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Retomando o procedimento de compreensão guiado pela relevância

3.2 PROCESSAMENTO PRAGMÁTICO DE ENUNCIADOS

3.2.5 Retomando o procedimento de compreensão guiado pela relevância

A meta do ouvinte/leitor é obter uma interpretação que satisfaça sua expectativa de relevância ótima. Assim, presume-se que o estímulo ostensivo utilizado pela pessoa que comunica é o mais relevante entre um conjunto de estímulos que poderia ter sido utilizado para comunicar. Para tanto, com base na codificação linguística e seguindo uma rota de esforço mínimo, o ouvinte/leitor deve enriquecer esses inputs, de modo a obter o significado

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Por modus ponens conjuntivo entende-se uma cadeia de inferência que, dada a verdade de uma conjunta como antecedente de uma condicional, infere-se a verdade de cada um dos termos conjuntos e, em seguida, a verdade da conclusão ((PQ)R; PR; R ou (PQ)R; QR; R).

explícito e completá-lo implicitamente, até que a interpretação se conforme com sua expectativa de relevância. São justamente esses passos que são resumidos no que Sperber e Wilson (2001, p. 13) definem por processo, procedimento ou mesmo heurística de compreensão guiada pelo conceito de relevância, que se reapresenta a seguir:

Processo teórico da compreensão com base na relevância

Seguir um caminho de esforço mínimo na computação de efeitos cognitivos: a) considerar hipóteses interpretativas (desambiguações, atribuições de referência, suposições contextuais, implicaturas, etc.) seguindo a ordem de acessibilidade; b) parar quando é alcançado o nível esperado de relevância.

Quando nos restringimos a extrapolar esse procedimento à língua natural, cabe pensar qual é a competência dos docentes de matemática em explicar os conteúdos em diferentes formulações linguísticas. Hipoteticamente, o domínio do conteúdo e a experiência de ensino tendem a tornar o professor sucessivamente mais competente em apresentar os conteúdos de várias maneiras, desde que essa seja uma de suas preocupações no processo de transposição didática. Seja como for, os alunos tratarão os estímulos linguísticos do docente como ótimos, como o caminho mais relevante possível graças às habilidades que eles julgam que o docente possua. A relembrar, a presunção de relevância considera que a escolha por um dos registros de representação para tornar manifestas o conjunto de suposições {I} de quem comunica era a melhor escolha. Não sem razão que, muitas vezes, o contato com uma explicação diferente, do mesmo docente em outra circunstância, de outro docente ou mesmo de outro estudante, por exemplo, dá acesso à compreensão desse conteúdo.

Quando extrapolamos esse procedimento para outros registros de representação, ampliam-se as opções de compreensão. Como bem destaca Duval, isso ocorre porque o acesso a diferentes registros de representação de um mesmo objeto funciona de modo similar ao acesso a diferentes formas de explicação. Se os registros de representação recortam os objetos de diferentes modos, o acesso a diferentes registros de representação de um mesmo objeto implicam observá-lo de diferentes ângulos. Por hipótese, assim como uma explicação diferente em língua natural pode ser a chave para a compreensão do conteúdo, isso também pode correr mediante o acesso a diferentes registros de representação. Não sem razão, as pessoas somente compreendem o objeto pelo registro que tem a disposição. Veja-se, por exemplo, o caso de uma pessoa que define „extrair a raiz quadrada de um número x‟ somente como a determinação de um número y tal que multiplicado por ele mesmo resulta nesse número x, fruto de sua experiência de cálculo, sem compreender que esse número é a raiz, ou seja, o fundamento para a geração de um quadrado geométrico.

Há, contudo, outras consequências. A teoria da relevância assume que os mecanismos de compreensão são idiossincráticos. Estímulos não são relevantes por si mesmos, mas relevantes para um indivíduo. Além disso, estímulos não são relevantes sempre da mesma forma para um mesmo indivíduo, mas relevantes conforme os diferentes contextos cognitivos desse indivíduo durante sua existência. Isso implica dizer que sempre é possível acessar alguma nuance do objeto matemático nas sucessivas experiências dos indivíduos com seus diferentes registros de representação. Logo, mesmo para o docente experiente, há como aprender mais sobre um objeto matemático e sobre formas de ensiná-lo, se ele dominar seus diferentes registros de representação. Desse modo, não apenas as entradas enciclopédicas de itens lexicais podem ser aperfeiçoadas de alguma maneira, mas entradas enciclopédicas de unidades significativas de qualquer outro registro de representação. Isso está na essência do propósito último do princípio cognitivo de relevância, a maximização da relevância dos estímulos para a melhoria da compreensão do mundo.

Além disso, dispor de diferentes registros implica dispor de diferentes ferramentas cognitivas diante de problemas para os quais não se definem previamente os processos de resolução. Em contextos reais, um indivíduo experiente, diante de diferentes formas de abordar um problema, tenderá a escolher a rota mais eficiente (leia-se, relevante). Isso em mente, por exemplo, entre duas rotas que sabidamente são eficazes, ele escolherá aquela que implica menos custos de processamento. Conforme Sperber e Wilson (2001, p. 255), “o que é importante é que, dado o ambiente cognitivo, dado o contexto inicial e dado o estímulo, algumas hipóteses são mais acessíveis do que outras e isso significa que requerem menos esforço de processamento”. É isso que justifica abandonar a soma quando a multiplicação é mais eficiente, abandonar a multiplicação quando a potenciação é mais eficiente e assim por diante. Contudo, vale relembrar aqui os obstáculos que essas ferramentas cada vez mais potentes geram no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que seu domínio implica abandonar procedimentos menos onerosos sob domínio, confiando que as novas rotas serão compensadoras no futuro.5

Conhecidos em linhas gerais os aportes da teoria da relevância para tratar do processo pragmático de compreensão dos enunciados, esses aportes são aplicados na próxima seção para processos de conversão de registros de representação.

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