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O Espaço Como Critério da Horizontalização de Capacidades Militares

A) CORÉIA DO NORTE

A ordem de batalha norte coreana supunha o uso de três corpos de infantaria (1º, 2º e 5º) para abrir caminho para dois corpos mecanizados (806 e 815) e um corpo blindado (820). A ordem importa: é a infantaria que serviria de ponta de lança para as unidades blindadas e mecanizadas. A idéia era obter condições para ruptura das linhas sul-coreanas e a realização de uma manobra de envolvimento que cortasse a retiradas das tropas antes que pudessem retirar-se para o sul. Considerava-se que, caso o envolvimento fosse bem sucedido, a guerra estaria definida antes da chegada de reforços expressivos do EEUU.

A Manobra de Envolvimento

A ordem descrita sumariamente acima pretendia reeditar o feito de Aníbal contra os romanos: travar uma batalha de envolvimento seguida do cerco e aniquilamento. Para isto, pretendia envolver as forças inimigas em um bolsão, interno ao perímetro constituído pela linha Osan Kangmung317. A validade de tomar como modelo uma batalha tão antiga, como a de Canas, vinha de uma crença que no Ocidente foi expressa por Jomini. O general francês acreditava na existência de leis imutáveis da guerra e na superioridade dos fatores morais sobre os materiais (homens x armas). A capacidade de gerir custos humanos tão elevados baseia-se na coesão anímica do povo e na concentração de toda a economia nacional às necessidades de guerra. Em larga medida, concepções expressas por Ludendorff em seu livro A Guerra Total.

A batalha de envolvimento que tem Aníbal como mentor e em Canas sua inspiração, tem povoado a imaginação dos estrategistas ocidentais em todas as eras. Júlio César já se inspirou nela nas suas “Guerras Gálicas”. Mais perto de nosso tempo, já na era da guerra do carvão e do aço, temos o plano Schiliefen, admirador incondicional de Aníbal que pretendia reeditar Canas na fronteira entre a Alemanha e a França. Os planos de guerra de Hitler, levados a cabo com a invasão da França em 1940, mostram o poder de persistência de uma idéia. O próprio plano XVII, da França na I Guerra Mundial, foi baseado em Canas. O envolvimento que a Alemanha pretendia, com a direita forte irrompendo através dos países baixos, a França reeditava, com sua direita forte rompendo através da Alsácia e da Lorena. O plano XVII serve como dupla ilustração do prejuízo causado ao planejamento de guerra por um conceito estereotipado (a batalha de envolvimento) e da crença da superioridade dos valores morais. Dezenas de milhares de jovens franceses foram criminosamente sacrificados

contra as fortalezas alemãs318. Era a ofensiva à “outrance”, até as últimas conseqüências. Exemplos desta concepção são encontrados nas batalhas do Ypres e Kindermord, cujo nome, “Massacre dos Inocentes”, diz tudo. As conseqüências deste tipo de concepção perduram além da guerra. Eric Maria Remarc na literatura e Marc Ferro na historiografia demonstram claramente o fio condutor que há entre este tipo pela guerra baseada no extermínio dos próprios soldados, através de ondas humanas, o tipo de sociabilidade que aí é produzido, e a ascensão das ideologias totalitárias. A verdade é que estes soldados, mesmo os sobreviventes, nunca voltaram da guerra. Procuraram no totalitarismo encontrar o lugar que não acharam mais na vida civil. Inexistem razões para se pensar que uma nova Guerra na Coréia, devido ao colapso da Coréia do Norte, conduza a um produto social diferente.

Aqui cumpre lembrar que apesar do estudo da Batalha de Canas ser parte do currículo obrigatório de qualquer escola militar e, portanto, de inspirar os estados maiores no curso dos séculos, poucos exemplos práticos convalidam o mérito da estratégia de envolvimento. Em quase todos os casos, só deu certo quando se tratava de exércitos com linhas muito estendidas, longamente desgastadas pela fricção e pelo atrito, de que nos falava Clausewitz. Mas, então é o atrito − e não o envolvimento − que produz a vitória.

Clausewitz é o anti-Jomini. O argumento central de seus livros (Da Guerra e A Campanha 1812) é para mostrar que não existem leis na guerra. Para Clausewitz o controle sobre a guerra é sempre precário e instável, sendo este o principal desafio quer para os comandantes civis quer para militares ou soldados. Por isso, é que Clausewitz considerava a defesa a guerra mais forte, pois este era o modo de jogar com o caos produzido pela própria guerra em beneficio próprio. Para o prussiano, há uma interação dialética entre os fatores morais e materiais. Se só se está vencido quando se reconhece a derrota mas, por outro lado, os meios para levar a luta a cabo são ingredientes essenciais desta percepção. Clausewitz estava no centro da ordem de batalha e da EOD da Coréia do Sul; Jomini, na da Coréia do Norte. Agora estas posições inverteram-se.

318 O responsável pela operação alegou que aquilo fazia parte da “regeneração moral” e do

“endurecimento” da sempre rebelde e insubmissa juventude francesa. O colapso de 40 e a força do fascismo na própria França se encarregaram de demonstrar à que conduz este tipo de “pedagogia”. Acabaram encontrando no fascismo e na colaboração com o invasor a força que não encontraram em si mesmos em 1914.

Aqui ainda é preciso uma compreensão de três aspectos do legado de Ludendorff: o papel da coesão anímica, da economia nacional voltada integralmente para o esforço de guerra e o papel tático dos soldados de assalto.

Mesmo com o colapso de sistema político, restarão ainda à Coréia do Norte 5 a 6 milhões de homens do exército regular e das milícias prontos a defender o país. Além disto, um número ainda maior de civis, que fabricam suas munições em suas próprias casas, estarão dispostos a fazer o mesmo. Se a Coréia do Sul invadir a do Norte, com o pretexto de recuperar armas nucleares, será como se toda a Coréia fosse um reduto Sunita. A economia nacional da Coréia é voltada para os gastos militares. Os únicos empreendimentos de pesquisa, a geração de produtos industriais, a capacidade instalada do parque − tudo gira em torno das necessidades militares. Desde o nível comunal, de aldeia, até a indústria nuclear, tudo está voltado para as necessidades do exército.

O Exército é a oportunidade de emprego, de ascensão social, de casamento. Em suma, efetivamente é o corpo e a alma da Coréia do Norte. Esta economia de guerra em tempos de paz tem um efeito de sociabilidade invisível, mas que cumpre um papel na metabolização de perdas elevadas. O exército foi o lar, a escola e a única vez em que milhões de coreanos saíram das próprias aldeias. Mesmo quem serviu à longa data tem suas melhores memórias de juventude associadas ao seu período de prestação de serviço militar. As pessoas se sentem responsáveis pelo exército; é de se duvidar que o despovoamento de aldeias, feito à custa das ondas humanas, faça os coreanos cederem na determinação de vingar a memória nacional ultrajada.

No plano da tática se conjuga a invenção de Brüchmuller, sobre o uso de concentrações rápidas mas fulminantes da artilharia, com o soldado de assalto, criado por Ludendorff e posto em prática na derradeira ofensiva de 1918, momento em que o que fracassou foi a logística, e não a tática.

Bruchmuller ditou os padrões que são seguidos até hoje pela artilharia contemporânea. Antes de Bruchmuller, a preparação do fogo de artilharia era apenas de saturação: um bombardeio que podia durar até vários dias e que precedia o lançamento das ondas humanas no ataque através da terra de ninguém. Como Bruchmuller observou, a eficácia do fogo de saturação era duvidosa; os soldados permaneciam enterrados em seus bunkers e sabiam que o fim do fogo de artilharia era o prenúncio da chegada da infantaria inimiga, apressando-se então para retornar as trincheiras e rechaçá-la. Bruchmuller inventou o que hoje se chama de fogo dirigido ou aproximado, que tem alvos específicos e é baseado na sincronia entre o

movimento de tropas e blindados, com o fogo sobre posições previamente escolhidas − o que hoje se chama manobra harmoniosa entre fogo e movimento. Ludendorff extraiu as conseqüências disto e concebeu na figura do Sturmtruppen319 (“Soldado de Assalto”) uma

forma de combinar as armas até o menor nível de unidade possível. Tratava-se de turmas de assalto portando metralhadoras, lança-chamas, morteiros e armas de artilharia portátil (hoje RPG-7 e SA-7). “Ao contrário da infantaria [comum] os soldados de assalto não avançavam em ondas, mas atravessavam a terra de ninguém independentemente e de maneira dispersa. Precedidos por uma curta, mas intensa barragem de artilharia, eles se deslocavam em saltos curtos. Sua marca registrada era a velocidade, a surpresa e a violência”. Faziam uso dos dados obtidos pelas “ondas” da infantaria comum para identificarem seus alvos, as posições de fogo inimigas; depois, serviam de “porta de entrada” para a infantaria normal, que era novamente acionada em ondas. Os soldados de assalto são a prefiguração da Blitzkrieg da II Guerra Mundial. Estas turmas de assalto podem ser formadas ad hoc; aliás, frequentemente o são.

A EOD na Coréia do Norte previa o uso de massas humanas para abrir caminho para blindados e artilharia. Isto pode ser extremamente desumano, mas está longe de se revelar ineficaz. A ordem de batalha que supunha a penetração em profundidade através da zona desmilitarizada, das montanhas e ao longo dos dois litorais por dezenas de quilômetros, retaguarda adentro da Coréia do Sul, para fechar-se em um abraço mortal isolando os efetivos dispostos ao longo da DMZ dos portos próximos ao Japão.

A consecução destes planos, uma reedição da campanha de 1950, sempre pareceu duvidosa. Até que, com o bloqueio, se desfez completamente. O colapso energético atingiu a indústria: peças de reposição pararam de ser fabricadas. A força mecanizada acabou por desintegrar-se. De todo modo, o calcanhar de Aquiles da ordem de batalha sempre foi a logística − os suplementos de combustível e munições.

Outro aspecto importante é da cobertura dos depósitos de munição e da base industrial320 − o que depende da capacidade antiaérea do próprio país. Aqui o sistema SA-5 (“Gammon”) parece ter papel principal321. O SA-5 tem alcance de 300 km para uma altitude máxima de 30,5 km. O míssil voa quatro vezes a velocidade do som (4 Mach) carregando uma carga útil de 215 kg de alto-explosivo (HE), o que é muito mais do que os 130 kg do

319 McNEILLY, 2002, pp. 69 a 72, e sobre Bruchmuller, pp. 152 a 155. Ver também GOODSPEED,

1968, p. 241.

320 Como se verá adiante em detalhes, os B-52H chegam de Guam, e estarão operacionais, no dia D +

1.

321 Ao contrário dos países árabes que em sua guerras contra Israel usaram sobretudo os sistemas SA-2

Guideline ou do Goa de alcance consideravelmente menor. No SA-5, relevante é sua capacidade de guiagem semi-ativa, isto é, o fato de poder ser detonado tanto por proximidade como por critério de comando − o que torna a arma infinitamente mais precisa e mortal. Na guerra da Coréia anterior, a principal defesa contra os bombardeiros americanos foram os MiGs que só eram capazes de sobreviver e prestar serviço de cobertura aérea em um perímetro muito exíguo ao Norte do país. Resta saber a capacidade de sobrevivência dos atuais radares norte-coreanos, que são fixos e amplamente mapeados. De todo modo é deles que dependerá a cobertura de área da Coréia do Norte pois, desta vez, parece bastante improvável a sobrevivência de aviões coreanos como força de defesa antiaérea. Para os americanos, as coisas melhoraram muito mais. Já não há mais necessidade de sobrevôo dos alvos pelos bombardeiros, posto que eles lançam mísseis cruzadores além do alcance visual que são dirigidos digitalmente até seus alvos. O problema evidenciado na Bósnia e até no Iraque (1991) é que esses mísseis têm se revelado bastante vulneráveis ao fogo de canhões antiaéreos e até de armas portáteis. Muitas vezes, em virtude dos danos sofridos, erram ou afastam-se dos seus alvos. Aqui, estranhamente, o sistema low tech norte-coreano parece criar um obstáculo formidável, já que existem armas antiaéreas de todos os tipos, calibres, e até gerações, espalhadas por todo o país. No Kosovo a alternativa encontrada foi o recurso aviação de ataque tradicional (“os caça-bombardeiros”), o que redundou na perda de um avião Stealth, F-117. No Iraque (1991), apesar de desmantelado o sistema de comando central, verificou-se a perda de centenas de mísseis.

No entanto, graças ao JDAM e ao JSOW aviões podem ser notavelmente eficazes contra tanques, artilharia e comboios de suprimentos. Para fazer frente à infantaria, serão ainda necessárias aeronaves de apoio aproximado de fogo, de asa fixa ou rotativa, que trarão perdas inevitáveis. Porém, da parte dos sul-coreanos a sensibilidade a perdas não é tão evidente como entre os estadunidenses.

Outro aspecto diz respeito à fadiga de combate. Em estudo citado por Dunnigan322, estipula-se em 200 dias o tempo em que o homem de infantaria é capaz de combater. Depois disso, passa a sofrer de sérias disfunções e perturbações que frequentemente o inutilizam para o combate. Como 200 dias é também o prazo do estoque de alimentos dos norte-coreanos,

322 “Estudos feitos durante a II Guerra Mundial indicam que depois de uns poucos 100 ou 200 dias de

combate o stress e a fadiga se impõem geralmente os homens de infantaria perdem as faculdades físicas e mentais, ficando incapazes de desempenhar suas funções”. Posteriormente, o autor acrescenta que “a mecanização da infantaria, e suas couraças blindadas, não modificaram este padrão.” DUNNIGAN, 1993, p. 15.

parece ser este o tempo para decisão da sorte da península. Porém, com assistência chinesa, o resultado dependerá também da prova de vontade, mais do que da capacidade operacional ou tática. O que se diz em outras palavras é que o Exército sul-coreano pode colapsar mesmo sem ter previamente perdido batalha alguma e tendo ainda eliminado centenas de milhares de opositores.

Foguetes e Mísseis

Nem sempre é fácil de entender toda a controvérsia em torno do programa de mísseis da Coréia do Norte. Mísseis são apenas mais uma modalidade de entrega de munições. Como ressaltam Clancy e Gresham323, sistemas de armas não passam de sistemas de entrega de agentes químicos, biológicos ou radioativos. De substâncias químicas ou biológicas, que podem despedaçar, queimar, asfixiar ou empestear − em alguns casos, realizar várias destas funções simultaneamente, como é o caso da arma nuclear.

Os sistemas de armas podem abarcar vários subsistemas, como um porta-aviões, que vertebra em torno de si toda uma frota. Cada vaso com seu próprio sistema de luta anti- submarina, antiaérea e superfície-superfície. O próprio porta-aviões possui inúmeros sistemas de armas, entre elas os aviões. As aeronaves, por sua vez, levam consigo uma variedade de sistemas de bombas e mísseis. Só estes últimos é que fazem a entrega. Como ironicamente observam Clancy e Gresham, nem o objetivo da marinha é ostentar navios, e tampouco o da força aérea de apresentar vistosos os aviões: eles são apenas elos da cadeia de entrega.

É bem verdade que navios e aviões possuem charme e glamour: têm-se prestado como pano de fundo de bons filmes. Apenas rapazes valentes e moças bonitas lutando pela paz mundial − o que nos dá a ilusão de que os porta-aviões são uma extensão do mundo natural, a sensação anódina de que são só mais um aspecto da paisagem marítima. Como se seu propósito não fosse produzir do mesmo modo que os mísseis morte, mutilação, queimaduras, asfixia, destruição. O míssil é apenas um sistema simplificado de entrega; não possui nenhum glamour, nada que possa dissociá-lo de sua finalidade real.

Em suma, a despeito de sua variedade de meios (sistemas de entregas) e de finalidades particulares (os efeitos causados por cada agente) a finalidade geral dos sistemas de armas continua a mesma da época da clava: produzir terror. Todo o resto, a coerção, a morte, a mutilação ou a dor, são meros adereços: o que importa é o terror324.

323 CLANCY e GRESHAM, 2004, p. 149. 324 KEEGAN, 2000, pp. 67 a 69.

O mérito desta constatação coube ao historiador Ardant du Picq, que ainda em meados do século XIX escolheu uma abordagem do estudo da guerra baseada no comportamento humano. Du Picq também era oficial do exército francês, tendo sido veterano das campanhas da Argélia, Criméia (1854), acabando por morrer em combate em Metz, (1870). Não se destacou nem como historiador nem como militar. O que importa é que colocou as questões certas e fez uma abordagem original325. Se a guerra é um ato de violência para obrigar outro a fazer nossa vontade (Clausewitz), então Du Picq tem razão em identificá-la como uma forma de influenciar o comportamento. E, ademais, em enxergar na contraposição entre o medo326 e a vontade de combater as polaridades básicas em torno das quais se determina o comportamento.

Terror é o medo fora de controle. O indivíduo aterrorizado sente-se vencido, nem tanto pela parafernália empregada pelo inimigo, mas por si mesmo. Sente-se culpado por não ter sido capaz de agüentar aquilo que os mortos suportaram. Condenado por sua própria consciência, o elemento sente-se incapaz de continuar lutando. É exatamente este o efeito

325 Após a baralha Du Picq aplicava um questionário, com uma longa e pormenorizada lista de

perguntas, sobre o que havia acontecido quando em contato com o inimigo. Basicamente as questões eram centradas em porque os homens lutavam ou fugiam. E, o que acontecia com eles, quando fugiam. Du Picq era fascinado por Políbio e Tucídides, porque os considerava mais francos que seus contemporâneos acerca da guerra e seus desastres. KEEGAN, 2000, p. 67.

326 Du Picq não acredita na coragem como um valor em si mesmo. Nem mesmo como um

comportamento que decorre da mera preparação militar. De sua experiência na Argélia, convenceu-se que “os bárbaros”, num confronto homem a homem, eram mais firmes e bravos do que os soldados treinados. No entanto, observava que em batalha eram geralmente derrotados. Deste paradoxo extraiu a conclusão de que a coragem era um comportamento que depende da sociabilidade. Em batalha, os soldados franceses debandavam menos do que os argelinos, porque acreditavam que ao dar as costas para o inimigo teriam maior probabilidade de morrer em relação a se permanecessem lutando, aptos a se defenderem. Além disso, sentiam-se parte de um todo maior, o Exército, e responsáveis pela sorte de seus camaradas em armas. Daí a repugnância da idéia de abandoná-los e fugir. A isto Du Picq denomina disciplina, que tem o sentido diverso do empregado por seus contemporâneos (um conjunto de normas e sanções). A disciplina envolve o controle, e não a superação, do medo. Na realidade, para Du Picq, o controle do medo depende de uma preponderância do que os combatentes temem mais. Se lutar, e morrer por causa disso, ou fugir e serem massacrados e desonrados por isso. Assim, “coragem”, o controle do medo, para ele, é uma opção pelo medo maior, a desonra, por exemplo. É por isso que o medo (terror é a sua expressão descontrolada) é preponderante para Du Picq. A obra de S. L. A. Marshall, no século XX (“Homens ou Fogo”) é uma continuação dos estudos de Du Picq, convergindo também em muitas de suas conclusões. Nas operações a obra de Du Picq teve duas continuações, a francesa e a americana. Entre seus compatriotas foi assimilado de uma forma estereotipada, pelo viés do fortalecimento das concepções de Jomini sobre a superioridade dos fatores morais em relação aos materiais. Engendrando a concepção voluntarista de ofensiva “até as últimas conseqüências”. Na visão francesa, o terror infundido pela massa humana avançando, se encarregaria por si só de aterrorizar (desmoralizar) o inimigo. Já os americanos tiveram a idéia de empregar explosivos para este fim. Em paralelo com Du Picq, Ulisses Grant, durante a Guerra da Secessão, estabeleceu a forma estadunidense de fazer a guerra − baseada no terror infundido pelo poder de fogo. KEEGAN, 2000, pp. 68 e 69. Cf. Tb. MARSHALL, 2003.

buscado pelo terror: a desmoralização. Elementos desmoralizados não lutam, exércitos desmoralizados debandam, povos desmoralizados capitulam.

Por isso, o campo de batalha torna-se uma prova de vontades que envolve a maior capacidade em suportar o medo. Se Clausewitz tem razão quando diz que o reduto último da política é a força (guerra), o reduto último da força é o terror. Antes o terror ficava confinado ao campo de batalha. Foi assim até o fim da I Guerra Mundial, quando surgiu o aeroplano e o bombardeiro. Em 1927 os ingleses tiveram a idéia de valer-se de seus bombardeiros para arrasar aldeias no Iraque. O terror passava a estender-se às populações civis. A guerra civil espanhola trouxe este padrão para a Europa, haja vista o tristemente célebre caso da cidade de