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CAPÍTULO II Dos primeiros nomes da terra: o sistema sesmarial e a colonização

2.3 Do corpus do trabalho

2.3.1 DAS SESMARIAS DE SERGIPE DEL REY

Os registros das cartas de sesmarias de Sergipe Del Rey estão distribuídos em três fontes principais, descritas em Salomão (1981, p. 5-6), a saber:

(a) Felisbelo Freire, que editou no Apêndice de sua História de Sergipe, 220 documentos64; (b) Synopsis das sesmarias registradas nos livros existentes no Archivo da Thesouraria da Fazenda da Bahia, que se encontra na Publicação do Arquivo Nacional nº 27, com 160 documentos referentes à Sergipe; (c) Códice 427 do Arquivo Nacional, com 60 documentos de terras de Sergipe, registradas na Tesouraria da Fazenda da Bahia.

Neste trabalho, contemplam-se como corpus os documentos da letra (a), comumente denominados ‘as sesmarias de Felisbelo Freire’. Não se entende que o estudo de apenas parte das sesmarias representa uma limitada amostragem, pois delimitou-se o período inicial da ocupação europeia em Sergipe Del Rey, tempo relativamente harmônico de tais registros (1594-1623)65– menos de 30 anos, o que oferece mais precisão às interpretações e conclusões postuladas aqui.

Os principais motivos para a escolha destes documentos são por: (i) serem as fontes mais antigas e mais abalizadas referentes ao processo de ocupação do solo sergipano; (ii) registro das primárias (e principais) aglomerações do território – povoações e habitantes –nos âmbitos sócio-econômico-geográfico; (iii) reconstrução dos acidentes geográficos, sua nominata e quais as características pontuadas nesses substratos indígenas.

Freire relata que

64 Na 2ª edição de Freire (1977), há 218 cartas transcritas. Mott (2008, p. 138), por exemplo, erroneamente

contabiliza apenas 213.

65 Como dito no subitem 2.2, essas cartas de sesmarias foram transcritas por Felisbelo Freire possivelmente

durante a década de 1880. Embora haja nesse corpus uma única carta datada fora da cronologia proposta no trabalho – a Carta de Sesmaria de 30 léguas de Terra é de 1669 (FREIRE, 1891, p. 421-2) – , insiste-se no marco temporal de 1594-1623, ignorando tal documento da descrição e análise dos dados. Contudo a simples existência dessa carta permite inferir que a distribuição de sesmarias em Sergipe não se extingue com a ocupação holandesa em meados do século XVII. Ao contrário, centenas são os despachos de petições de terra durante os séculos seguintes, até pouco antes da Independência política do Brasil, em 1822.

a escassez de documentos é enorme na história deste período. Ligamo-la ao saque e incêndio que os holandeses fizeram em S. Cristóvão. Nenhum documento podemos encontrar anterior a esta invasão. Tudo foi entregue às chamas, menos o livro de registro das sesmarias que foi conduzido pelos fugitivos (FREIRE, 1891, p. 43).

A área pertencente a Sergipe à época era mais extensa e, como dito, estes documentos estão entre os poucos conclusivos, mesmo que parcialmente, mais fidedignas sobre focos de povoação da capitania, o que permite afirmar que boa parte do que é conhecido dentro do marco espacio-temporal é resultado do conteúdo destes escritos. Prova disso é a exegese freireana sobre Sergipe colonial, que perpassa os relatos deste corpus. Por exemplo, a partir disso podem-se listar cargos e comandantes de alta patente na capitania, já que são nulos os documentos referentes à datação ou nomeação de funções públicas à época, até porque todos os administradores possuíam sesmarias, como o capitão-mor Diogo de Quadros e o primeiro governador da capitania Cristóvão de Barros, permitindo periodicizar acerca das principais lideranças da capitania e das áreas colonizadas, bem como admitem o estudo antroponímico, e mais que isso, da genealogia das elites no estado.

2.3.2 DO ESTUDO CODICOLÓGICO-PALEOGRÁFICO-DIPLOMÁTICO DO CORPUS:

OS MANUSCRITOS SESMARIAIS DE SERGIPE DEL REY

As certidões das sesmarias de Sergipe Del Rey constituem testemunhos autênticos e oficiais do processo de ocupação desse território. Seus fólios denotam certa organização cronológica: os mais antigos datam de 1594, com numeração em caneta esferográfica azul no centro superior dos fólios, visivelmente feita a posteriori. A carta é identificada pelo nome do(s) donatário(s), ou seja, se a concessão foi feita a Thomé da Rocha, a titulação do documento se apresenta centralizada no fólio no genitivo – Carta de Thomé da Rocha. Quando há mais de um donatário, seus nomes vêm destacados da mesma forma, elencados pela conjunção e. Fica entre o título e o protocolo inicial o único espaçamento dado na redação.

Do ponto de vista paleográfico, codicológico e diplomático, pode-se inferir que não apresentam linhas ou margens e o material da grafia é tinta, escrita com pena de ganso. O papel tem coloração castanha, está parcialmente carcomido pelo tempo e por papirófagos. Escritas em verso e anverso, geralmente cada registro de carta de sesmaria ocupa um ou dois fólios, alguns dos quais com pontas dobradas e/ou rasgadas, devido ao modo de conservação. Há diversos sinais de deterioração nos documentos, corroídos pela ação da acidez da tinta

que, por vezes, tomam 40% dos fólios, bem como manchas geradas pelo tempo devido ao mau acondicionamento. A qualidade da tinta por vezes dificulta a leitura a contento, além das diferentes grafias, o que demarca interpolações no texto. Em alguns fólios, a grafia dos escreventes é relativamente inábil, o que torna a leitura por um leitor contemporâneo impraticável.

A letra de escrita é processual com caracteres góticos, muito cursiva, com ductus (cauda) inclinado à esquerda e hastes à direita, própria de documentos do fim do século XV ao fim do século XVII (BERWANGER; LEAL, 2008). A marcação das maiúsculas e minúsculas não apresenta tanto rigor. Há no texto várias abreviaturas, próprias de um texto cartorial com características taquigráficas, como em v.m. = vossa mercê, snor = senhor; antropônimos: Frz.= Fernandes, Frco.= Francisco etc., além de notas baquigráficas (preposições e conjunções, tais como q~ = que, porq = porque). Os nomes de lugares, ao contrário, encontram-se grafados sempre em sua forma integral, pois não eram de ocorrência frequente. Em alguns fólios, encontram-se sublinhações por terceiros, marcas de interpolações. Por exemplo, os fólios nº 53 e 53v, verso e anverso, correspondentes às sesmarias de Luís Álvares e João Dias, estranhamente possuem vários traços verticais por todo o fólio, como se se quisesse anulá-los66.

As certidões das cartas de sesmarias, independente de qual capitania ou século, possuem especificidades que a caracterizam como um gênero de texto. Nelas, as formas textuais são evocadas e se repetem, e, nesse processo contínuo de evocação e repetição, conservam elementos linguísticos. Spina (1977, p. 56-57), descreve os constituintes formais de um documento, que bem se encaixam ao presente corpus:

i) os protocolos das cartas de sesmarias de Sergipe Del Rey constituem a parte encomiástica, tendo aí os elementos característicos desta parte do documento: a invocação divina, que indica a ainda forte influência católica tanto no espírito da época pós-tridentino quanto nos atos da Coroa luso-espanhola, com menções a Jesus Cristo, pela nota tironiana Ihus xpo e o ano de escritura da carta; a intitulação refere-se à descrição do cargo exercido pelo redator da carta. Nesse caso, Thomé da Rocha, “capitão e governador o Snr. Thomé da Rocha governador geral de todo este estado do Brasil nas pousadas de mim escrivão ao diante nomeado por despacho ao pé dela do dito Sr. Capitão e Governador da coal petisão e despacho o treslado”, assina a carta juntamente com Manoel André, “escrivão dos dados nesta capitania”. O endereço destas cartas não se destina a um único receptor, mas sendo de caráter

público, destina-se ao conhecimento geral. Isso pode ser notado na saudação vista no início destas, que sempre começa com uma sequência injuntiva: “Saiban(m) (...)”. Até por certa rigidez na estrutura documental, Freire (1891), a partir da segunda carta, exime a transcrição do protocolo, recorrendo ao uso de etc. como expediente para a omissão desta parte introdutória nas 217 cartas seguintes (1891, p. 349-422), transcrevendo tão somente o título da carta, ou seja, seu donatário, o local de residência deste e sua justificativa para a efetivação da doação.

ii) quanto aos elementos do texto, divididos em preâmbulo, notificação, narrativa, dispositivo, cláusulas finais, há a identificação do donatário, uma pequena biografia e principais justificativas para a doação, as quais geralmente se especificam a localização, as dimensões e quais serviços são pretendidos para o território doado. Ao mesmo tempo em que há omissões de localização em certas cartas, outras fornecem dados preciosos quanto ao sítio, extensões e forma de aproveitamento da terra, transferências, heranças, vendas ou desistências de terrenos devolutas por parte dos peticionários. Interessam, sobremaneira, informações acerca dos nomes dos acidentes geográficos – objeto desta investigação. Após essa petição, há o despacho, cujo início é marcado nos manuscritos com o símbolo # (sustenido), com a garantia da terra mencionada pelo governador ou capitão-mor;

iii) após o texto, há o escatoloco, com a data (local, dia, mês, ano) do despacho, que geralmente difere da data de petição; validação da petição e assinatura do escrivão e do concessionário. Não há, por exemplo, selos tampouco sinais (figuras identificativas) após a assinatura do escrivão devido à menor relevância destes documentos cartoriais, se comparados a atos régios. Por este corpus tratar das certidões dessas petições, atente-se para o fato de que as cartas de sesmarias originais ficavam em posse dos donos das glebas, as quais se desconhecem haver algum original no presente.

Minha menina Estrela matutina Brinco sem dinheiro Como é bom ser brasileiro Minha menina Estrela matutina Vivo só brincando Como é bom ser sergipano.