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CAPÍTULO I Estilos de Vida 5

1.5. O culto do corpo 26

1.5.1. Corpo, classes sociais e sociedade de consumo 26

“Consumo, logo existo” (Williams e Bendelow, 1998, cit in Cunha, 2004).

O culto do corpo é hoje uma preocupação geral, que atravessa todos os sectores, classes sociais e faixas etárias. Contudo, a maneira como ele se realiza no interior de cada grupo é diferente. A escolha da modalidade desportiva, da dança e do ginásio está associada às diversas esferas da vida e às escolhas realizadas no mercado (Castro, 1998, Culto ao corpo, Modernidade e Mídia in http://www.efdeportes.com/efd9/anap.htm, consultado na internet em Maio de 2011).

De acordo com Bourdieu (idem), a linguagem corporal é uma marca de distinção social. Esta afirmação fundamenta a sua argumentação e construção teórica, ao colocar o consumo alimentar, cultural e a forma de apresentação (incluindo o vestuário, artigos de beleza, higiene e de cuidados e manipulação do corpo em geral) como as mais importantes maneiras de se distinguir, pois são reveladoras das estruturas mais profundas determinadas

e determinantes do habitus (idem). Entende-sepor “habitus” a tradução num estilo de vida particular, das necessidades e das facilidades características de uma classe de condições de existência relativamente homogéneas para cada domínio da prática, como o do desporto, o da música, o da alimentação, o da decoração, o da política ou o da linguagem (Berthelot et al., 1985, cit in Cunha, 2004: 62).

"O corpo é a mais irrecusável objectivação do gosto de classe, que se manifesta de diversas maneiras. Em primeiro lugar, no que tem de mais natural em aparência, isto é, nas dimensões (volume, estatura, peso) e nas formas (redondas ou quadradas, rígidas e flexíveis, rectas ou curvas, etc...) de sua conformação visível, mas que expressa de mil maneiras toda uma relação com o corpo. Isto é, toda uma maneira de tratá-lo, de cuidá-lo, de nutri-lo, de mantê-lo, que é reveladora das disposições mais profundas do habitus" (Castro, 1998, Culto ao corpo, Modernidade e Mídia in

http://www.efdeportes.com/efd9/anap.htm, consultado na internet em Maio de 2011).

Segundo Bourdieu (cit in Cunha, 2004), para além do corpo, os estilos de vida dos diversos grupos sociais têm um papel social e inconfundível na luta pela distinção social. Os estilos de vida das diferentes classes, seja na forma de se alimentarem, de se exercitarem ou de viverem a moda estão estruturados de modo a que os corpos das classes trabalhadoras não sejam valorizados, ao mesmo tempo que as classes superiores tenham mais oportunidades para converter o seu capital físico em capital económico, cultural, social ou simbólico (Shilling, 2000, cit in Cunha, 2004). Esta relação entre o corpo e as classes sociais também acontece em relação ao envelhecimento. É a classe média que mais se preocupa com o efeito do tempo no corpo e que mais utiliza técnicas para retardar os seus efeitos. Featherstone (Castro, 1998, Culto ao corpo, Modernidade e Mídia, in

http://www.efdeportes.com/efd9/anap.htm, consultado na internet em Maio de 2011) dá o exemplo dos idosos que seguem estilos de vida juvenis, praticando modalidades desportivas, algumas até radicais, vestindo-se de forma informal. Segundo o autor (idem), na sociedade contemporânea, vivemos uma transformação no ciclo da vida, em que deixam de haver as barreiras entre juventude e velhice. Ser-se jovem (ou o que isso implica) é um imperativo para os mais velhos. A cultura de consumo apresenta imagens associadas à velhice que a retratam como uma fase da vida na qual a sua juventude, vitalidade e atractividade podem ser mantidas (idem).

Já as classes superiores ultrapassam e disfarçam os efeitos do envelhecimento, através do habitus, utilizando a sua idade como forma de declínio e de distinção social. De acordo com Bourdieu (idem), a nova pequena burguesia é quem dá o mote para as novas tendências de

estilos de vida e do culto do corpo como projecto de cultura de consumo (Featherstone, 1987, cit in Cunha, 2004). A sociedade de consumo, típica da modernidade tardia, onde as tendências modernas foram universalizadas e radicalizadas, aproveitou-se das novas preocupações (modernas), entre as quais com o corpo, para ganhar com isso. No caso específico da cultura corporal, a lógica capitalista (o lucro) conduz o movimento corporal humano a concretizar-se, para se tornar produto de consumo (Carvalho, 2004). Para isso, vai apoiar-se nos media e na sua capacidade de comunicar, influenciando.

Segundo Giddens (1998), a sociedade é organizada por preocupações modernas, que se traduzem numa reorganização reflexiva das relações sociais. As transformações que se deram na modernidade tardia obrigaram a uma adaptação do “eu” às mesmas. E uma das características do “eu” (auto-identidade) é o corpo. O corpo passa a ser produto - o bem mais importante do eu - através do qual o individuo se mostra aos outros. Como tal, deve procurar seguir as imagens de juventude, beleza e boa forma. Isto é, deve apresentar estímulos positivos, para aumentar o seu valor na sociedades modernas - consumistas - (Fox, 1997, cit in Cunha, 2004).

Resumindo, o culto do corpo e da aparência esconde uma preocupação enorme com o controlo activo e com a construção do corpo, através de várias opções de estilos de vida que a modernidade reflexiva possibilita (Giddens, 1997, cit in Cunha 2004). A preocupação com o corpo não é senão o reflexo da preocupação com a saúde e com a aparência, já que uma não existe sem a outra. Um corpo bonito respira saúde. Já um corpo mal tratado é visto como pouco saudável. Hoje ter-se um corpo musculado, tonificado e firme simboliza uma atitude social correcta, uma vez que corresponde a uma preocupação com a maneira como se parece aos outros, o que envolve controlo, força de vontade e energia (Cunha, 2004, p. 61).

A idade moderna é responsável pela crescente preocupação da sociedade para com o indivíduo, nomeadamente com o seu corpo, por razões da saúde pública (para evitar a propagação de doenças). A ideia é que um corpo saudável é mais rentável, porque é um elemento chave na cadeia de produção (Veríssimo, 2008). Como disse Giddens, “o corpo emancipou-se”. Primeiro era visto como o locus da alma mas, depois, por influências da modernidade tardia, tornou-se mais disponível para ser trabalhado, tornando-se aberto às ofertas da sociedade de consumo (idem).

A sociedade de consumo aproveita-se deste movimento pró saúde para desenvolver a lucrativa indústria da boa forma, criando os mais variados aparelhos de ginástica e outros

equipamentos circundantes à actividade física, defendendo sempre as vantagens que o corpo pode ganhar com esta. Mas desta imposição por um estilo de vida saudável e pela obtenção dos produtos benéficos para o corpo (obrigando a um comportamento correcto para a obtenção do corpo ideal) surgem duas visões antagónicas: a saúde como controlo e a saúde como libertação. Chocam assim as necessidades de disciplina (comportamentos saudáveis como obrigação e imposição social e de prazer (comportamentos saudáveis que levam a um estado positivo, de libertação, prazer e relaxamento e diversão). Em suma, os corpos são o reflexo da disposição e das contradições culturais da sociedade capitalista tardia (Williams e Bendelow, 1998, cit in Cunha, 2004). Os media, por sua vez, têm um papel determinante porque têm o poder de difundir as imagens e informação que vão ajudar a uma cada vez maior pressão consumista, induzida em especial pela indústria alimentar, farmacêutica, cosmética que tanto contribuíram para o culto do corpo (Veríssimo, 2008).