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3.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE RELEVÂNCIA

3.1.1 Efeitos cognitivos

Uma informação pode alterar o ambiente cognitivo de um indivíduo produzindo três tipos de efeitos cognitivos: o de fortalecimento de uma suposição contextual; o de contradição e eliminação de uma suposição contextual; e o de combinação com uma suposição contextual para gerar uma implicação contextual. Nesse último caso, trata-se de conclusões dedutíveis da conjunção da informação nova e do contexto, mas nunca da informação nova ou do contexto sozinhos.

Para ilustrar esses efeitos, tome-se o caso de um professor que está trabalhando o teorema de Pitágoras com seus alunos. Para abordar o teorema de Pitágoras, os estudantes devem reconhecer inicialmente as medidas dos ângulos e dos lados de um triângulo e, nesse caso específico, a presença de um ângulo reto, condição indispensável para a aplicação do teorema. Para explorar a noção de ângulo reto, o professor pode utilizar em sala de aula um conjunto de formas triangulares construídas em diferentes materiais (madeira, EVA, acrílico, papel, etc.), de modo a explorar com régua e transferidor relações entre as medidas dos lados e dos ângulos de um triângulo. Em seguida, usando o transferidor, ele pode solicitar que os estudantes classifiquem os diferentes triângulos conforme eles possuam ângulo reto. Na

sequencia, para explorar formas triangulares com ângulos retos, o professor pode solicitar que sejam medidos os lados dos triângulos com uma régua e anotados os valores encontrados. É nessa fase que ele pode também explorar as noções de cateto e hipotenusa, de modo que o lado maior do triângulo que não forma ângulo reto é a hipotenusa „a‟ e os lados menores do triângulo que formam ângulo reto são chamados de catetos „b‟ e „c‟ (maior e menor, conforme o caso). Diante de todo esse contexto, ele pode então reforçar a ideia de que, se o triângulo possuir ângulo reto, então o quadrado da medida do lado maior (hipotenusa) equivale à soma dos quadrados das medidas dos lados menores (catetos).

Tome-se o caso A em que o professor está por apresentar uma nova forma triangular. Se tudo correu bem, o contexto cognitivo inicial dos estudantes pode ser representado pelas seguintes suposições (aqui arbitrariamente restringidas).2

Contexto Cognitivo Inicial:

(1a) O próximo triângulo provavelmente possui ângulo reto.

(1b) Se o triângulo possuir um ângulo reto então o quadrado da medida do lado maior equivale à soma dos quadrados das medidas dos lados menores.

(1c) Se o triângulo não possuir um ângulo reto então o quadrado da medida do lado maior não equivale à soma dos quadrados das medidas dos lados menores.

O professor, então, apresenta um novo triângulo, e o estudante confere com o transferidor que este triângulo possui um ângulo reto. Isso o faz pensar:

Nova informação

(2) Este triângulo possui ângulo reto.

A questão em jogo aqui é se essa informação é relevante no contexto de suposições restringidas (1a-c). Uma forma de ver isso é se esse input gera efeitos cognitivos nesse contexto. Fácil de ver que esse é o caso. A constatação de o triângulo possuir ângulo reto fortalece ou fornece mais evidência para a suposição em (1a), tomada até então como hipótese. Além disso, essa informação, combinada com a suposição (1b), gera a implicação contextual em (3):

2

Esses exemplos seguem o modelo de Wilson (2004, lição 3). Críticas sobre essa forma de exposição podem ser vistas em Luciano (2014).

(3) O quadrado da medida do lado maior deste triângulo em particular equivale à soma dos quadrados das medidas dos lados menores deste triângulo em particular.

Desse modo, intuitivamente, pode-se dizer que a informação (2) é relevante para o estudante nesse contexto. Sperber e Wilson defendem que essa informação é relevante justamente porque produz esses dois efeitos cognitivos e, quanto maiores forem os efeitos cognitivos obtidos de uma informação, maior será relevância dessa informação.

Para ilustrar o segundo tipo de efeito cognitivo, o de contradição e consequente eliminação de uma suposição contextual, considere o caso B no qual o aluno observa com o transferido que o próximo triângulo não possui ângulo reto – informação (4) a seguir:

(4) Este triângulo não tem ângulo reto.

Neste caso, a nova informação em (4) contradiz a suposição contextual (1a) de que o próximo triângulo possuiria um ângulo reto. Segundo os autores, quando suposições novas e velhas contradizem-se umas às outras, a mais fraca das duas suposições é abandonada. Aqui, por hipótese, a informação nova em (4) forneceria forte evidência contra a suposição velha (1a), que, dessa maneira, seria abandonada. Além disso, (4) também pode ser combinada com suposição (1c) para gerar a implicação contextual em (5):

(5) O quadrado da medida do lado maior deste triângulo em particular não equivale à soma dos quadrados das medidas dos lados menores deste triângulo em particular.

Intuitivamente, (4) é relevante parcialmente porque contradiz e elimina suposições existentes e, quanto mais suposições ela elimina, mais forte ou mais relevantes ela foi.

A asserção fundamental dos autores é a de que quanto maiores forem os efeitos cognitivos de um estímulo, maior será a relevância desse estímulo. Se um estímulo não gerar efeitos cognitivos, quer porque é tautológico com o contexto, quer porque é absurdamente contrário a suposições assumidas como verdadeiras, ou quer porque não tem qualquer relação plausível com esse contexto, diz-se, então, que ele é irrelevante.

A suposição pode contribuir com uma nova informação, mas essa informação não faz nenhuma ligação com quaisquer informações presentes no contexto. [...] a suposição já está presente no contexto e a sua força não é afetada pela informação apresentada de novo; essa informação apresentada de novo não tem, portanto, absolutamente nenhuma informação nova a dar e, a fortiori, não se apresenta como relevante. [...] a suposição é incompatível com o contexto e é demasiado fraca para perturbar; o processamento da suposição deixa assim o contexto sem modificação. (SPERBER; WILSON, 2001, p. 193).

Em outras palavras, há também três possibilidades para que uma informação nova (ou novamente apresentada) pode deixar de ser relevante. Vejam-se os casos:

No caso A’, enquanto o aluno está manipulando e observando a medida dos ângulos e dos lados na forma triangular que dispõe, com os seus pensamentos em (1a-c), outro aluno profere o enunciado (6):

(6) Este triângulo é um triângulo.

Essa informação, embora nova, é irrelevante em um contexto consistindo unicamente das suposições em (1a-c), porque ela não interage com elas em nenhum dos três modos apresentados. A informação nova também não fortalece uma suposição existente, não contradiz nem elimina suposições antigas, além de não se combinar com uma suposição antiga para gerar uma nova implicação contextual. Ela, desse modo, seria irrelevante em um contexto consistindo somente das suposições (1a-c) porque é tautológica com essas informações, embora perguntar por que alguém diz (6) nesse contexto sempre pudesse ser relevante.

No caso A”, em tudo similar ao caso anterior, um colega profere o enunciado (7):

(7) Este triângulo é de madeira.

Neste caso, dado que se espera que os estudantes identifiquem ângulos retos, a constituição material da figura em nada contribui para a tarefa. Nesse caso, a proposição expressa por (7) seria irrelevante no contexto consistindo somente das suposições (1a-c) porque é descontextualizada, embora, outra vez, perguntar por que alguém diz (7) nesse contexto sempre pudesse ser relevante.

Por fim, veja-se o caso B’, onde, mais uma vez, o estudante manipula diferentes formas triangulares. Nessa situação, um colega profere o enunciado (8):

(8) Essa forma triangular não tem forma triangular.

Aqui, a informação nova contradiz uma suposição existente sobre formas triangulares. Todavia, diferente do caso original B, a identificação de figuras triangulares está fortemente segura para ser desafiada por uma informação nova. Mais uma vez, quando suposições novas e velhas entram em conflito, a mais fraca é abandonada. Nesse caso, a

informação nova em (8) não será forte o suficiente para superar a suposição existente no ambiente cognitivo do estudante e, consequentemente, será a informação nova aquela que será rejeitada pelo aluno. O resultado do processamento da nova informação não provocará nenhuma alteração no conjunto de suposições construídas em relação às formas triangulares existentes, de modo que não produzirá nenhum efeito cognitivo e, consequentemente, nenhuma relevância pode ser atribuída à proposição expressa por (8). Embora, ainda uma vez mais, perguntar por que alguém diz (8) nesse contexto sempre pudesse ser relevante.