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4 CONVENÇÃO DE CRIAÇÃO DE ATAQUES VAZIOS

5 CONVENÇÃO DE ASSOCIAÇÃO DE CODAS

CAPITULO m

CASOS PARTICULARES DE SELABIFICAÇÃO DE SEQUÊNCIAS CONSOANTE+CONSOANTE EM PORTUGUÊS:

SEQUÊNCIAS OBSTRUINTE+LATERAL

E SEQUÊNCIAS OBSTRUINTE /J7+OBSTRUINTE EM POSIÇÃO MEDIAL

3.1 - Considerações preliminares

No capítulo anterior, vimos que, de acordo com os estudos psicolinguísticos citados em 2.2.1 (cf., entre outros: Liberman, Shankweiler, Fischer e Carter, 1974; Brédart e Rondai, 1982:65; Morais, Content, Cary, Mehler e Segui, 1989; Gombert, 1990:34-35, 46-48; Morais, 1991:6; Vihman, 1996:177 e ss.; Vale e Cary, 1999:377; Martins, 2000:79-80.) - secundados por autores do campo da fonologia, como, p. ex., Blevins (1995:209-210), Spencer (1996:38), Barroso (1999:154), Mateus e Andrade (2000:38) e Freitas e Santos (2001:57, 70, 72, 79 e ss.) -, a sílaba constitui uma unidade acessível à intuição dos falantes. Tal intuição silábica, de acordo com os estudos que acabamos de referir, revela-se a partir de efeitos experimentais como a contagem do número de sílabas de uma palavra e certas manipulações deliberadas como a segmentação, a inversão, a adição e a supressão de sílabas dentro da palavra. A par do sublinhado que nos oferecem destes aspectos, diversos autores, oriundos ora da psicolinguística (cf. Cutler, Mehler, Norris e Segui, 1986:387 e ss.; Morais, Kolinsky, Cluytens e Pasdeloup, 1993:63-64; Schiller, 1998:484-485; A. Costa, Aparici e Sebastian-Gallés, 1999:129; Jusczyk, Goodman e Baumann, 1999:62-63; Content,

Kearns e Frauenfelder, 2001:178), ora da fonologia (cf. Hogg e McCully, 1987:51; Blevins, 1995:222, 223, 230 e ss.), fazem notar, porém, que, no tocante à colocação das fronteiras silábicas precisas dentro da palavra, os juízos dos falantes podem apresentar algumas divergências, as quais parecem mais frequentes em determinadas línguas e perante determinados contextos fonológicos. Em relação ao primeiro desses factores, mais concretamente, inúmeros estudos enfatizam que em línguas em que se verifica o fenómeno da ambissilabicidade - a possibilidade de um segmento não se fixar rigidamente a uma só sílaba dentro da palavra, podendo pertencer simultânea ou indistintamente a duas sílabas (Hogg e McCully, 1987:50-59; Blevins, 1995:232) -, como o inglês, os falantes experimentarão maiores disparidades quanto à identificação precisa e definitiva das fronteiras silábicas no interior da palavra (sendo esta a proposta essencial de estudos como os de Cutler et ai. (1986) e Norris e Cutler, 1988)1. Quanto à

questão dos contextos, Blevins (1995:230 e ss.), p. ex., aponta o caso da silabificação das consoantes de sequências VCV como um caso típico deste género de divergências (V.CV vs. VCV). Relativamente ao português, Vigário e Fale (1994:475) afirmam que, apesar de a silabificação das sequências VCV como V.CV não se afigurar difícil aos falantes da língua, o mesmo não sucede com sequências como VCCV, perante as quais as duas divisões V.CCV e VCCV se tornam possíveis em alternativa.

Assim, em línguas em que o fenómeno da ambissilabicidade não se verifica, esperar-se-ia que as dúvidas relativas à colocação de fronteiras intersilábicas dentro das palavras tivessem uma menor expressão, hipótese que é investigada por Content, Kearns e Frauenfelder (2001). Observando sujeitos nativos do francês (língua que supostamente exemplifica a condição referida), os autores citados demonstram que, em palavras com a estrutura segmentai CVCV, a associação da segunda consoante à primeira ou à segunda sílaba pode apresentar resultados diferentes relacionáveis, de acordo com os resultados do estudo citado, com a sonoridade e a ortografia dessa consoante. Por outro lado, Finney, Protopapas e Eimas (1996) mostram que, em inglês, é possível identificar experimentalmente um incremento da consciência das fronteiras intersilábicas quando se confrontam os sujeitos com palavras acentuadas na segunda sílaba. Estes dados, em nosso entender, sugerem que, além das características do sistema fonológico da língua em geral, aspectos relacionados com determinadas propriedades fonéticas e fonológicas dos próprios segmentos e das palavras em que ocorrem possam desempenhar algum papel no reconhecimento das fronteiras silábicas.

Na verdade, a associação das consoantes intervocálicas - principalmente quando ocorrem em grupos consonânticos (em sequências lineares como VCCV - cf. os exemplos de "agio" e "esta" em português) - à Coda ou ao Ataque das sílabas possíveis e, consequentemente, a decisão de as considerar tautossilábicas (V.CCV) ou heterossilábicas (VCCV) suscitam uma série de problemas, de que se dão conta os autores das citações que passamos a transcrever:

"A sílaba tem, portanto, um núcleo, um pólo de atracção, é a sua vogal, por vezes uma combinação de vogais. As consoantes rodeiam este núcleo, e a dificuldade pode surgir do facto de estas consoantes poderem ser duas, três, e por vezes interrogamo-nos a que sílaba pertence esta ou aquela consoante. (...)"

(Morais, 1994:138)

"Todavia, (...) [à] evidência intuitiva da sílaba opõe-se (...) a dificuldade de delimitar/estabelecer, com rigor e exactidão, as suas fronteiras. E isto acontece, particularmente, quando se está na presença dos chamados grupos (e/ou encontros) consonânticos, sobretudo no interior de unidade acentuai. Em alguns destes casos, não há certezas quanto à sua interpretação ou como coda da sílaba anterior, ou como ataque da seguinte, ou como uma e outro ao mesmo tempo (uns segmentos constituindo uma, outros segmentos formando outro)."

(Barroso, 1999:156-157)

As dúvidas e discrepâncias que temos vindo a referir relativamente à identificação dos limites das sílabas dentro das palavras sugerem, assim sendo, um confronto com o carácter categórico dos algoritmos de silabificação referidos em 2.4, de que é exemplo o algoritmo de silabificação do português de Mateus e Andrade (2000:60-64) aí apresentado, uma vez que, como vimos, tais algoritmos pretendem aplicar um conjunto de convenções sucessivas às formas teóricas das palavras, atribuindo de forma definitiva posições silábicas rigidamente fixadas a cada segmento da palavra.

No seguimento destas observações, tentaremos analisar este problema relacionado-o com algumas questões que se colocam relativamente a dois tipos de sequências consonânticas do português europeu contemporâneo que nos parecem ilustrativas do tema apontado: as sequências Obstruinte+Lateral (normalmente descritas pelos estudos fonológicos como correspondendo a Ataques ramificados, isto é, como sequências tautossilábicas) e as sequências Obstruinte /j7+Obstruinte em posição medial (descritas pelos mesmos estudos como heterossilábicas, com a primeira consoante em Coda de uma primeira sílaba e a segunda em Ataque de uma segunda sílaba).

No seguimento das nossas considerações, e tendo sempre em mente o interesse suscitado pelas sequências consonânticas em apreço, discutiremos algumas questões que, pertencentes a um nível mais abrangente, encerram implicações importantes para o estudo da representação de tais sequências a nível do conhecimento fonológico dos falantes: a questão dos Ataques ramificados admitidos pela fonologia do português europeu e, naturalmente, dos grupos consonânticos que, nesta língua, podem ocorrer nessa posição silábica (vd. 3.2 e, para uma especificação dessas mesmas questões ao caso concreto das sequências Obstruinte+Lateral, o ponto 3.3); e a colocação de fronteiras silábicas no interior da palavra perante as sequências Obstruinte+Obstruinte, quer num plano geral, quer, mais concretamente, no que diz respeito às sequências Obstruinte /J/+Obstruinte (vd. 3.4).

3.2 - Ataques ramificados em português

Relativamente à questão das sequências Consoante+Consoante (ou "sequências CC") que podem realizar, em português, Ataques ramificados, começaremos por esclarecer que excluímos do nosso foco de atenção, neste momento, as sequências em que a primeira das consoantes corresponde a uma das que, como vimos no final de 2.3.1, podem ocorrer em Coda (/l/, /J7 - realizável ora como [fl, ora como [3] - e Id; cf.

Barbosa, 1965:181-182; 1994:150-153; Câmara, 1970:51, 54; 1971:27, 29; Freitas, 1997:217 e ss.; Barroso, 1999:143; Mateus e Andrade, 2000:11 e ss., 52 e ss.; Freitas e Santos, 2001:47). Com efeito, por tal motivo, a silabificação das sequências com uma dessas consoantes na primeira posição segmentai determina a sua repartição por duas sílabas distintas e sucessivas (com a primeira dessas consoantes em Coda de uma primeira sílaba e a segunda no Ataque (simples) de uma segunda - cf. as Convenções de Associação de Ataques e de Associação de Codas do algoritmo de silabificação de Mateus e Andrade (2000:60-64) apresentado em 2.4). Remetendo para a secção 3.4 deste trabalho a problematização de alguns aspectos particulares relacionados com a divisão silábica dessas sequências, ocupar-nos-emos em exclusivo, nos parágrafos seguintes, de algumas questões relativas à silabificação das sequências CC em que a primeira consoante não pode ocorrer em Coda, isto é, trataremos unicamente, na presente secção, das sequências Obstruinte (diferente de [T] ou [3])+Líquida, Obstruinte

(diferente de [f] ou [3])+Nasal e Obstruinte (diferente de [fl ou [3])+Obstruinte2.

De acordo com a descrição da fonologia do português de Mateus e Andrade (2000), bem como com o estudo de Mateus e Andrade (1998) especificamente dedicado à estruturação silábica do português europeu, de entre as referidas no final do parágrafo anterior as únicas sequências consonânticas que podem ser verdadeiramente

consideradas, nesta língua, como realizações de Ataque ramificado são as combinações Obstruinte+Líquida (isto é, as combinações Oclusiva+Lateral, Oclusiva+Vibrante, Fricativa (diferente de [fl ou [3])+Lateral e Fricativa (diferente de [T] ou [3])+Vibrante), por serem as únicas sequências CC onde são respeitados o Princípio da Sonoridade e a Condição de Dissemelhança apresentados, respectivamente, em 2.3.2.2 e 2.3.2.4 (Mateus e Andrade, 1998:17-18; 2000:40-41). Esta interpretação encontra-se, aliás, consignada pela Convenção de Associação de Ataques do algoritmo de silabificação de Mateus e Andrade (2000:60-64) (vd. 2.4)3.

Esta perspectiva exclui explicitamente que todas as outras combinações consonânticas - como, nomeadamente, as sequências Obstruinte+Obstruinte (em palavras como "bdélio", p. ex.) e Obstruinte+Nasal (p. ex., "]meu") - possam ser englobadas dentro da categoria das sequências CC admissíveis em Ataque ramificado. Segundo os autores, o principal argumento para esta exclusão reside na violação da Condição de Dissemelhança encontrada nestas sequências (Mateus e Andrade, 1998:17- 18; 2000:40-41).

Por conseguinte, não sendo aceites como Ataques ramificados, estas mesmas sequências são entendidas, de acordo com a interpretação fonológica proposta pelos autores, como sequências heterossilábicas, sendo a primeira consoante considerada como o Ataque de uma primeira sílaba de Núcleo vazio (tal como previsto pela

Neste trabalho, são designadas por obstruintes todas as consoantes com o traço [-soante].

Esta proposta diz respeito unicamente ao nível fonológico das estruturas silábicas. Relembrando aqui que, como fazem notar Hogg e McCully (1987:52 e ss.) e Blevins (1995:233), um problema que se levanta ao estudo fonológico da sílaba reside em algumas discrepâncias verificadas entre a silabificação teórica das palavras e as respectivas realizações fonéticas (vd. nota 36 do capítulo II), referiremos que Mateus e Andrade (2000:43 e ss.) dão conta de certas sequências consonânticas registadas a nível fonético em resultado da supressão fonética da vogal [i] que, aparentemente, originam a violação de certos princípios silábicos básicos e de outras restrições à constituição silábica do português. Entre os princípios e restrições violados por estas realizações fonéticas, encontramos, nomeadamente, o Princípio da Sonoridade ([mtér], "meter"; Mateus e Andrade, 2000:43), a Condição de Dissemelhança ([pkénu],

"pequeno"; Mateus e Andrade, 2000:43) e a limitação de duas consoantes, no máximo, em posição de

Convenção de Criação de Núcleos Vazios do algoritmo de silabificação de Mateus e Andrade, 2000 - vd. 2.4) e a segunda como o Ataque (não-ramificado) da sílaba seguinte (Mateus e Andrade, 2000:44). Por outras palavras: esta silabificação impõe a aceitação de uma fronteira silábica entre as duas consoantes da sequência, com silabificações como [p0.new] ("pneu"), p. ex., em que 0 representa, aqui, o Núcleo vazio defendido por Mateus e Andrade (1998:17-18; 2000:44). A realização frequente da vogal intervocálica "epentética" referida por estes mesmos autores constitui, em sua perspectiva, uma evidência suplementar de que o conhecimento fonológico dos sujeitos prevê a existência de um ponto preciso na estrutura prosódica teórica das palavras que impõe a fronteira intersilábica em causa (Mateus e Andrade, 1998:16; 2000:44).

Além das descrições da fonologia do português europeu fundadas nos pressupostos teóricos da linguística generativa que acabamos de citar, Câmara (1970;

1971), dentro do quadro de pensamento da linguística estruturalista e centrado nas questões da fonologia do português brasileiro, subscreve para as sequências Obstruinte+Obstruinte e Obstruinte+Nasal uma interpretação fonológica próxima da de Mateus e Andrade (1998; 2001). Efectivamente, tal como estes dois últimos estudos, também Câmara (1970:56-57; 1971:27 e ss.) defende que tais sequências têm uma natureza heterossilábica e que a vogal "epentética" foneticamente realizada entre as duas consoantes (que corresponde, na maior parte das variedades dialectais do português brasileiro, a um [i]) corresponde a um Núcleo silábico a que se associa unicamente a primeira consoante da sequência, como se torna patente, a título de exemplo, na seguinte citação:

"Restam dois problemas muito importantes para a fixação das estruturas silábicas portuguesas.

O primeiro se refere aos vocábulos, diacronicamente de origem «erudita» (isto é, introduzidos através da língua escrita, a partir do séc. XV, como empréstimos ao latim clássico). São os de tipo - compacto, apto, ritmo, afia, e assim por diante. Aí aparece na grafia uma plosiva ou uma fricativa labial imediatamente seguida de uma plosiva, uma fricativa labial ou uma nasal, sendo ambas as consoantes pronunciadas, às vezes até em pares distintivos como em pacto «acordo» : pato «ave».

A gramática tradicional e mesmo a fonética rigorosa de Gonçalves Viana vêem na primeira consoante uma consoante decrescente e a fronteira silábica entre elas. Em outros termos, consideram aí mais um caso de sílaba travada em português. (...)

Hoje, entretanto, parece-me a correta outra solução (...). Na realidade há entre uma e outra consoante a intercalação de uma vogal, que não parece poder ser fonemicamente desprezada, apesar da tendência a reduzir a sua emissão no registro formal da língua culta. Ela é I'll na área do Rio de Janeiro e Id ([a] neutro em Portugal). (...)"

(Câmara, 1970:56-57)

De acordo com estas interpretações fonológicas, o português - considerando somente, repetimos, as sequências Obstruinte+Obstruinte, Obstruinte+Líquida e Obstruinte+Nasal em que o primeiro elemento difere de [fl ou [3] (ou seja, excluindo todas as sequências CC em que a primeira consoante seja admissível em Coda) - parece então contar com dois tipos de sequências consonânticas, a que passaremos a referir-nos como sequências de Tipo I e sequências de Tipo II. As primeiras ("Tipo I") correspondem a sequências CC que Mateus e Andrade (1998; 2000) consideram tautossilábicas: resultam, caracteristicamente, de combinações de Obstruinte+Líquida e respeitam o Princípio da Sonoridade e a Condição de Dissemelhança. As segundas ("Tipo II"), como combinam sequências Obstruinte+Obstruinte ou Obstruinte+Nasal, apresentam violações desses mesmos princípios. Segundo a explicação de Mateus e Andrade (1998:17-18; 2000:44), a forma de resolver esta violação à luz da teoria

fonológica consiste em aceitar-se tais sequências como heterossilábicas, propondo-se que a primeira consoante do grupo seja o Ataque de uma sílaba de Núcleo vazio. Desta interpretação aproxima-se ainda, como vimos também, Câmara (1970:56-57; 1971:27 e ss.).

Esta destrinça entre estes dois tipos de sequências consonânticas do português aparece ainda referida noutros autores, junto dos quais, por vezes, encontramos alguns argumentos adicionais em relação aos já mencionados.

Passamos, por conseguinte, a sistematizar os principais argumentos que, quanto a nós, permitem identificar nos estudos fonológicos do português uma divisão entre as sequências tautossilábicas (co-ocorrentes em Ataque ramificado) de Tipo I (Obstruinte+Líquida) e as sequências heterossilábicas (nunca co-ocorrentes em Ataque ramificado) de Tipo II (Obstruinte+Obstruinte e Obstruinte+Nasal). Tais argumentos residem nos aspectos que passamos a enumerar e que serão apresentados de forma individualizada e mais desenvolvida nos parágrafos subsequentes:

- princípios silábicos; - frequência na língua;

- vogal interconsonântica epentética; - origem histórica;

- aquisição;

divisões silábicas espontâneas; convenções ortográficas associadas.

Princípios silábicos

Como já foi referido, Mateus e Andrade (1998:17-18; 2000:40-41) enfatizam que, em português, só as sequências que denominámos como de Tipo I respeitam dois

princípios silábicos básicos como o Princípio da Sonoridade e a Condição de Dissemelhança, o que as afasta das de Tipo II, as quais, por violarem tais princípios, obedecem inclusivamente a uma convenção diferente do algoritmo de silabificação proposto por Mateus e Andrade (1998:60-64), a Convenção de Criação de Núcleos Vazios (Mateus e Andrade, 2000:62), que as divide por duas sílabas distintas e sucessivas.

Outro estudo em que se distinguem estes dois tipos de sequências consonânticas com base no respeito/violação dos dois princípios silábicos referidos é o de Vigário e Fale (1994) (cf., p. ex., Vigário e Fale, 1994:476)4.

Frequência na língua

Barbosa (1965:180-181, 211-212; 1994:149), Câmara (1970:56; 1971:27), Vigário e Fale (1994:469 e ss.) e Freitas (1997:167), entre outros, possivelmente, contam-se entre os autores que distinguem entre grupos consonânticos mais correntes em português - resultantes da combinação Obstruinte+Líquida - e grupos mais raros, resultantes das outras combinações possíveis.

Vogal interconsonântica epentética

Autores como Barbosa (1965:212), Câmara (1970:56-57; 1971:27 e ss.),Vigário e Fale (1994:477) e Mateus e Andrade (1998:16; 2000:44) referem que as sequências aqui designadas como de Tipo II são frequentemente realizadas, a nível fonético, com uma vogal - habitualmente designada como epentética - entre as duas consoantes.

Como vimos anteriormente, este aspecto é invocado por Câmara (1970:56-57; 1971:27 e ss.) e Mateus e Andrade (1998:16; 2000:44) como argumento para

defenderem a partição das sequências Obstruinte+Obstruinte e Obstruinte+Nasal por duas sílabas distintas, considerando o primeiro destes autores que a vogal interconsonântica é detentora de estatuto fonémico (não sendo de admitir junto deste autor, portanto, a designação epentéticá) e os últimos que ela constitui o preenchimento fonético de um Núcleo vazio.

Origem histórica

Como sublinhado por Câmara (1970; 1971) - vd., p. ex., a citação de Câmara (1970:56-57) acima transcrita -, as palavras que contêm as sequências de Tipo II correspondem a importações tardias e eruditas do latim clássico (e, olhando aos exemplos dados pelo autor, também do grego), para suprir certas lacunas lexicais do português em domínios muito específicos (científicos e técnicos, nomeadamente).

Esta observação permite-nos concluir que tais combinações podem representar, à luz da fonologia da língua, soluções estranhas ao conhecimento fonológico implícito dos falantes5.

Cf. também Barroso (1999:142), que considera as combinações Obstruinte+Líquida como as únicas sequências consonânticas tautossilábicas do português (designando-as, tal como Barbosa (1965), p. ex., como "homossilábicas").

Nesse sentido, poderíamos ainda concluir que a epêntese atrás referida consistiria numa estratégia seguida pelos falantes da língua no sentido de "desdobrarem" as sequências "anómalas" ou marcadas em duas sílabas que respeitam o formato silábico básico (nâo-marcado) CV, o que, sublinhe-se, se coaduna com as já referidas observações de Fikkert (1994:5-6) e Blevins (1995:200) (vd. nota 33 do cap. II) segundo a quais o resultado de processos fonológicos como a epêntese é, em todas as línguas do mundo, a criação de formas não-marcadas a partir de formas marcadas e nunca o inverso.

Esta mesma interpretação é identificável em Barbosa (1965:212): "Tout effort, de la part du sujet parlant portugais, pour terminer une syllabe sur une consonne autre que celles attestées à la finale amène nécessairement à l'apparition, après la consonne en cause, d'une voyelle [s] qui a pour effet d'ouvrir la syllabe: un mot comme a-pto «apte», par exemple, deviendra en fait trisyllabique (a-ps-to) dans la bouche du locuteur moyen qui voudrait faire tomber la frontière syllabique après/?." (Barbosa, 1965:212).

Outros factos de natureza diacrónica relacionados com a passagem do latim ao português e que demonstram que sequências de tipo Obstruinte+Obstruinte não parecem absolutamente compatíveis com o conhecimento fonológico dos falantes, que optam por resolvê-las através de alguma forma de "compatibilização" com esse conhecimento (de que a epêntese interconsonântica parece ser uma modalidade), são, conforme sublinhado por Vigário e Fale (1994:477), a semivocalização da segunda consoante (que, assim, sofre também uma "nuclearização", já que passa a integrar a segunda posição segmentai de um Núcleo ramificado) - exs.: lat. "noctem" -> port, "noite"; lat. "actum" -> port, "auto" -, o apagamento da primeira consoante (lat. "optimum" -> port, "ófpjtimo") e a redução a um único elemento consonântico (lat. "agnum " -> port, "anho ").

Aquisição

No estudo de Freitas (1997) relativo à aquisição das estruturas silábicas do português europeu e que toma em consideração uma população formada por um grupo de 7 crianças entre os 0;10 anos e os 3;07 anos observadas longitudinalmente ao longo de aproximadamente 1 ano (cf. Freitas, 1997:40-45), são encontrados alguns dados respeitantes à aquisição destes grupos consonânticos por parte das crianças nativas desta língua.

Relativamente às sequências de Tipo I (Obstruinte+Líquida), o estudo referido identifica, antes da fase em que as crianças se mostram capazes de articular estas sequências de acordo com a sua forma-alvo na fonologia adulta, um conjunto de produções que as adaptam aos formatos silábicos adquiridos e que traduzem, na terminologia da autora, "estratégias de reconstrução" (Freitas, 1997:168-182). Tais estratégias são, basicamente, as seguintes (cf., p. ex., Freitas, 1997:173-174): apagamento da segunda consoante (líquida) da sequência; apagamento da primeira consoante e manutenção da líquida; apagamento de toda a sequência, com a produção de um Ataque vazio; substituição da líquida por uma semivogal; epêntese de uma vogal (normalmente um [i], mas, por vezes, também um [e] - cf. Freitas, 1997:174)6.

No tocante à última das estratégias de reconstrução silábica referidas no parágrafo anterior (a epêntese de [i] ou, mais raramente, de [B]), a autora verifica que se

As estratégias que consistem no apagamento de uma das consoantes da sequência CC confirmam, assim, que as estruturas não legitimadas prosodicamente de acordo com o conhecimento silábico das crianças em cada uma das fases do seu desenvolvimento fonológico, nâo encontrando uma posição estrutural decorrente dessa legitimação prosódica, não são realizadas, isto é, são sujeitas à "stray erasure" referida por Fikkert (1994:19) e Freitas (1997:28-29) (vd. nota 40 do.cap. II).

Um outro aspecto a evidenciar relativamente as estratégias de reconstrução silábica identificadas por Freitas (1997) no tocante às sequências Obstruinte+Líquida é a redução das sequências a uma só consoante (vd. Fig. 3.A), o que em fonologia tem sido interpretado como demonstração de que tais sequências, no conhecimento fonológico dos sujeitos, correspondem a unidades solidárias tautossilábicas,

trata de um procedimento bastante frequente no seu corpus, quer quando o segundo elemento é uma lateral, quer quando se trata de uma vibrante (Freitas, 1997:173-174, 189; cf. ainda Freitas, 2002:103). Em consequência, esta estratégia é interpretada como