades efêmeras mostrou-se uma contribuição significativa, na medida em que analisei a dinâmica relacional dos organizadores do meetup. Demonstrei como os grupos de organizadores constituem um coletivo vivo e dinâmico, (re)constituindo-se com a rapidez exigida pelos participantes, deixando emergir, a cada execução de um evento, uma nova dinâmica do organizar, do aprender e do saber.

Na dimensão empírica, ressalto a escolha de um campo ainda pouco explorado e que merece a atenção dos pesquisadores em estudos organizacionais, tanto por sua contemporaneidade quanto pela complexidade das relações ali estabelecidas, resultantes da dinamicidade e dos novos formatos de interação entre ambientes on-line e off-line ainda não totalmente compreendidos pelos usuários.

Os resultados obtidos revelam que os meetups contém potencial de transformação tanto do modo como as pessoas interagem entre si, no contexto digital, para criação de relações presenciais como nas possibilidades que o movimento proporciona para a consolidação dos profissionais no mercado de trabalho, focando principalmente a exposição e o reconhecimento dos organizadores perante pessoas com similares interesses profissionais.

Meu período em campo, frequentando os eventos dos meetups investigados – centrados em assuntos de tecnologia e produto –, confirmou a importância de tais comunidades ao apoiarem o desenvolvimento técnico dos participantes, por meio de grupos que defendem a responsabilidade compartilhada visando ao sucesso uns dos outros. O grande número de eventos realizados e a quantidade de pessoas presentes indicam o valor dado pelos participantes aos conteúdos abordados.

Essa tese contemplou três grupos de meetups, mas sua contribuição estende-se para o entendimento de relações entre os indivíduos em contexto digital e físico. Por mais que as ferramentas digitais sejam capazes de diminuir ou até mesmo eliminar as barreiras geográficas existentes e potencializar a comunicação

entre os participantes, a existência de contato físico ainda aparece como um elemento que enriquece as relações, mesmo que o contato humano seja superficial.

Como contribuição aos organizadores dos grupos pesquisados, ressalto que as relações investigadas nessa tese podem, na continuidade, ser mais exploradas em benefício de todos. Os membros do grupo de organização relacionam-se entre si e com os participantes, na medida em que são fundamentais para enriquecerem seu currículo profissional. As preocupações com o desenvolvimento da comunidade, que unem os organizadores, enraízam-se em relações orientadas para o mercado, conforme mostrou o estudo de Larissa Petrucci (2020) sobre grupos que abordam o tema inclusão de gênero.

As tensões evidenciadas entre dizeres e fazeres indicam a possibilidade de os organizadores investigarem, mais amplamente, os desafios da relação entre participantes e organizadores, a fim de proporem alternativas de interferências dos participantes nas práticas performadas, disponibilizando seus interesses e conhecimentos.

Se o objetivo desses grupos for tornar seus dizeres – de uma comunidade que fomenta e incentiva o desenvolvimento coletivo – em ações, esse estudo colabora com a identificação de pontos que demonstram as tensões existentes nas relações que se formam e abre caminhos de discussão entre os integrantes do

meetup.

No contexto metodológico, destaco o uso da cartografia como método para desvendar o fenômeno da pesquisa. A utilização da cartografia para compreensão da aprendizagem em meetups mostrou-se como uma trilha para percorrer o campo sem a obrigatoriedade de trajetória linear. A opção pela lente da cartografia levou- me, em alguns momentos, a sentir-me perdida, mas, em outros, direcionou minha atenção para as nuances que o campo revelava. Trabalhar com a cartografia significa poder utilizar as pistas como uma caixa de ferramentas, a serem empregadas conforme o campo demandar. A ‘atenção à espreita’ –flutuante, concentrada, aberta – direcionou minhas percepções em campo para as relações estabelecidas e para os sinais de processualidade, conferindo ao trabalho riqueza de detalhes e conexões.

Em meu papel de pesquisadora, considerei que toda a pesquisa cartográfica é intervenção, através do acompanhamento de todos os caminhos traçados em um plano em que a realidade toda se comunica (PASSOS; BARROS, 2009). Essa pista

conduziu-me a outra: o coletivo é composto pelo plano das formas – estabilizações – e pelo plano das forças – que leva à formação constante dos atores. Os planos que encontrei nessa pesquisa refletem os planos desse coletivo: a dimensão on-

line e a dimensão off-line. Embora distintas, elas são indissociáveis e traduzem a

dimensão relacional dos processos organizativos dos meetups.

Habitar um território através da cartografia representa uma mudança na forma de pesquisa, em que as etapas tradicionalmente organizadas sequencialmente – coleta, análise, discussão e escrita – não se separam e ocorrem conforme a dinâmica do pesquisar. A riqueza de detalhes e a dinâmica demonstradas pelos sujeitos pesquisados transformou a escrita deste texto em desafio, quando precisei estabilizar as realidades vividas em uma narrativa linear, lógica e descomplicada. Em consequência, trabalhei com o mapa cartográfico de forma a situar as diversas possibilidades de relações que, se referenciadas no texto com muita frequência, poderiam poluí-lo e causar confusão. Demonstrei, em meus relatos, as nuances do campo e os caminhos pelos quais me levou. Durante todo o percurso, mantive meu diário, nele anotando relatos, sentimentos e organizando fotos coletadas.

A dinamicidade do campo e as alternativas que a cartografia apresenta direcionaram meu olhar para além das estabilizações momentâneas e dos fazeres e dizeres – abordados como práticas – e o lançaram sobre as relações existentes entre os atores, por meio das quais observei práticas sendo vividas e redesenhadas, performadas através dos planos on-line e off-line. A constituição dos processos organizativos através das práticas expostas nessa investigação revelou os meetups como espaços de saberes coletivos, performados por meio das relações estabelecidas entre os atores em uma efêmera dimensão espaço – tempo.