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4 O DIREITO PÚBLICO DE ACESSO À NATUREZA

4.2 COUNTRYSIDE AND RIGHTS OF WAY ACT 2000

O Direito Público de Acesso à Natureza, também conhecido como “direito de vagar” (ANDERSON, 2007, p. 377, tradução nossa) é um direito positivado existente na Inglaterra e no País de Gales. Ele permite ao cidadão não-proprietário acessar determinados imóveis rurais pertencentes a terceiros com o fim de acessar a natureza para fins meramente recreativos, sem a permissão expressa do proprietário. Nesse sentido, o Direito Público de Acesso à Natureza é um avanço sobre a prerrogativa do proprietário de recusar a entrada de terceiros em sua propriedade, conhecido como o direito de excluir.

O CRoW, legislação que regulamenta o Direito Público de Acesso à Natureza na Inglaterra e País de Gales, entrou em vigor no ano de 2000 (ENGLAND AND WALES, 2000). Em 2009 o CRoW foi expandido pelo Marine and Coastal Access Act 2009 (MCA)

(ENGLAND AND WALES, 2009), que por sua vez normatizou o acesso às áreas costeiras da Inglaterra e País de Gales. Ambos estão em vigor desde então.

O CRoW foi a positivação na Inglaterra e no País de Gales do então costume de acessar a natureza para fins de subsistência e recreação. É a formalização legislativa do milenar costume inglês de vagar pelo campo, e legalizou o acesso a 10.000 km2 de terras que

anteriormente poderiam sofrer restrições de acesso por parte dos proprietários, tornando-as acessíveis (GRAY, 2010, p. 48). É estimado que o CRoW tornou acessível 12% do total da área compreendida pela Inglaterra e País de Gales (ENGLAND AND WALES, 1998).

O objetivo do CRoW é criar um novo direito de acesso estatutário em alguns tipos de terras, modernizar os direitos públicos de passagem e reforçar as leis de conservação ambiental. Busca equilibrar os novos direitos de passagem e acesso com a responsabilidade de usuários e proprietários. Códigos de conduta, tanto para os primeiros quanto para os segundos, foram confeccionados para esclarecer os direitos e deveres de ambos (ENGLAND AND WALES, 2000).

Historicamente, o CRoW também pode ser entendido como uma restauração dos poderes dos cidadãos não proprietários sobre o acesso à terra perdidos durante o processo do cercamento nos séculos XVI a XIX (ANDERSON, 2007, p. 434). Dentre diversas disposições apresentadas no CRoW destaca-se os critérios de acesso, a regulamentação das áreas acessíveis e os limites do acesso.

4.2.1 Critérios de Acesso

O CRoW delimita os direitos e deveres tanto de quem acessa como de quem tem o controle das propriedades sujeitas ao Direito Público de Acesso à Natureza. Este instrumento regulamentou extensamente o direito do cidadão de vagar sobre áreas rurais pré-mapeadas independentemente de ter a propriedade ou posse delas (ENGLAND AND WALES, 2000).

O texto do Capítulo I, Seção 2 do CRoW, é o que representa melhor a extensão de direitos concedidos: “Qualquer pessoa tem o direito por virtude dessa subseção de entrar e permanecer em qualquer terra acessível para propósito de recreação ao ar livre” (ENGLAND AND WALES, 2000, tradução nossa). Um pedestre pode ultrapassar cercas e adentrar as terras acessíveis. Pode ver os pontos de interesse (do inglês sightseeing), observar aves, escalar e correr (ENGLAND AND WALES, 2000). O acesso pode ser feito à pé, e, onde o costume local permitir, à cavalo ou bicicleta (ENGLAND AND WALES, 2000), a qualquer hora do dia ou noite, e é condicionado ao acesso responsável e razoável do acessante (GRAY, 2010, p. 48).

De acordo com o CRoW, o proprietário não pode interferir com o direito público de acesso, tampouco de desencorajar os pedestres de qualquer forma, como com a colocação de placas de “entrada proibida” (ENGLAND AND WALES, 2000). Se a área é acessível, o proprietário não pode colocar nenhuma placa que afirme erroneamente a inacessibilidade da área, ou obstruir o acesso (ENGLAND AND WALES, 2000). Segundo Anderson, até mesmo colocar uma placa dizendo “cuidado com o touro” pode ser entendido, nos termos do CRoW, como um obstáculo que o proprietário coloca ao direito público de acesso àquela propriedade (ANDERSON, 2007, p. 382).

Notadamente, o CRoW não dá ao proprietário o direito a nenhuma indenização ou compensação financeira. Por outro lado, o proprietário da terra acessada por terceiros é isento de responsabilidade civil (ENGLAND AND WALES, 2000). Nesse sentido, o proprietário pode colocar placas indicando que a terra é acessível e ressaltando a existência de riscos no local (Anexo A). O proprietário não responde por nenhum ferimento causado a terceiro por força de uma característica física da propriedade, como uma ravina, árvores, lagos e açudes, naturais ou não, e a ultrapassagem de cercas por terceiros. A isenção da responsabilidade civil do proprietário excetua-se somente quando há má-fé comprovada, ou quando deliberadamente ele agrava um risco (ENGLAND AND WALES, 2000).

4.2.2 Áreas Acessíveis

Embora o CRoW seja um grande avanço no Direito Público de Acesso à Natureza, nem todas as áreas rurais podem ser adentradas, e esta legislação estabelece quais áreas poderão ser acessadas.

Segundo Anderson, o Departamento do Meio Ambiente inglês considera a zona rural (do inglês, countryside) um bem nacional, que é uma inestimável parte da herança nacional (ANDERSON, 2007, p. 394). O Parlamento Inglês criou uma autarquia chamada Natural

England, que tem como propósito promover e conservar a qualidade da vida rural e do campo

para a apreciação de todos (ANDERSON, 2007, p. 394). Dentre as atribuições do Natural

England está a de mapeamento das áreas rurais, cuja previsão legal se encontra expressamente

no CRoW (ENGLAND AND WALES, 2000).

As áreas rurais a serem acessadas podem ser de diferentes espécies: algumas tem que ser previamente mapeadas pelo Natural England, enquanto outras não (ENGLAND AND WALES, 2000).

As áreas acessíveis que necessitam de mapeamento prévio passam por um processo formal para sua habilitação: primeiro, o Natural England faz um esboço dos mapas, sobre os quais são feitos críticas e sugestões, por parte da comunidade e de técnicos (ENGLAND AND WALES, 2000). Após essas informações adicionais sobre o mapa serem levadas em consideração, é feito um mapa provisório. Sobre o mapa provisório o proprietário pode apelar para uma instância superior, que por sua vez apontará uma comissão para dirimir a questão, inclusive usando de instrumentos como audiências e consultas públicas (Anexo B) e inspeções

in loco (ENGLAND AND WALES, 2000). Após esse procedimento, a área mapeada poderá

ser classificada como acessível (Anexo C). As áreas acessíveis pelo CRoW devem necessariamente ser mapeadas até a data-limite de 1º de Janeiro de 2026 (ENGLAND AND WALES, 2000).

Já as áreas acessíveis que não requerem mapeamento prévio são as localizadas a uma altitude superior a 600m acima do nível do mar; as terras comunais que não sofreram o cercamento; e as terras nas quais o proprietário autorizou irrevogavelmente o acesso (GRAY, 2010, p. 48). Normalmente essas áreas acessíveis que não requerem mapeamento prévio são pantanosas, desérticas, montanhosas, costeiras e de pastagem (ENGLAND AND WALES, 2000). Adicionalmente, o CRoW permite o uso ocasional de trapiches e estradas privadas, desde que não seja usado veículo automotor (ENGLAND AND WALES, 2000).

O CRoW também elenca diversos tipos de terras cujo acesso não se tornou permitido. As áreas não acessíveis pelo CRoW são as terras usadas na agricultura ou jardins, pedreiras, campos de golfe e circuitos de corrida; também não são acessíveis terras cercadas ao redor de moradias habitadas; as usadas para infraestrutura, como estações elétricas, turbinas eólicas, ferrovias, aeródromos, construções e áreas militares. As terras com destinação econômica trabalhadas pelo proprietário, como plantações ou pomares, também não são acessíveis, bem como terras adjacentes à casa e outras edificações (ENGLAND AND WALES, 2000).

Para a definição de quais áreas rurais deveriam ter seu acesso público liberado, foram levados em consideração alguns aspectos. Segundo Anderson, “O Parlamento escolheu categorias específicas de terras que contém maior valor de beleza cênica, portanto valiosas para o público, enquanto ao mesmo tempo apresentando pouco potencial de danos [à propriedade]” (ANDERSON, 2007, p. 432, tradução nossa). Assim, o Parlamento Inglês procurou balancear os interesses públicos com os privados, buscando o máximo aproveitamento público das terras acessíveis e o mínimo de incômodo aos proprietários. Quanto à questão econômica dos possíveis danos às propriedades, entendeu-se que o potencial de dano que os proprietários

seriam submetidos pela abertura do acesso público era pouco relevante (ANDERSON, 2007, p. 431). A conclusão do Parlamento Inglês é de que os benefícios da concessão do Direito Público de Acesso à Natureza são muito maiores do que os possíveis incômodos a serem suportados pelos proprietários.

4.2.3 Limites do Acesso

O Direito Público de Acesso à Natureza, regulado pelo CRoW, não é absoluto. Ele também limita as ações que podem ser praticadas por não-proprietários nas terras acessíveis. O cidadão que acessa essas áreas tem o dever de não retirar da terra nenhum fruto do trabalho do proprietário, nem danificar de qualquer forma a propriedade ou perturbar a vida privada e a intimidade do proprietário. É proibido acampar, retirar frutos (exceto silvestres), fazer fogueiras e usar veículos automotores (ENGLAND AND WALES, 2000). Outras condutas proibidas são caçar, nadar, remover plantas ou árvores, andar à cavalo ou bicicleta ou interromper atividades legais do proprietário; levar animais (exceto cachorros); acampar, usar detector de metais, praticar atividades comerciais, danificar cercas ou deixa-las abertas; deixar lixo, perturbar os animais dolosamente ou cometer algum crime (ENGLAND AND WALES, 2000).

A sanção a quem cometer alguma dessas infrações civis elencadas é a perda do direito de acesso durante 72 horas (ANDERSON, 2007, p. 407). O texto legal não deixa claro de que forma se dará a aplicação dessa sanção.

Finalizada a apresentação das disposições do CRoW e a forma pela qual se dá o Direito Público de Acesso à Natureza na Inglaterra e País de Gales, passa-se a análise do Direito Público de Acesso à Natureza à luz da função social da propriedade.

4.3 O DIREITO PÚBLICO DE ACESSO À NATUREZA COMO EXERCÍCIO DA

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