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2.2 REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA

2.2.3 Conversão e congruência

Por atividade de conversão, Duval (2009) define a transformação que produz uma representação em outro registro diferente da representação inicial. Em matemática, podemos exemplificar a conversão da forma de um conteúdo quando construímos um gráfico de uma

função a partir de seu registro algébrico, ou desenhamos uma região quadrada a partir da medida de seus lados.

A realização do processo de conversão envolve necessariamente o que Duval (2009, p. 69) denominou de congruência e não congruência entre registros de representação.

Duas representações são congruentes quando há correspondência semântica entre suas unidades significantes, univocidade semântica terminal e mesma ordem possível de apreensão dessas unidades nas duas representações. Naturalmente, pode não haver correspondência para nenhum desses três critérios, para dois ou somente para um. A não congruência entre duas representações pode então ser maior ou menor. A dificuldade da conversão de uma representação depende do grau de não congruência entre a representação de partida e a representação de chegada.

Duval considera que são necessários alguns critérios para se definir a congruência entre os registros de representação semiótica a partir de suas unidades significativas.

O primeiro critério é a possibilidade de uma correspondência “semântica” dos elementos significantes: a cada unidade significante simples de uma das representações, pode-se associar uma unidade significante elementar. [...] O segundo critério é a univocidade “semântica” terminal: a cada unidade significante elementar da representação de partida, corresponde uma só unidade significante elementar no registro de representação de chegada. [...] O terceiro critério é relativo à organização das unidades significantes. As organizações respectivas das unidades significantes de duas representações comparadas conduzem a apreender nelas as unidades em correspondências semântica segundo a mesma ordem nas duas representações. (DUVAL, 2009, p. 68-69).

A conversão de representações semióticas não ocorre de forma cognitivamente neutra. É a articulação entre os registros de representação e as conversões que permite o processo de compreensão em Matemática. Se fosse o inverso, ou seja, a compreensão que permitisse o processo de articulação entre os registros haveria um afastamento de cada registro do objeto representado. Colocar em correspondência as unidades significativas de uma representação em outra é a condição cognitiva para reconhecer um mesmo objeto em suas diferentes representações. Essa correspondência entre as unidades significativas é fundamental tanto do ponto de vista matemático quanto cognitivo. Contudo, a correspondência entre as unidades significativas de um registro de representação para outro requer que o usuário as discrimine de acordo com os aspectos possíveis do conteúdo de cada representação. Isso ocorre porque a compreensão que muitos estudantes têm de determinado conteúdo matemático está limitada à forma da representação. Desse modo, a forma de representação assume o lugar do conteúdo em seu ambiente cognitivo, limitando-o, quando ocorre a necessidade de se realizarem processos de conversão para outro registro.

É por isso que, em matemática, uma representação semiótica só é interessante à medida que ela pode se transformar em outra representação, e não em função do objeto que ela representa. Isso provoca evidentemente uma reversão completa do ponto de vista cognitivo comum sobre as representações e particularmente sobre as representações semióticas. (DUVAL, 2011, p. 52).

Ao confundir „forma‟ e „conteúdo‟ num registro de representação, o aluno não percebe as diferenças entre as unidades significativas que constituem cada registro de representação em relação ao objeto representado. O funcionamento cognitivo dos objetos de representação em seu processo de conversão entre registros permite as múltiplas ocorrências representacionais.

O processo de conversão envolve o reconhecimento das unidades significativas dos registros de representação. Duval (2011) considera que a dificuldade de conversão reflete as diferenças entre as unidades significativas de cada objeto representado bem como a „distância‟ entre a correspondência de congruência entre eles. A congruência entre registros pode ser maior ou menor, dependendo da relação que existe entre as unidades significativas de cada registro envolvido nos processos de conversão a partir dos aspectos do objeto representado.

Ao analisar o fenômeno de congruência e não congruência, Duval (2011, p. 124) reforça o fato de que cada registro de representação apresenta unidades significativas diferentes que mobilizam, consequentemente, aspectos diferentes dos objetos matemáticos sempre que este for acessado.

As variações de congruência e não congruência mostram que não existe nenhum isomorfismo entre as representações de um objeto matemático em um registro e suas possíveis representações nos outros registros. O fato de as conversões de representações serem operações cognitivas não reversíveis corrobora esse dado fundamental para a análise do funcionamento cognitivo do pensamento em matemática.

A não congruência é muito mais comum do que o fenômeno da congruência e permite novas interpretações para além das previsíveis que são tornadas manifestas em um processo comunicativo ou mesmo de ensino e aprendizagem. Contudo, esse fenômeno causa dificuldades em processos de conversão entre diferentes registros de representação. Além disso, algumas conversões entre os registros de representação semiótica envolvem representações auxiliares ou mistas, isto é, envolvem as unidades significativas de mais de um registro de representação, o que é um complicador adicional.

Duval (2011, p. 122) ilustra a não congruência entre registros de representação na figura 6. Para o autor, ocorre não congruência na conversão da expressão „mesmo sinal‟ para a representação '0'. Para ele a expressão congruente a '0' é „maior que zero‟.

Figura 6 – Ilustração sobre congruência e não congruência

Fonte: Duval (2011, p. 122)

Em geral, as diferenças relativas entre dois registros de representação semiótica no processo de conversão são maiores do que inicialmente parecem, pois ambos são constituídos de unidades significativas diferentes e que podem acessar aspectos distintos do objeto representado que o outro registro não evidenciou. Duval (2011) aponta para uma dissimetria entre os sentidos de conversão motivados principalmente pela heterogeneidade dos conteúdos que as unidades significativas tornam manifestas quando dentro de uma sintaxe constituinte de um registro de representação. O que é importante em uma representação semiótica são as transformações que esta permite realizar no objeto representado e não a representação em si. Estas transformações têm relação com as unidades significativas que podem ser utilizadas para acessar certos aspectos deste objeto. “A diversidade de tipos de representação semiótica e o modo de funcionamento próprio de cada tipo são as questões cruciais para a análise cognitiva da atividade matemática e, portanto, dos processos de compreensão e incompreensão na aprendizagem.” (DUVAL, 2011, p. 68).