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7 CARTOGRAFANDO OS ESPAÇOS DE MEETUP

7.1 Conexões do processo de organização do meetup na dimensão on-line e os

7.2.2 Nó reciprocidade: o impacto do organizar para si

Os motivadores expostos pelos organizadores, para a participação na organização dos meetups, fixam-se no mesmo propósito, amplamente debatido no nó anterior: fortalecer o conceito de comunidade. No entanto, pelas observações realizadas e por conversas mais profundas com os membros da organização, identifiquei que, na realidade, esses motivadores estão radicados na necessidade individual de cada um.

“O meetup acaba servindo pras pessoas conhecerem os organizadores, as pessoas acabam reconhecendo a gente no sentido de entender que a gente existe” (E05). O ambiente em que os meetups pesquisados encontram-se (tecnologia e negócios) valoriza, além da capacidade técnica, o quanto as pessoas são conhecidas no mercado de trabalho. A organização dos eventos é uma maneira de alguém iniciar uma carreira na área e tornar seu nome relevante no mercado, porém levando o propósito pelo qual as pessoas organizam os eventos a se distanciar daquele pelos quais as pessoas os frequentam e até mesmo do objetivo divulgado na plataforma do meetup.

Na minha vida profissional interfere muito no sentido de que há um reconhecimento pela devolução do que eu tô fazendo pra comunidade (...)

é um ganho pra mim em relação a estar perto das pessoas também que são especialistas em outros assuntos que não o meu, em relação a networking, isso me ajuda muito, porque há um reconhecimento por parte da empresa, o gerente que me recebeu agora semana retrasada, quando ele conversou comigo, ele falou ‘nossa, eu queria te parabenizar, tô muito feliz em ver o seu envolvimento na comunidade, isso é muito bom, porque a gente gosta de pessoas que compartilham conhecimento’. (E04)

Ninguém participa da organização de meetup por fundo cósmico, participam porque tem interesse, porque tá agregando valor pra ele de alguma forma. Então é normal, durante um período tem alguém que tá colocando o nome no mercado, ou porque ele chegou, ou porque tá se tornando uma referência, ou porque tá lançando um livro, é isso, então ele participa de um, dois, três ou quatro e depois some. (E07)

É claro que cada consultor ou profissional está se “vendendo” de alguma forma, isso chama-se networking (...). Participamos de uma comunidade de prática para aprender e ensinar, mas também para sermos vistos, entendidos em nosso potencial e valores para as outras pessoas, mercado, mundo. (Trecho de postagem no blog do fundados do TecnoTalks33)

Conquanto os participantes tenham motivadores para a realização dos

meetups e os organizadores revelem, em seus relatos, preocupação em propiciar

aprendizado para as pessoas que participam dos eventos, a motivação para participar da organização dos encontros é também focada na autopromoção. O interesse dos organizadores de se tornarem referência para os participantes dos eventos integra um discurso naturalizado que considera importante ‘ser visto e reconhecido por seus pares’.

Nas redes sociais utilizadas profissionalmente, como o LinkedIn, é comum haver postagens dos organizadores dos meetups, divulgando seus trabalhos de organização e os eventos realizados (Figura 29). Além das postagens difundindo o próprio trabalho de organização, são recorrentes situações em que um organizador compartilha a postagem de outro, com o intuito de fortalecer a divulgação (Figura 30).

Figura 29 - Divulgação de meetup realizado pelo organizador (01)

Figura 30 - Divulgação de meetup realizado pelo organizador (02)

Fonte: registro de campo (2019).

Além da divulgação dos eventos nas redes sociais, como forma de atrair mais seguidores e divulgar o trabalho realizado, estar imerso na organização do meetup contempla ações de divulgação do conteúdo por parte dos organizadores. A Figura 31, mostra uma pessoa usando a plataforma Medium34 para divulgar sua

experiência como organizadora. Especificamente neste caso, a demonstração da importância do meetup para a carreira profissional já está enfatizada no título.

34 Medium é uma mistura de blogs com rede social. Além de o usuário poder criar e publicar seus

conteúdos, ele pode interagir com outros autores, seguir canais, curtir conteúdos, recomendar leituras e compartilhar com sua rede. Qualquer pessoa ou empresa pode criar, gratuitamente, um perfil dentro da ‘rede social’ e começar a dar os primeiros passos.

Ela (organizadora do evento) também deu algumas dicas sobre como compartilhar as coisas (usar a plataforma Medium por exemplo). Segundo ela, sempre que alguém testar novos coisas no trabalho, deveria compartilhar no Medium para que outras pessoas tenham conhecimento e para que as pessoas que estão aplicando essas técnicas também sejam reconhecidas pela comunidade. (Diário de Campo, 19 de novembro de 2018)

Para o grupo de organizadores, a autopromoção no ambiente é tão importante que suas práticas e aprendizados voltam-se para os processos de organização em si, focando o desenvolvimento individual e ressaltando a ideia de que eles estão participando para fomentar o desenvolvimento da comunidade.

Ao voltar a atenção especialmente para os modos de organizar os eventos, observei que o organizar do meetup é um processo vivo, que vai se aprimorando ao longo do tempo. A estruturação e as modificações nos processos de organização são consideradas, pelos organizadores, um legado de sua participação.

Figura 31 - Postagem no Medium sobre organização de meetup

Fonte: registro de campo (2019).

A organização do meetup é compartilhada por várias pessoas, no entanto percebi que os processos centralizam-se em uma ou duas pessoas. Isso ocorre tanto quando os processos são ainda imaturos e exigem mais esforço para acontecerem, como quando um grupo menor de organizadores sente necessidade

de tornar-se como referência para os demais integrantes do grupo, reforçando as motivações pessoais para participar do trabalho organizativo.

Hoje ainda tô eu coordenando mais o grupo, não é algo que eu veja a longo prazo, mas como foi eu que trouxe, tenho os maiores contatos (...), algumas coisas acabam trazendo mais pra mim, até porque as meninas tem menos experiência em produto e eu tenho mais, mas mais por tempo assim. (E06)

O amadurecimento dos processos e a estruturação de controles (planilhas e

checklists) são vistos pelos organizadores não como burocratização, mas como

facilitadores do trabalho periférico, deixando-os livres para se concentrarem no trabalho que gera mais resultado tanto intrínseco quanto para o grupo. Nas entrevistas, a padronização de materiais e de checklists não é considerada um entrave para continuar denominando orgânica a forma de organizar. Mesmo que os processos evoluam e transformem-se em práticas reconhecidas pelo grupo, os organizadores assumem a perspectiva de ser isto necessário e natural para a evolução do grupo, sem que ele perca sua essência caracterizada por atividades compartilhadas e sem hierarquia.

Com processos mais estruturados e melhor divulgados, a atenção dos organizadores pode voltar-se para etapas mais recompensadoras no que tange ao reconhecimento de si no ambiente profissional.

Que nem agora, eu tô aqui muito falando contigo pra representar esse

meetup né, é um tempo que eu tô investindo pra compartilhar contigo como

é que tá acontecendo. Pra mim é um ganho, porque tu tá fazendo um doutorado, e tu vai publicar alguma coisa que pode ser que influencie pra mim no meu meio de conhecimento sobre meetup, entendeu? É uma troca que tá acontecendo. (E04)

Entrou uma pessoa nova no meetup, e ela achou que ela era a pessoa responsável por entrar em contato com os participantes, e nunca alinhava isso com as pessoas, não seguia o processo e saia conversando com todo mundo, tipo, tava fazendo seu próprio networking. (E02)

Percebi que, conforme os atores organizadores vão se transformando em referência no processo organizativo do grupo, algumas atividades vão ficando menos atrativas. “Eu não gostava de uma parte de ficar mandando e-mail automático pras pessoas (...) até eu nunca me candidatava pra fazer isso, sempre deixava pra alguém fazer, preferia fazer as outras coisas” (E03). A característica dinâmica de execução dos processos organizativos, motivada pelo organizar para si, coloca um elemento a mais na efemeridade do processo, retomando a discussão do Nó dinamicidade: o meetup é um espaço efêmero (seção 7.1.1). Cada etapa faz parte do ciclo de vida das pessoas que se tornam organizadoras do grupo de

meetup e o processo de organização, apesar de ter etapas estruturadas, reflete o

momento de vida de cada organizador.

Em campo, notei o esforço dos organizadores em estruturar os processos e adaptar-se rapidamente para atender novas necessidades dos participantes. No entanto, esses movimentos ainda são estimulados pela necessidade de os organizadores manterem-se ou tornarem-se referência para o grupo e pela percepção de mudança baseada nos feedbacks informais dos participantes.

A necessidade de criar uma identidade, no ambiente profissional frequentado, é um motivador que se destaca, porém, nas falas, ele é mascarado por motivadores secundários, relacionados à sobrevivência e à função do grupo na sociedade. “É o sentimento que eu tenho de tá contribuindo pra comunidade, devolvendo o que já fizeram por mim, de já terem me oferecido tantos meetups, que eu pude conhecer assuntos diferentes, me interessar sobre coisas diferentes” (E04). A constatação de que os motivadores reais do processo de organização dos

meetups localizam-se no organizar para si não diminui a importância dos eventos

para os participantes, pois eles estimulam novos conhecimentos e networking, como explicitei no Nó compartilhamento: o que, afinal, compartilhamos? (seção 7.2.1). A discussão, que inicio e aprofundo nos capítulos subsequentes, centra-se em: como os comportamentos de participantes e organizadores são impactados pelas necessidades do grupo e como são modelados de acordo com a dimensão em que estão inseridos.