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Coragem, consciência, ousadia, pioneirismo e inovação: apresentando as Licenciaturas Interdisciplinares

PARTE 2 – CONHECENDO O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DAS LICENCIATURAS INTERDISCIPLINARES

4. LICENCIATURAS INTERDISCIPLINARES: para além de uma nova proposta de profissionalização docente, um paradigma de gestão da Educação Superior para os camp

4.2 Coragem, consciência, ousadia, pioneirismo e inovação: apresentando as Licenciaturas Interdisciplinares

A partir desse diagnóstico pautado na crítica ao formato clássico, o Projeto das LI é apresentado como uma possibilidade de ruptura com esses modelos pedagógicos e de formação ultrapassados, o que não teria acontecido ainda devido a dois elementos impeditivos de uma transformação efetiva das práticas acadêmicas tradicionais: a consciência e a coragem. Na explicação do documento: “[...] consciência da dificuldade de pensar um currículo tão aberto e diferenciado. E coragem para enfrentar o horror ao vazio e o medo da desordem” (UFMA/PROEN, 2010, p. 41).

A ousadia também é mencionada para dimensionar a relevância da proposição das LI – tanto em sua apresentação quanto na parte dedicada aos princípios e fundamentos – do que decorre, aliás, a previsão de críticas, divergências e/ou contraposições da comunidade acadêmica. Os excertos a seguir cumprem a função de ilustrar nossa afirmação, ressaltando que em outros pontos da proposta tais ideias são retomadas e discutidas:

[...] é por isso que decidimos ousar e, ao custo, de desagradar à parcela renitente de professores com identidade docente conteudista, apresentar à sociedade, que nos financia e de nós espera as melhores soluções, a nossa proposta de formação docente por competências.

“[...] alguém tem, em algum momento, que romper o círculo vicioso que retém a formação docente num patamar ainda pouco profissionalizado” (UFMA/PROEN, 2010, p. 24 e 41, respectivamente).

A proposta é justificada, então, tendo por base uma linha de argumentação que vai desde a vinculação dessas licenciaturas a um modelo mais coerente e apropriado para o desenvolvimento institucional e consolidação da presença da Universidade no interior do estado, até a adequação de seu formato às orientações da política nacional para o desenvolvimento dos currículos formativos, seja no que concerne à Educação Básica, inclusive na modalidade profissional, seja à formação docente.

Porém, a inovação e o pioneirismo são as principais expressões utilizadas para apresentar a proposta das LI, visto tratar-se do primeiro curso estruturado no modelo de currículo por competência no âmbito das IES públicas, o que é textualmente afirmado nos seguintes termos: “[...] existem, de fato, algumas licenciaturas interdisciplinares (ainda poucas, se entendermos que a formação docente para a EB deveria ser feita preferencialmente dessa

forma), mas ainda nenhuma por competência” (UFMA/PROEN, 2010, p. 10; itálicos no documento).

Em texto publicado no início da década de 80, Saviani (1980) já assinalava a existência de entendimentos distintos de inovação educacional, segundo as diferentes concepções de filosofia da educação. Assim, a esse termo são atribuídos sentidos que vão desde retoques superficiais que não alteram, de maneira significativa, nem as finalidades nem os métodos educativos, passando por uma acepção que o vincula à alteração circunscrita a estes últimos, ou seja, às formas de educar, até a que se traduz pelo uso de outros meios, em relação àqueles convencionais – em acréscimo ou em substituição a eles.

Contudo, segundo o autor em referência, todas essas concepções ancoram-se em um pensamento que desconsidera o contexto, sendo os problemas educacionais tributados ao próprio processo educativo, do que decorre o delineamento de propostas para a sua superação restritas a este âmbito. Diferenciando-se de tais concepções, a inovação numa perspectiva dialética colocaria a educação a serviço de uma mudança estrutural da sociedade, o que não poderia prescindir da reflexão e consequente redimensionamento das próprias finalidades da educação.

Aliás, a inovação, numa concepção dialética, refere-se a uma mudança profunda, centrada nas finalidades, por sua vez, articuladas aos interesses das classes populares, e guiadas pela busca dos meios considerados mais adequados para alcançá-las. Relacionada a um último nível de inovação educacional, não são experiências que se enquadrariam neste patamar as mais comumente implementadas nos sistemas de ensino e sim aquelas que não questionam as finalidades do ensino, definidas, de forma centralizada, pelos órgãos superiores de deliberação das políticas educacionais.

E essas experiências, ditas inovadoras, mas que se situam em níveis anteriores de superioridade, conforme classifica Saviani (1980), atêm-se seja à alteração substancial dos métodos, seja à utilização de formas não-institucionalizadas aliada ao retoque (ou não) também das instituições (além dos métodos) – em nosso entendimento, o caso da proposta da LI no contexto de expansão/interiorização da UFMA.

Tais ideias encontram alguns pontos de sinergia com as análises de Messina (2001) em artigo que analisa os diferentes significados que podem ser atribuídos ao conceito de inovação. A partir de uma revisão das produções consideradas mais significativas sobre o tema, todas de origem anglo-saxônica, a autora conclui que as inovações educacionais dos últimos anos referem-se a mudanças no planejamento, centrando-se no(a)s professore(a)s e na mudança da cultura da instituição de ensino e situando, inclusive, o êxito das reformas a esta mudança, e

não do sistema educacional como um todo ou da própria estrutura da sociedade (as finalidades da educação, no pensamento de Saviani).

É oportuno ressaltar a contribuição de Messina (2001) no que tange ao termo inovação, segundo a qual ele vem do mundo da produção e da administração, tendo sido concebido como um processo em etapas previsíveis. No campo da educação constitui-se referência recorrente há bastante tempo, desde os anos 60 do século passado, sempre se relacionando a medidas pautadas em discursos em prol da melhoria da qualidade, e por isso mesmo, contemplando intencionalidade, sistematicidade e planejamento, bem como alterações nas práticas correntes – tidas como tradicionais.

Nos anos oitenta, ainda segundo a referida autora, a inovação foi assumida pelos discursos oficiais, tornando-se recorrente e nas orientações e deliberações de políticas educacionais, o que a inseriu numa perspectiva conservadora. E, no marco das reformas educacionais da última década do século passado, a inovação assumiu um viés prescritivo passando a ser pensada nos níveis centrais dos sistemas de ensino, o que acabou por homogeneizá-la e reduzi-la a mecanismos de ajuste, como bem explica suas próprias palavras:

Em um mundo tão globalizado como fragmentário, a inovação educacional é atualmente uma estratégia que parte do centro, portanto, um mecanismo a mais de regulação social e pedagógica. Também opera como um mecanismo de recentralização e de homogeneização. Ao transformar-se em uma das estratégias preferenciais das reformas, a inovação foi ela mesma “reformada” (MESSINA, 2001, p. 228).

Entendendo inovação como o “[...] conjunto de alterações que afetam pontos-chave e eixos constitutivos da organização do ensino universitário provocadas por mudanças na sociedade ou por reflexões sobre concepções intrínsecas à missão da Educação Superior” (MASETTO, 2004, p. 197), Masetto nos ajuda a compreender essa demanda por mudanças na cultura organizacional em se tratando da universidade. Elas seriam decorrentes das transformações sociais da contemporaneidade, sobretudo aquelas referidas à revolução tecnológica da informática e da telemática, que teriam erigido a “Sociedade do Conhecimento”, por sua vez, colocando a necessidade de redimensionamento do papel dessa instituição de ensino na formação do novo perfil profissional por ela requerido.

É nessa perspectiva que o autor contextualiza as orientações das políticas governamentais para a implementação de medidas inovadoras na Educação Superior, citando o documento da UNESCO - Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação, que defende a articulação das IES com o mundo do trabalho sinalizando como

indicadores da inovação, dentre outros, a mudança nas políticas curriculares, a incorporação da tecnologia e da educação à distância.

Subjacente a tais orientações encontra-se a idéia de ruptura com modelos tradicionais de organização do trabalho pedagógico na universidade, centrada na defesa de redefinição do papel do(a) estudante e do(a) professor(a) universitário(a), tornando, aquele(a), o sujeito do processo de aprendizagem e este(a) um(a) estimulador(a) da aprendizagem e orientador(a) do trabalho discente em seu percurso formativo.

Tendo trazido a baila essas reflexões sobre o termo inovação, continuamos a análise ora proposta recorrendo a Gadotti (2000, p. 38), quando afirma que:

Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores.

Considerando que as LI são apresentadas como uma proposta inovadora de formação docente, quer nos parecer que elas, com inspiração no excerto de Gadotti, foram pensadas em função de uma promessa de melhoria desses processos formativos, marcados, como discutido anteriormente, por inúmeros problemas. Processo que incluiria, inevitavelmente, rupturas com o presente, mas tendo como horizonte a promessa de um futuro melhor para essa formação.

Mas se atentarmos para o slogan da atual gestão da UFMA – “a Universidade que cresce com inovação e inclusão social” – causa-nos estranheza o fato de tal promessa não contemplar os demais cursos de licenciatura da Universidade, sobretudo aqueles relacionados à área de Ciências Naturais e Matemática. Relembremos que as LI só são oferecidas nos campi do continente.

Destarte, refletindo sobre essa questão, percebemos que as rupturas que se impõem para a implementação da proposta dessas novas licenciaturas não estão circunscritas às decisões curriculares acerca desses cursos, mas transcende-as, alcançando a própria concepção de universidade, particularmente no que diz respeito à sua estrutura organizacional e gestão, conforme argumentaremos na sequência do trabalho.

Contudo, a proposta das novas licenciaturas é apresentada como um encaminhamento inovador para o atendimento à realidade descrita ou, conforme expressa o PPC do curso, como “[...] uma necessidade de ordem essencialmente pedagógica, que é o atendimento de alta qualidade aos estudantes da educação básica, em geral, e do ensino fundamental, em particular (UFMA/PROEN, 2010, p. 10).

Sendo assim, o significado de inovação se expressa na proposta de uma formação em licenciatura interdisciplinar para atuação nos anos finais do Ensino Fundamental. E considerando sua estruturação; duração mínima de 03 (três) e máxima de 04 (quatro) anos, em regime de ciclo, constituindo-se como o primeiro de uma eventual segunda licenciatura, caso o(a) egresso(a) queira atuar no Ensino Médio. Contraditoriamente, apesar do apelo à inovação, difícil não lembrar das antigas licenciaturas de curta duração em Ciências, Estudos Sociais e Letras. E no âmbito das críticas aos modelos tradicionais dos processos formativos, em geral, e, especificamente, da formação docente, não há como desconsiderar as idéias da Escola Nova. Passemos, então, a refletir sobre esse retorno a velhos aportes em tempos de apelo à idéia de inovação.