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O leitor e o autor implícitos

2. A METODOLOGIA SEMIÓTICA E SUA APLICAÇÃO

2.5 O leitor e o autor implícitos

O trabalho de Cortina (2006) pode ser resumido de acordo com duas perspectivas mais amplas, a saber, uma de foco interno e outra, de foco externo da leitura. No primeiro caso, ele observa o leitor implícito, incorporado na organização interna do texto, por meio de uma investigação de análise discursiva sêmio-lingüística, fundamentada pela teoria Semiótica da Escola de Paris. Ao aplicar uma análise discursiva de base lingüística aos textos mais vendidos dos anos 60 em diante, Cortina busca delinear um perfil de leitor contemporâneo.

Essa perspectiva teórica, de foco interno, será útil para explicar as estratégias discursivas que fazem parte do plano de conteúdo dos textos selecionados aqui, com vistas a pensar a constituição do leitor enquanto enunciatário de uma totalidade de textos de auto- ajuda. O exame das imagens do leitor que um discurso projeta no momento em que é produzido ajuda a verificar como se configura esse leitor, constituído na imanência dos textos mais vendidos. Para Cortina (2006), a semiótica greimasiana concebe o leitor como uma projeção do enunciatário do discurso que, juntamente com o enunciador (a projeção do autor), constituem a instância da enunciação. Em todo discurso, há, desse modo, um sujeito que diz algo para um outro a quem esse dizer é dirigido, por isso, o leitor é co-autor do enunciado. Projetado como enunciatário do discurso, é ele que controla o dizer do enunciador. Uma maneira de tratar a questão da leitura, portanto, é por meio do exame das imagens de leitor que um determinado discurso projeta no momento em que é produzido (CORTINA, 2006, p. 2).

A partir da outra perspectiva, de foco externo, Cortina analisa o leitor enquanto sujeito do processo comunicativo, determinado assim de forma social e histórica. Sendo o objeto de estudo deste trabalho, as listas de livros de Veja ajudam a refletir sobre o interesse do leitor nacional pelos livros mais vendidos, uma vez que a lógica mercadológica atende à demanda do público-leitor, produzindo em escala industrial os textos mais procurados e “injetando” marketing no lançamento desses produtos. Como consumidor de variados tipos de literatura, vale destacar que a procura do público pelos best-sellers mostra o quanto auto-ajuda é uma manifestação discursiva cujas estratégias de manipulação procuram seduzir o leitor, seja pelo marketing injetado nos bastidores das listas (foco externo), seja pelo atrativo do seu conteúdo (foco interno).

Lajolo & Zilbermann (1999), de acordo com uma perspectiva sociológica (externa ao texto, portanto), discutem a relação entre o leitor empírico (de carne e osso) e o implícito (lingüístico), em que é possível investigar as formas de adesão adotadas, de acordo com as estratégias persuasivas das quais se vale o autor. As autoras mencionam que alguns escritores procuram “guiar o leitor pela mão”. Por meio de estratégias narrativas, chamam a atenção do leitor no próprio texto que escrevem, de forma a lhes alertar sobre os caminhos que devem seguir. Dessa maneira, o narrador constituído em alguns dos textos de Machado de Assis tece características do leitor (descreve suas virtudes). Em A mão e a luva, seu personagem Estevão é a caricatura do romantismo da época. Apesar de ser descrito como um escritor de poesias – “leitor formado pela estética romântica” (ibid., p 25) – ele representa o que deve ser ignorado, o leitor romântico. O narrador pede, assim, a adesão de um leitor arguto e perspicaz, que perceba nas intenções do que é enunciado um tom de ironia:

É entre esses dois sujeitos que a comunicação se instala, é a esse tipo de consumidor mais sofisticado que o narrador, maduro e experiente, se dirige, deixando de lado os leitores românticos que, homens ou mulheres, são seguidamente matéria de crítica por parte de Machado (ibid., p. 26-7).

O Machado de Assis projetado no discurso é diferente do Machado de Assis real, pois é uma imagem produzida pelo texto. Fiorin (2004a, p. 119) explica que o “eu” e o “tu” são posições dentro da cena enunciativa, são actantes da enunciação. Ao serem concretizados, esses actantes tornam-se atores da enunciação: “O ator é uma concretização temático- figurativa do actante. Por exemplo, o enunciador é sempre um eu, mas, no texto Memórias póstumas de Brás Cubas, esse eu é concretizado no ator Machado de Assis” (ibid., p. 119 – grifos do autor).

Acredita-se, portanto, que uma forma de verificar o porquê da adesão do leitor brasileiro a uma manifestação discursiva como a auto-ajuda, seria estudar como se constituem o ethos do enunciador e o pathos do seu enunciatário. A imagem do escritor é construída a partir de características discursivas, sempre levando em conta que o seu leitor implícito é um consumidor de best-sellers, por isso mesmo um co-enunciador, que demanda as escolhas (as estratégias persuasivas) do discurso construído. Será obsservado no decorrer do exame dos textos mais vendidos que a imagem elaborada, discursivamente, do leitor da auto-ajuda é a de um sujeito carente de informação e de atenção. Como não tem tempo suficiente para leituras mais longas e desafiadoras, o leitor enunciatário procura aderir a um texto com idéias condensadas, que dê informações relativas ao seu dia-a-dia e que, especialmente, teça exemplos de história reais, de pessoas comuns e de personalidades famosas, ou de fatos e personalidades históricos, em geral, da religião, da política, da ciência, etc (Jesus, Dalai-Lama, Martin Luther King, Einstein) – estes recursos configuram o pathos do enunciatário, a sua forma de adesão ao discurso da auto-ajuda. Por sua vez, a imagem construída do autor – o ethos do enunciador – é a de uma pessoa atenciosa, preocupada com a saúde mental, física e espiritual do seu leitor e que não pede (nas malhas do seu discurso, enquanto “retórica da boa vontade”) nada em troca, apenas a satisfação do leitor. É um enunciador astuto, que, além de dissertar sobre teorias de autoria própria e de autoridades em assuntos diversos, lança mão de narrativas (contos, fábulas, provérbios) para fazer o seu enunciatário imaginar o que diz, ou seja, procura concretizar figuratizamente os conteúdos discutidos.