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Vulnerabilidade social

No documento 2009AndreaBonaUghini (páginas 32-36)

1 ADOLESCÊNCIA E VULNERABILIDADE SOCIAL

1.4 Vulnerabilidade social

Questões cruciais e sérios problemas desafiam as políticas que enfocam o desenvolvimento social, entre as quais está o crescente problema do contingente de adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Estes, possivelmente, são vítimas de situações precárias e das mínimas, ou nenhuma, condições para garantir uma participação ativa no processo de conquista da cidadania.

Apesar do uso histórico do termo “vulnerabilidade social”, as aproximações analíticas à vulnerabilidade social datam apenas dos últimos anos, período em que houve maior reflexão a respeito dos limites dos estudos sobre a pobreza e os escassos resultados políticos associados a esses na América Latina. (ABRAMOVAY, 2002). A autora registra:

Os primeiros trabalhos ancorados na perspectiva da vulnerabilidade social foram desenvolvidos, motivados pela preocupação de abordagem de forma mais integral e completa não somente o fenômeno da pobreza, mas também as diversas modalidades de desvantagem social. Tais obras se destinaram a observar os riscos de mobilidade social descendente e as configurações vulneráveis que não se restringiram àqueles situados abaixo da linha da pobreza, mas a toda população em geral.” (ABRAMOVAY, 2002, p. 14-15).

Ainda segundo Abramovay, esses estudos partiram da compreensão de que o fenômeno do bem estar social é dinâmico, bem como suas múltiplas divisões e causas. Pontua o fato de na América Latina a abordagem analítica da vulnerabilidade social ter acontecido por meio dos trabalhos de Caroline Moser e seu grupo do Banco Mundial e, ainda afirma que o estudo de Moser e seu grupo sobre estratégias de redução da pobreza urbana (1998) destaca o caráter dinâmico da problemática, o que, no olhar da formulação de políticas públicas, representou inovação.

A partir da situação em que um conjunto de características, recursos e habilidades inerentes a um dado grupo social se revelam insuficientes, inadequados ou difíceis para lidar com o sistema de oportunidades oferecido pela sociedade, de forma a ascender a maiores níveis de bem-estar ou diminuir probabilidades de deteriorização das condições de vida de determinados atores sociais. (VIGNOLI, 2001 apud ABRAMOVAY, 2002, p. 31).

Parece ser importante ressaltar o fato de Abramovay (2002) frisar que a situação relatada na citação num plano estrutural pode se expressar por uma forte inclinação ao sentimento de incerteza e insegurança por parte desses sujeitos.

Refletindo sobre o exposto, observa-se que os sentimentos gerados pelo conjunto de características que identificam a situação de vulnerabilidade social podem conduzir os sujeitos a duas possibilidades: ou conseguem ser resilientes com sua situação e potencializam formas para reagir em busca de seu bem-estar como cidadão, ou ficam apáticos com a situação e não reagem positivamente a ela, muitas vezes se encaminhando para situação pior.

A expressão vulnerabilidade social sintetiza a idéia de uma maior exposição e sensibilidade de um indivíduo ou de um grupo aos problemas enfrentados na sociedade e reflete uma nova maneira de olhar e de entender os comportamentos das pessoas e grupos específicos e sua relação e dificuldades a serviços sociais como saúde, escola e justiça. (ADORNO, 2001, p. 11).

Adorno (2001) comenta que, na esfera da saúde pública, o termo “vulnerabilidade” foi conceituado por Jonathan Mann ao expor um “modelo” de como pensar o vírus da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) e o contexto socioeconômico, explicando quais grupos e indivíduos seriam mais ou menos vulneráveis. No entanto, ao originar a noção de vulnerabilidade nessa esfera, buscou incorporar a idéia de direito para alterar as condições de vida que toda pessoa deveria ter, promovendo a igualdade para todos; ainda, deslocou o ponto de vista que discriminava o modo de ser e as condições de vida de cada sujeito como um acontecimento de sua inteira responsabilidade.

Refletindo sobre a citação de Adorno (2001) e seu conteúdo, na perspectiva do conceito de vulnerabilidade social, é possível dizer que caracteriza uma situação na qual a precariedade nas condições de vida, incluindo trabalho, moradia, alimentação, saúde, lazer, educação, favorece ao desencantamento pelo viver. A constante situação pode gerar a banalidade do fato e impedir o sujeito de tentar lutar pela melhoria dessas condições. No caso dos adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade social, observa-se

que a maioria enfrenta a situação porque responsáveis também estão enfrentando a mesma realidade, já que são membros de um grupo familiar que, mesmo muitas vezes desestruturado, constituiu-se e comunga, de certa forma, da carência.

Os fatores que supõem a vulnerabilidade, para Tarin e Navarro (2006), são aqueles que tratam de características pessoais e do entorno sociorrelacional próximo, que colocam o adolescente em uma posição de indefeso e frágil diante do processo de desenvolvimento que enfrenta. O grau de vulnerabilidade a que o adolescente se vê submetido refere-se aos déficits nas dimensões apresentadas a seguir:

• a estrutura e dinâmica familiar: segurança, hábitos, afetos, organização, referência de valores e normas.

• habilidades pessoais: possibilidades de comunicação, hábitos sociais, resolução de conflitos e capacidades cognitivas.

• afetividade: autoestima, relações interpessoais, sexualidade, controle e expressão das emoções.

• contexto social: normalização, âmbito de socialização, grupos de pares, equipamentos e recursos socioculturais.

• redes de apoio social: solidariedade primária e pluralidade de referências educativas.

É possível identificar, com base nas dimensões acima apresentadas por Tarín e Navarro (2006), que a situação da vulnerabilidade é complexa e perpassa fatores que vão desde o contexto de vida familiar, as características e habilidades do sujeito; mantém relação com o contexto social, as questões de afetividade, chegando à oferta de atendimento das redes de apoio social. No entanto, não é possível quantificar quanto da “vulnerabilidade” em que se encontra o adolescente é de responsabilidade dele, da família, ou das outras esferas que podem colocá-lo nessa situação.Contudo, sabe-se que a tendência é de colocar sobre o próprio adolescente a responsabilidade por tal situação, e embora ele possa ter certa responsabilidade.

No entanto, a realidade de estar numa situação de vulnerabilidade social não pode somente ser dispensada ao próprio sujeito, mas também à sociedade, que não se estruturou para as alterações de seu sistema socioeconômico, o que diretamente afeta a vida dos sujeitos e avassaladoramente, cada vez mais, parece colocar sujeitos inocentes num estado vulnerável e encaminhá-los, ao longo de seu desenvolvimento, como seres humanos, para a própria destruição.

Dessa maneira, percebe-se que o fenômeno titulado “vulnerabilidade social” comporta uma atuação inter e multidisciplinar, que tenha como objetivo, ao menos, minimizar essa situação. Essa atuação é possível de se efetivar quando o envolvimento com a problemática não ficar somente a cargo dos profissionais ou do governo, mas da sociedade no geral, pois um futuro social comunitário, menos violento e mais harmonioso, de uma maneira ou outra, está nas “mãos” dos adolescentes de hoje.Assim, torna-se necessário tirar os adolescentes de ambientes inadequados para seu desenvolvimento,do ócio, do perigo cada vez mais presente em suas vidas: a rua.

Tarín e Navarro escrevem:

Na rua se sobrevive, e a sobrevivência conduz a utilização de técnicas pouco convencionais para desenvolver-se com comodidade. Todo tipo de enganos, justificações, violências, seduções se aprende com rapidez. [...]. As drogas ocupam papel de destaque, na rua se conhecem, se provam, se aprende a comprar e vender e sobre todos se outorga a normalidade [...]. Se aprende a conviver com a ilegalidade, a despistar a família, a intimidar o desconhecido todas operações que prontamente o adolescente assimila e concebem para si certa segurança frente ao contexto, disfarçando outras carências que trata de esconder. (2006, p. 43-44).

A citação acima mostra claramente a vulnerabilidade a que adolescentes se expõem no seu cotidiano quando a família e as outras esferas responsáveis por seu cuidado falham e os colocam no caminho da decadência como ser humano.

Assim, parece ser preciso que a sociedade se comprometa com a problemática, conhecendo o que está acontecendo em seu interior para poder agir cotidianamente no sentido de suas intervenções possibilitarem, no mínimo, a diminuição do problema. Portanto, parece que uma das formas de a sociedade e cada sujeito auxiliarem na busca por soluções para a problemática é estarem atentos àquilo que acontece ao seu redor e que envolve crianças e adolescentes direta ou indiretamente, zelando para lhes garantir um desenvolvimento mais justo e feliz.

Isso se consegue com ações que buscam oferecer aos mais vulneráveis meios para que possam ampliar o leque de oportunidades de participação social, de acesso aos serviços e ao mercado de trabalho. O contratempo dessa realidade não pode ser outro que não o processo educacional. (ADORNO, 2001, p. 13).

Nesse sentido, educar, para Adorno, significa desenvolver circunstâncias em que os adolescentes possam criticamente reinterpretar sua trajetória e condição presente de vida.

O raciocínio da “carência” não pode impedir uma ação que nos permita ouvir, olhar, compreender, imaginar, conhecer e reconhecer que pode haver projetos de vida, expectativas, comportamentos diferentes dos nossos; se assim ocorrer, há a possibilidade de se aprender com a troca de experiências.

É isso que o raciocínio a partir do conceito de vulnerabilidade permite. Ele se articula com a percepção de que o local de moradia e as condições de vida da família podem ser fatores de dificuldade, de obstáculo na realização dos projetos pessoais do jovem, ao mesmo tempo que favorecem estilos de vida e de integração social que podem adicionar riscos a sua trajetória. Mas esse enfoque parte fundamentalmente do pressuposto de que é preciso pensar nos jovens sempre como agentes e protagonistas de suas histórias e de que a diversidade do mundo e das pessoas é sempre maior do que aquela que situamos numa primeira observação, num primeiro olhar, num primeiro raciocínio. (ADORNO, 2001, p. 13).

Assim, parece importante lembrar que, não sendo responsabilidade somente do sujeito encontrar formas para amenizar ou acabar com a sua situação de vulnerabilidade social, e especificamente nos reportando ao adolescente nessa situação, é necessário destacar que as dificuldades encontradas em sua vida muitas vezes parecem ser amenizadas por meio da violência nas suas mais diferentes formas, ou seja, a maneira como julgam pode ser compensada pelo que lhes falta na comparação com outros de sua espécie.

Teoricamente, todos os sujeitos deveriam ter oportunidades para seu desenvolvimento. Contudo, na sociedade atual as disparidades parecem se tornar cada vez maiores e, de certa forma se impulsionam processos de socialização por meio da cultura da violência.

No documento 2009AndreaBonaUghini (páginas 32-36)