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A convivência de temas e de figuras

No documento Abordagem semiótica dos textos de auto-ajuda (páginas 115-117)

6. ANÁLISE DA ATUAÇÃO DOS COMPONENTES SEMIÓTICOS

6.15 A convivência de temas e de figuras

Os discursos nos quais predominam de forma proporcional os temas e as figuras são a maioria: A semente da vitória (RIBEIRO, 2000), A arte da felicidade (DALAI-LAMA & CUTLER, 2002), Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor? (PEASE & PEASE, 2000), Não leve a vida tão a sério (PRATHER, 2003), O monge e o executivo (HUNTER, 2004), Nunca desista de seus sonhos (CURY, 2004), Jesus, o maior psicólogo que já existiu (BAKER, 2005), Quem ama educa! (TIBA, 2002), Os 100 segredos das pessoas felizes (NIVEN, 2001), Criando meninos (BIDDULPH, 2002), O sucesso é ser feliz (SHINYASHIKI, 1997) e A dieta de South Beach (AGATSTON, 2003).

A sua organização procura conciliar a estrutura argumentativa à narrativa, em que há a convivência de conceitos e ações. Ou seja, procuram ancorar os conceitos discutidos com elementos do mundo natural. Essa constituição heterogênea oscila, portanto, entre a apresentação de conceitos da auto-ajuda, da religião, da gestão de negócios, da psicologia, do misiticismo, etc. e o fazer dos sujeitos narrativos – geralmente histórias de vida, autobiograficas – que ilustra o tema que é desenvolvido. Aplicam, pois, essa alternância de temas e figuras de forma recorrente no seu discurso.

Em Não leve a vida tão a sério (PRATHER, 2003), ao final de cada capítulo há um conselho, na forma de um programa narrativo de construção, chamado “libertação”. Para ele, à moda de uma receita culinária, o enunciador prescreve a tarefa (de investimento figurativo) a ser cumprida e o tempo para a sua realização, bem como a situação hipotética para a sua perfórmance:

Libertação1

Tempo sugerido: 1 dia ou mais

Da próxima vez em que estiver numa loja, num restaurante, num shopping center, no trabalho ou apenas caminhando numa calçada cheia de gente, escolha uma pessoa e experimente se transformar nela por alguns instantes. Como seria vestir suas roupas, ter aquele tipo de cabelo (ou não ter cabelo), caminhar da maneira como ela caminha [...]? Como seria fazer aqueles gestos? [...]. Sem análise, sem inferioridade, sem condescendência, sem perspectivas, como seria sentir-se como essas pessoas e pensar como elas? Experimente fazer isto hoje e, se gostar, faça essa brincadeira nos próximos dias. Talvez você se surpreenda ao perceber como tudo é banal (p. 25).

O discurso de Prather constrói-se nesse vai-e-vem de recursos temáticos e figurativos. Geralmente lança mão de conceitos (“natureza humana”, “inquietações”, “bondade”, “tristeza” [p. 11-12]), que explicam o que se deve deixar de lado, pois são inquietações – maneiras de ser – que devem ser rejeitadas. Em seguida, faz um relato figurativo, a fim de

exemplificar que o sujeito enunciatário deve por-se no lugar do seu semelhante (vestir sua roupas, caminhar como ele, etc.) para deixar de lado essas inquietações.

O texto de Shinyashiki (1997), O sucesso é ser feliz, promete a revolução da felicidade, sendo este o tema central. No primeiro capítulo, “Uma crônica sobre o viver” (p. 13 a 15), é apresentada ao leitor um relato fatalista, que narra o último dia de vida de uma pessoa. A pequena narrativa figurativiza, portanto, a mensagem de viver cada dia o máximo possível. O procedimento de figurativizar o discurso também está presente nos exemplos de histórias de vida. Com este efeito, realça a noção de realidade, ou seja, o simulacro que pretende construir, acompanhado pelos conceitos psiquiátricos desenvolvidos no discurso. As histórias são geralmente de seus pacientes, narradas com um tom de intriga: “Fernandez olhou pela janela do quarto e viu seu pior inimigo, Rodrigo, subindo a rua em direção à sua casa. Eles haviam sido inimigos a vida inteira, lutando um contra o outro” (SHINYASHIKI, 1997, p. 25).

De igual maneira, Niven (2001), em Os 100 segredos das pessoas felizes, apresenta ao leitor enunciatário um conceito, que encabeça o problema que será desenvolvido no capítulo:

Você não está aqui apenas para preencher um espaço ou para ser um figurante no filme de outra pessoa. Pense nisso: o mundo seria diferente se você não existisse. [...]. Estamos todos interligados e somos todos afetados pelas decisões e mesmo pela existência daqueles que vivem no mundo conosco (p. 32 – grifos meus).

Em seguida, ilustra os conteúdos abstratos (“figurante”, “existência”, “interligação” e “decisões”), por meio de narrativas sobre histórias que diz serem verídicas. Por isso, recorre à figurativização, descrevendo, por meio de ações, que o cachorro de Peter não é um “figurante”. A interligação entre as pessoas ajudou o dono do cachorro a tomar a decisão certa e salvar a vida do seu animal de estimação, percebendo que a existência de todos é importante:

Gosto muito do exemplo de Peter, um advogado da Filadélfia, e seu cachorro, Tucket. Tucket estava ficando gradualmente paralisado por um tumor na medula. [...]. Desesperado em busca de alguém que pudesse ajudá- lo, ele procurou um neurocirurgião pediátrico. [...]. Com a ajuda da doação que Peter fez ao hospital, Jerry foi submetido a uma operação bem-sucedida para a retirada dos tumores. A cirurgia de Tucket também foi um sucesso (p. 32).

Jesus, o maior psicólogo que já existiu (BAKER, 2005) vale-se dos trechos do evangelho e Nunca desista de seus sonhos (Cury, 2004) dá exemplos de personalidades históricas. Anterior a cada ensinamento, ministrado em dose homeopática pelo narrador, Baker dispõe um trecho

da Bíblia, que ilustra um dos ensinamentos de Jesus. Procura, assim, dar um investimento mais concreto ao seu discurso, por meio dos trechos do evangelho:

Com que compararemos o reino de Deus ou que parábola usaremos para descrevê-lo? Ele é como a semente de mostarda, que é a menor semente que plantamos no solo. No entanto, quando plantada, ela cresce e torna-se a maior de todas as plantas do jardim, com ramos tão grandes que os pássaros do ar podem se abrigar à sua sombra. Com muitas parábolas como esta Jesus anunciava a seus seguidores a Palavra conforme podiam entender. Ele não lhes falava nada a não ser em parábolas. Marcos 4:30-34 (p.13).

Cury (2004) figurativiza o seu discurso a partir de exemplos de vida de grandes personalidades da história mundial. No capítulo 3, em “O sonho de um pacifista que enfrentou o mundo” (p. 73), destaca a importância de o ser humano não se esconder no seu íntimo, pois deve ter coragem e fazer grandes feitos:

Abraham Lincoln havia libertado os escravos na Constituição. A discriminação fora resolvida na lei, mas não nas páginas do livro psíquico. Os gestos, as reações, a desigualdade continuavam, gerando milhões de estímulos que alimentaram a discriminação. As futuras gerações continuaram tendo cicatrizes. Cem anos depois, M.L.K. (Martin Luther King) estava lutando contra suas seqüelas [...] Ele só realizaria seus sonhos se superasse as idéias negativas, vencesse a humilhação e se livrasse dos tentáculos da timidez e da baixa auto-estima. Seus maiores inimigos estavam em seu interior, somente eles poderiam calar a sua voz (p. 85-6).

É nessa relação de alternância entre temas e figuras que pode ser notado o quanto a predominância de um ou de outro recurso não fica tão fácil de ser delimitada. Por isso, tratam- se de discursos proporcionalmente temático-figurativos, porque a relação de equilíbrio entre esses componentes da semântica discursiva é recorrente do início ao fim desss discursos. Nesse caso, são a maioria no corpus, doze ao total.

No documento Abordagem semiótica dos textos de auto-ajuda (páginas 115-117)