• Nenhum resultado encontrado

Corpo cosmético Hoje tudo que se vende, tudo que é consumido traz o signo da cosmética A exigência ou

SINAIS DA MODERNIZAÇÃO ECOLÓGICA NA EUROPA E NOS ESTADOS UNIDOS

1.3 Processo de individuação: rumo a uma definição do corpo do consumidor de cosméticos

1.3.1 Corpo cosmético Hoje tudo que se vende, tudo que é consumido traz o signo da cosmética A exigência ou

premissa para que tudo seja mostrado, para que tudo apareça, seja exposto, exibido, olhado é determinado pelo mundo visual no qual vivemos. A alta modernidade está carregada do visual, é um mundo de imagens que se inscreve como referencial máximo de todas as sensações. A memória e o presente são remitidos pelo visual; os sonhos, a fantástica e a realidade quotidiana adquirem proporção pelas imagens; a erótica não é a exceção. O ato prévio a toda consumação e sua exibição, a necessária atitude da exaltação das virtudes que são conaturais à coisa e a espetacularização que não é senão o realce de valores aderidos no processo de massificação. Esta ontologia visual das sociedades industriais tem sido detectada e refinada por vários cineastas, entre eles, o que me é mais caro da pós-modernidade, Wim Wenders. Artista e teórico da arte que enfatiza dois fenômenos fundamentais na sua obra: 1) A apreensão imagética do mundo, que deve entender-se como função pré-racional; o imaginário nos devolve há uma sensibilização do mundo (DURAND, 2001). Quiçá seja pela intermediação do fluxo de imagens que encontramos a sedução que cutuca a ordem instrumental da sociedade cosmética, um tipo de proxêmia estilística. [Este será o grande tema de Maffesoli ao longo de toda sua obra]. 2) A natureza da expectação (o voyeur) se transforma em ensimesmamento no processo de personalização, de forma tal que as alegorias visuais de

nosso tempo sempre tendem a se refletir no corpo. Isto lembra o filme de Peter Greenaway, O livro de cabeceira, e alude a frase de W. Benjamin, "os emblemas reaparecem como mercadorias”.6

Não estou eludindo o fato, indiscutível, de que este exibicionismo seja uma demonstração da funcionalidade dos corpo, entendida na frase: "dar uma boa impressão", simpática com o mundo das relações públicas, e de forma geral, com o mundo formalizado dos costumes, da cortesia e trato ocidental. Mas o que interessa é o outro lado do exibicionismo. O polo antitético da funcionalização é o da descontração, que não significa necessariamente menos enfeite, senão uma maior flexibilidade nas situações e nos contextos. Exibicionismo que se pauta não como interregno do mundo laboral, senão como centralidade no projeto de vida. Exibicionismo lúdico como epopéia pós-moderna dos corpos.

As coisas e os corpos são exibidos sob o facho cosmético, que dizer são adornados (enfeitados); seus defeitos escondidos, suas virtudes realçadas: a troca das aparências. Falarei, então, do corpo cosmético, o que quero designar com ele, e quais os discursos que o nutrem.

Por cosmética - produtos cosméticos - vou entender além de perfumes, cremes faciais, cremes corporais, batons, tinturas para cabelos, esmaltes para unhas, bloqueadores solares, etc., toda a mixórdia de artefatos do corpo, jóias em geral, incrustações, escarificações, tatuagens e, of course, as diferentes técnicas cirúrgicas destinadas a promover a beleza, melhorar o aspecto ou dissimular os defeitos físicos. Esta definição (arte-factualidade do corpo), diferente das oficialmente reconhecidas nos órgão regulamentadores oficiais da indústria cosmética (ANVISA, FDA), se revela mais útil para analisar a dimensão

6 Ainda para reafirmar o anterior, Maffesoli nos diz: en lo que podemos llamar el mundo imaginal posmoderno.

Es decir, un mundo donde la imagen, bajo sus diversas modulaciones, es el elemento esencial del lazo social. Se trata de una utopía vivída en lo cotidiano, tanto es así que la imagen es omnipresente, Ib.

estritamente corporal da sociedade cosmética, pois é no corpo, na sua qualidade de cenário e laboratório das impressões, onde a cosmética exprime e potencializa seus discursos.7

A hiper-estetização se atinge por saturação. No percurso da sociedade cosmética, um período que abarca pouco mais de um século e duas décadas, se vivenciou tudo, se experimentaram todos os estilos, se inovou e se criaram todas as possíveis modas e rebites, até chegar ao ponto que a revolução estilística se transformou em suplantação, reversão, repetição, acentuação, recuperação e destaque do banal. A sucessão de estilos é quase instantânea, e os pólos diametralmente opostos chegaram ao ponto da contigüidade. A saturação na moda e no estilo tem conduzido a um paroxismo: incorporação e substituição por modelagem conceitual do étnico (indianismo, chinesismo, africanismo, etc.) do natural, do high tech, da forma exagerado e volumosa, ao estilo sóbrio e minimalista.

A hiperestetização é o menos profético na moda, dissolve a vanguarda ao ignorar o discurso da originalidade e antepor no seu lugar o ecleticismo, o barroquismo, a mescla espontânea de todos os estilos. A vanguarda, a linha de frente da estética, o mais chique do momento não aparece mais como o grande detonador dos gostos o das atitudes culturais, e nisso concordo com Daniel Bell (1992), senão como o grande segmentador das ilusões e das eleições no ato de consumo. A vanguarda, me refiro ao fenômeno em cidades da América Latina, tais como Lima, Buenos Aires, São Paulo e México, perde-se incorporando-se em todos os estilos e performances. Nestas cidades até o "sem estilo" soma-se à hiperestetização. Se nos detemos e observarmos as multidões que se movimentam nas ruas dos centros administrativos e comerciais de qualquer uma destas cidades veremos reinando a dissolução do estilo. Todo mundo recicla e mistura elementos das mais diversas épocas da biografia e do

7 A parição da cirúrgica cosmética coincide com o surgimento da cultura de beleza de massas, isto é com a

cosmética stricto sensu. Este é o momento da ideología democrática de auto-melhora adotado pelas mulheres de classe média urbanas, finais do século XIX e começo do XX. Por tanto, pode se afirmar que as técnicas de transformação do corpo são paralelas às da parência, Davis, 1999.

armário para se produzir; convivência arretacada pelo estilo, também nesses contextos a massa se extravasa radicularmente em um não sentido do consumo.8

A hiper-estetização é de tal natureza que me dá a impressão de estar sendo projetada como uma ponte ligando os extremos do quotidiano com os da celebração, os atos repetitivos e fastidiosos com a explosão espontânea, a sociabilidade reprodutiva com o mero impulso derradeiro de energia pulsante. A mania da maquilagem, enquanto ritual do habitual, todos os dias dentro do metrô da cidade do México, o corpo em exposição das meninas tatuadas na praia Mole em Florianópolis, o barroquismo do piercing e até as malhas imitando tatuagens no último desfile Christian Dior, são fenômenos da hiper-estetização. La manita de gato (mãozinha de gato) parecem instigar essa parte da maquilagem social do mundo urbano da América Latina. Cidades que sempre estão sendo reformadas, abertas, costuradas, modernizadas. Este análise do inacabado merece mais atenção da que nos é possível dar neste espaço, qualquer forma sua menção nos permite ver na hiper-estetização uma disposição anímica pós-moderna atravessando toda projeção monumental, o corpo não desmente.

1.3.4 Processo de individuação

Outline

Documentos relacionados