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Corporeidade e educação estética

No documento 2009AndreaBonaUghini (páginas 44-46)

1 ADOLESCÊNCIA E VULNERABILIDADE SOCIAL

1.7 Corporeidade e educação estética

Falar em corporeidade é falar sobre a realidade corporal, carnal, do homem. No entanto, existe ainda uma grande dificuldade para o homem se compreender como realidade corporal, ou seja, uma unidade, em que não se oponha o espírito à carne, ou o corpo à alma.

Os mitos que falam das origens do ser humano apontam a modelagem do corpo como o momento primeiro do surgimento da espécie humana sobre a face da terra. A corporeidade, como um existencial mundano do homem, está presente desde as origens como um dos elementos que compõem o ser humano. Sua transformação em objeto de investigação cientifica é muito recente e só aconteceu no contexto das preocupações da biologia. O corpo humano sempre fora visto a partir daquilo que se julgava o especificamente humano, o Logos, a Razão, a Alma, a Psiqué, ou a Consciência. (SANTIN, 2000, p. 48-49).

A dificuldade de compreensão por parte dos sujeitos de si mesmos parece ser sustentada pela forte influência do modelo cartesiano7 na história da humanidade, pois o corpo foi comparado à máquina, dilacerado, dissociado, dicotomizado.Assim, esse pensar conduz a compreendermos o ser como corporeidade, definida por Freitas (1999) como aquilo que

implica, a inserção de um corpo humano em um mundo significativo, a relação dialética do corpo consigo mesmo, com os outros corpos expressivos e com os objetos de seu mundo (ou com as coisas que se elevam no horizonte de sua percepção).O corpo toma-se a permanência que permite a presença das “coisas mesmas” manifestarem-se para mim em sua perspectividade; toma-se o espaço expressivo por excelência, demarca o início e o fim de nossa condição humana.Mas ele como corporeidade, como vivenciado, não é o início nem o fim: ele é o meio no qual e por meio do qual o processo de vida se perpetua. (1999, p. 57).

7 Cartesianismo: filosofia própria de Descartes e, por extensão, doutrina filosófica de seus discípulos. Toda a obra de Descartes visa mostrar que o conhecimento requer, para ser válido, um fundamento metafísico. Ele parte da dúvida metódica: se eu duvido de tudo o que vem pelos sentidos, e se duvido até mesmo das verdades matemáticas, não posso duvidar de que tenho consciência de duvidar, portanto de que existo enquanto tenho essa consciência de duvidar,. O cogito é, pois, a descoberta do espírito por si mesmo, que se percebe que existe como sujeito: eis a primeira verdade descoberta para o fundamento da metafísica e cuja evidência fornece o critério da idéia verdadeira. Assim, a metafísica é fundadora de todo saber verdadeiro. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1996, p. 67).

O autor mostra a relação de troca que é estabelecida pelo sujeito com os outros corpos e com o meio em que está inserido, uma relação que se perpetua pela expressividade dos corpos como seres únicos e diferentes, portanto vivos. Tais relações se firmam pelo caráter perspectival pelo qual são absorvidas e incorporadas no viver de cada ser que se permite vivenciar sua própria corporeidade como uma construção dialética.

Nesse sentido, percebemos que a corporeidade é uma construção individual, mas que se baseia nas relações dialéticas estabelecidas com tudo que faz parte do mundo e da vida.

A corporeidade amplia o universo humano, e isso implica em riqueza de vivências significativas na relação do ser com o mundo. O corpo humano, como corporeidade como permanência que se constrói no emaranhado das relações sócio-históricas e que traz em si a marca da individualidade, não termina nos limites que a anatomia e a fisiologia lhe impõem, mas supera o corpo biológico do animal e atinge a dimensão da cultura. (FREITAS, 1999, p. 56-57).

As palavras citadas conduzem-nos a pensar sobre a corporeidade dos adolescentes, no período de mudanças que caracteriza essa fase de sua vida e que, possivelmente, vão influenciar todo seu viver e seu autoconceito. Nesse sentido, a educação estética torna-se absolutamente necessária, pois, possivelmente, por meio dela o adolescente possa compreender as mudanças que acontecerão no seu corpo, sejam fisiológicas, sejam psicológicas ou sociais. Assim, com maior conhecimento de seu ser, de seus sentimentos, poderá vivenciar essa fase de forma positiva para si.

Compreendida como a relação que o sujeito mantém consigo, com o outro e com o mundo, o entendimento acerca da corporeidade parece se articular diretamente à consciência estética, sendo possível mostrar essa articulação quando admitimos que o sujeito possuidor de amor próprio também terá amor para com seu semelhante. Assim, acreditamos que o conhecimento de si, a própria compreensão como ser humano, como ser de relações conduz o sujeito a se sensibilizar ao outro, à compreensão do outro como semelhante, portanto detentor de direitos, deveres, necessidades comuns e incomuns a cada um.

Na atualidade, o individualismo exacerbado parece estar causando conseqüências catastróficas no relacionamento entre os seres humanos, pois é possível constatar as mais diferentes formas de desrespeito à vida humana e à natureza. O individualismo pode provocar o distanciamento daquilo que é constitutivo do humano, o sentimento. Nesse sentido, é necessário considerar que os adolescentes são, desde seu nascimento, influenciados por esse cenário, que muitas vezes se torna ainda mais invasivo numa fase em

que o sujeito em sua integralidade passa por um período decisivo em sua vida: a transição da infância para a adolescência.

“O corpo é o veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente”. (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 122). Considerando o dizer do autor, é possível afirmar que o adolescente, como um corpo no mundo, está inserido em determinados meios sociais que servem de base para sua construção enquanto subjetividade. Esses contextos sociais possivelmente determinarão os valores que eles assumirão para sua conduta moral. Nesse sentido, o corpo é o meio pelo qual cada sujeito existe; também é o meio pelo qual cada ser percebe o mundo em que se insere e onde concretiza de diferentes maneiras sua realidade carnal. É nesse corpo dotado de emoções que o invadem e evadem por meio de seus órgãos dos sentidos que o homem sente que é e existe.

No documento 2009AndreaBonaUghini (páginas 44-46)