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Dos estudos toponímicos em Sergipe: uma seara ainda desértica

CAPÍTULO I Da Toponímia: princípios teóricos dos nomes de lugares

1.3 Da sistematização dos estudos toponímicos

1.3.3 Dos estudos toponímicos em Sergipe: uma seara ainda desértica

Pode-se afirmar que os estudos toponímicos em Sergipe ainda carecem quantitativamente de investigações científicas. Sem tradição na área de Linguística, tais estudos tendem a ficarem a cargo de áreas e profissionais afins. Cobertas por uma áurea de curiosidade e norteadas por forçosa marca identitária de pertencimento, são majoritariamente buriladas por historiadores, que pintam cenários de época e pincelam telas, por meio de artigos, sobre os nomes de lugares da terra serigy.

A obra prima nesse campo, publicada na Revista do IHGSE, é o Glossario Etymologico dos nomes da Língua Tupi na Geographia do Estado de Sergipe, de 1916, com um estudo morfossemântico-geográfico dos topônimos grafados nesse estrato linguístico até início do século passado. De autoria de Armindo Guaraná (1848 – 1924), mesmo passada quase uma centúria, este artigo com fins lexicográficos ainda carece de uma edição especial, em separado, digna da fundação, singularidade e aprofundamento dos estudos toponímicos no estado, até pelas incursões etimológicas áridas e, por vezes, controversas apresentadas.

O próprio autor confessa serem várias as descrições semânticas incertas, bem como a hipotética origem tupi de alguns topônimos. Por exemplo, lê-se na entrada lexical para Catolé: ”Há dúvida sobre ser de origem tupi” (p. 304), ou Catambra: “De significação incerta” (ibidem). Existem ainda os topônimos cuja etimologia é motivo de impasse entre Guaraná e seus revisores41. Corrobora para tal o completo apagamento de línguas nativas no território sergipano, o que dificulta estudos nessa área.42

É inegável a dificuldade de decomposição etimológica, mesmo no tupi, o maior e mais bem documentado tronco linguístico dentre as línguas autóctones brasileiras43. Paramopama (ribeira, rio, várzea ou esteiro), citado no corpus deste trabalho uma dezena de vezes, numa outra dezena de grafias diferentes, é assim destrinchado por Guaraná:

pirá: peixe; mopoam: enganar, illudir; o peixe enganou, phrase que serve para indicar a ausencia de pesca em certas marés, não obstante ser o rio abundante em peixes. O Dr. Th. Sampaio decompõe diversamente este

41 Há, no cabeçalho, o seguinte subtítulo: ”Organizado em 1886, ampliado em 1914 e revisto pelo Visconde de

Beaurepaire Rohan e Dr. Theodoro Sampaio”.

42 Por seu turno, o estado vizinho Alagoas investiga Yaathe, do povo Fulni-ô, uma língua em eminente extinção, com enfoque nas línguas Pano e do tronco Macro-Jê. Capitaneados por Aldir Santos de Paula e Núbia Rabelo Bakker Faria, da UFAL, objetiva-se compor um banco de dados o mais abrangente possível acerca da língua Yaathe, cujo banco de dados seguirá os modelos hoje adotados por bancos de dados de línguas em perigo de extinção, contendo materiais transcritos, anotados e acessíveis à comunidade.

43 Assim, até pelo não aprofundamento dos estudos tupinológicos, não se arriscou formular nenhuma explicação

etimológica nas fichas deste trabalho – limitando-se a descrever aquelas expostas por Guaraná (1914) e outros dicionários toponímicos brasileiros.

vocábulo, dando-lhe a significação de – peixe que fáz que bata, peixe ás pancadas: pirá-mopoma (1916, p. 316).

Fora o artigo supracitado, como dito, os estudos toponímicos sobre Sergipe ficam restritos a artigos e menções. Sobressaem nomes como Luís Antonio Barreto e Francisco José Alves44, mas outros tantos nomes da História45, vinculados ao Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe ou à Universidade Federal de Sergipe, se entrelaça[ra]m pelo tema. No entanto, desconhecem-se trabalhos na área de Geografia que tratam da Toponímia como fenômeno da geografia cultural.

Especificamente quanto ao corpus, há de se listar outros trabalhos de mesmo escopo, a exemplo de Mott (2008)46, Goveia (2010)47 e Guaraná (1916)48. Neles percebem-se coincidências e diferenças de dados e de teses que auxiliaram este trabalho sobremaneira, seja pelo tratamento do corpus, seja pelas reflexões acerca do contexto histórico.

Na área de Letras, especificamente, tem-se conhecimento do estudo ainda embrionário sobre a Toponímia de Aracaju, com base na Semântica do Acontecimento, proposta por Guimarães (2002), a partir de postulados da Análise do Discurso, sem que haja outros trabalhos que se possa relatar, certamente fazendo do presente trabalho um pioneiro, na Universidade Federal de Sergipe, no trato da matéria toponomástica sob a ótica linguística em nível stricto sensu.

44 Dos inúmeros trabalhos do professor publicados em revistas semanais, artigos em jornais locais e em revistas especializadas, destacam-se: ALVES, F. J.. Contribuição à Arqueologia de Sergipe Colonial. In: Revista do IHGSE, v. 34, 2005, p. 39-53; ALVES, F. J.. Mocambos e quilombos na toponímia de Sergipe. Jornal da Cidade, Aracaju, 6-7 de julho de 2000, Caderno B, p.6; para citar alguns.

45 Entre eles: MENEZES, Wanderley. Considerações sobre a etimologia da palavra “itabaiana”: Interdisciplinar. São Cristóvão. nº. 6, Jul/Dez 2008, p. 155‐165; ALBUQUERQUE, Samuel. Aspectos do Baronato sergipano (1848 – 1889). In: Revista do IHGSE, v. 33, p. 105-127, 2002; CARDOSO, Amâncio. Escravidão em Sergipe: fugas e quilombos, século XIX. In: Revista do IHGSE. Nº 34, p. 54-73, 2005; SANTOS, Ulisses Silvano. Toponímias de Engenhos da Província de Sergipe no século XIX. 2006. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em História) - Universidade Federal de Sergipe. Orientador: Francisco José Alves.

46 Mott (2008) escreveu, em seu livro sobre Sergipe Colonial e Imperial, um artigo enumerando os nomes de

lugares encontrados nas “cartas de sesmarias de Sergipe Del Rey”. Há entre este trabalho e a presente dissertação uma desigualdade de dados, além de diferentes abordagens – histórica e linguística, respectivamente – quanto à Toponímia.

47 Goveia (2010), em seu trabalho de conclusão de curso de História apresentado na Universidade Federal de

Sergipe, trouxe como pontos favoráveis ao seu estudo índices onomástico, temático e toponímico a partir do conteúdo relatado nas sesmarias de Felisbelo Freire, todos com listagem remissiva. Além disso, transcreveu numa versão modernizada das cartas de sesmarias apresentadas na obra de Freire (1977), mesmo com sérios problemas ortográfico-gramaticais. Já Mott (2008), em uma coletânea de artigos sobre Sergipe Colonial e Imperial, escreveu um artigo específico com uma investigação toponímica nas cartas de sesmarias.

48 Guaraná (1916) será confrontado sob a perspectiva de manutenção toponímica. Como esta obra trata de

topônimos tupis encontrados no fim do século XIX, pretende-se inventariar quais topônimos se fazem ainda presentes após trezentos anos de colonização e, consequentemente, contato linguístico.

Alegrai-vos, Sergipanos, Eis que surge a mais bela aurora Do áureo jucundo dia Que a Sergipe honra e decora (...) Eis, patrícios sergipanos, Nossa dita singular, Com doces e alegres cantos Nós devemos festejar. Mandemos porém ao longe Essa espécie de rancor; Que ainda hoje alguém conserva Aos da província maior. A união mais constante Nos deverá consagrar, Sustentando a liberdade De que queremos gozar. Se vier danosa intriga, Nossos lares habitar, Desfeitos aos nossos gostos Tudo em flor há de murchar. (Hino do Estado de Sergipe. Letra por Manoel Joaquim de O. Campos e melodia por Frei José de Santa Cecília)