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2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESPAÇO URBANO

2.1.1 O cotidiano no espaço urbano

No decorrer das nossas inquietações, na obtenção de novas leituras e, principalmente, nas constantes visitas ao bairro do Alecrim, observamos que o estudo das práticas cotidianas veio a ser de grande serventia para o entendimento das questões abordadas nesta pesquisa. O acervo de trabalhos acerca desta temática vem crescendo nos últimos anos no Brasil, porém, em nosso recinto acadêmico, estes ainda não podem ser encontrados com facilidade, uma vez também que o temário do cotidiano vem, somente nos últimos anos, se constituindo como campo propriamente conceitual de pesquisa científica na Geografia.

As leituras nos mostraram que o estudo do cotidiano vem a ser uma categoria de análise da realidade socioespacial da cidade, que mexe com sua

história, com o vivido e com o concebido, ou seja, com a realidade construída pelo homem.

De acordo com Heller (1992, p. 18), “[...] todo homem vive o cotidiano, por isso, é heterogêneo, isso sob vários aspectos, sobretudo no que se refere ao conteúdo e à significação ou importância de nossos tipos de atividade”.

Segundo a referida autora, não importa qual seja sua posição na divisão do trabalho intelectual e físico. Não há quem consiga se desligar completamente da cotidianidade como também não há nenhum homem que viva somente na cotidianidade. O cotidiano é:

[...] ao mesmo tempo abstrato e concreto; institui-se e constitui-se a partir do vivido. Com isso ele traz o vivido ao pensamento teórico e mostra aí uma certa apropriação do tempo, do espaço, do corpo e da espontaneidade vital. Apropriação esta sempre em vias de expropriação. O cotidiano, ele próprio, é uma mediação entre o econômico e o político, objetivação e estratégias do Estado no sentido de uma gestão total da sociedade; lugar de realização da indústria cultural visando os modelos de consumo, no que se destaca o papel da mídia (SEABRA, 1996, p. 77).

O cotidiano vem à tona em pleno duelo do permanente versus o mutável e algo construído pela sociedade, o qual vem a fragmentar seus componentes (CARLOS, 2001a). “Com o papel que a informação e a comunicação alcançaram em todos os aspectos da vida social, o cotidiano de todas as pessoas assim se enriquece de novas dimensões” (SANTOS, 1999, p. 257). Dimensões que, em particular, caracterizam o papel da vizinhança na produção da consciência, identificando-o no íntimo da densidade social, pela “[...] acumulação que provoca uma mudança surpreendente movida pela afetividade e pela paixão, e levando a uma percepção global, holista, do mundo e dos homens” (SANTOS, 1999, p. 255). Este sistema de vizinhança compreende ao menos duas dimensões distintas:

[...] As atividades relativas à vizinhança (a ajuda e o empréstimo mútuos, as visitas, os conselhos, etc.) e as relações sociais propriamente ditas (a saber, a ligação entre relações de amizade, familiares, de vizinhança, participação em associações e centros de interesse, etc.). O conjunto destes comportamentos exprime a definição cultural do papel do vizinho; este papel varia em intensidade e intimidade, segundo as dimensões e segundo as normas culturais interiorizadas pelos diferentes grupos sociais (CASTELLS, 1983, p. 125, grifo do autor).

Segundo Park (1973, p. 31), temos que atentar ainda que a:

Proximidade e contato entre vizinhos são bases para a mais simples e elementar forma de associação com que lidamos na organização da vida citadina. Interesses e associações locais desenvolvem sentimento local e, sob um sistema que faz da residência a base da participação no Governo, a vizinhança passa a ser a base do controle político. Na organização social e política da cidade, é ela a menor unidade local.

Encontramos, nestes espaços, um ambiente propício para a reprodução das relações sociais na cidade. Nesse aspecto, temos a produção do espaço como um processo fundamental para a compreensão destas relações inseridas e enfocadas em todas as dimensões e escalas espaciais de uma cidade como, por exemplo, de um bairro, uma rua ou mesmo dentro de sua casa.

A cotidianidade das cidades passa por esse processo de produção de espaço. Assim, tanto o indivíduo produtor de materiais e mercadoria como aquele produtor de práticas cotidianas mostram-se como sendo a mesma pessoa, aptas a reafirmar a nossa condição de humanidade.

Portanto, o termo produção torna-se bastante amplo, quando nos remetemos à produção de obras e de relações sociais; conteúdos do espaço produzido pelo homem. Lefebvre (1991, p. 47, grifo do autor) ressalta que:

[...] houve na história uma produção de cidades assim como houve produção de conhecimentos, de cultura, de obras de arte e de civilização, assim como houve, bem entendido, produção de bens materiais e de objetos prático-sensíveis. [...] a cidade como obra de certos “agentes” históricos e sociais, isto leva a distinguir a ação e o resultado, o grupo (ou os grupos) e seu “produto”.

Assim, o estudo do cotidiano urbano perpassa pela investigação de um processo histórico de produção do espaço, e os eventos históricos supõem a ação humana desta construção e manutenção do espaço geográfico (SANTOS, 1999).

Entretanto, não podemos deixar de colocar que, no complexo dinamismo presente na sociedade urbana moderna, o cotidiano urbano vem se configurando como modo de vida adaptado às circunstâncias e formatos de emprego do tempo, traduzido nas formas de uso do espaço (SEABRA, 2004).

O cotidiano urbano mostra-se como um importante campo das ciências humanas a ser explorado pela Geografia e utilizado com mais freqüência em nossos trabalhos acadêmicos. Inserir a discussão do cotidiano como uma de nossas preocupações foi uma decisão que nos ajudou a perceber o espaço do bairro alecrinense. Entendemos ainda que o fazer histórico não pode ser estabelecido apenas pelo pensamento. Torna-se necessário buscar a compreensão da vida cotidiana no processo de construção da realidade daquele espaço.

Com essa visão, percebemos, nos dias atuais, o rápido processo de expansão do espaço urbano, uma vez que as cidades convivem com uma dinâmica de mutação, com a complexidade cada vez maior imposta ou determinada pelo desdobramento das relações capitalistas, que por sua vez tem, na divisão do trabalho; o seu processo de expansão, acarretando, assim, a desconfiguração do espaço vivido, das comunidades urbanas, ou seja, dos espaços conhecidos como bairro.

2.2 UMA DISCUSSÃO SOBRE BAIRRO:

DIVERSAS DEFINIÇÕES E ALGUNS