• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – MEDIAÇÕES, TECNOLOGIA E ENSINO-APRENDIZAGEM

1.4 Mediação e Gêneros Discursivos

1.4.3 CPP e CCD: dois gêneros em destaque para dois tipos de mediação

Esta dissertação buscou comparar duas plataformas de ensino aprendizagem de línguas não com o intuito de entender como funcionam os programas chat ou fórum, mas sim os gêneros chat nessas duas plataformas, quais sejam o gênero Chat Pedagógico Plurilíngue no Galanet e o Chat Colaborativo em Duplas do Busuu. Isso porque, a partir da análise do gênero é possível encontrar as situações de produção de mediações político- pedagógicas e mediações tecnológicas, uma vez que o tema, a construção composicional e o estilo desses gêneros refletem tais mediações.

A fim de atingir tal objetivo, para a fundamentação teórico-metodológica desta pesquisa foram utilizados dois conjuntos de conceitos relacionados a dois autores em particular, quais sejam as formulações teóricas de Bakhtin (1997, 2003) sobre dialogismo, plurilinguismo, intercompreensão e gênero discursivo (este, em especial, tomado como

44

chave para o equacionamento metodológico da pesquisa) e os postulados de Herring (2004a, 2004b) sobre o problema da análise do discurso em CMC, discutidos no capítulo 1, além das bibliografias sobre aprendizagem colaborativa discutidas no capítulo 2.

Bakhtin nos fornece uma rede interligada de conceitos úteis para o entendimento do problema em foco na pesquisa. Tomamos por princípio mais fundamental de seu pensamento o conceito de dialogismo, o qual podemos resumir recorrendo a duas asserções interconectadas em sua obra: (i) toda palavra é endereçada a um outro com quem dialoga e (ii) toda palavra, necessariamente ideológica, por ser social, é povoada por outras vozes. Essa formulação traz à luz a complexidade das interações de ensino-aprendizagem de línguas analisadas e nos permite ir além das noções de “decodificação” e de “competência linguística” na reflexão sobre colaboração.

Cada enunciado produzido nos encontros interculturais plurilíngues mediados pelas ferramentas tecnológicas do Galanet e do Busuu põe em contato, e portanto faz hibridizarem-se, vozes sociais como a do professor ou aluno responsável pela sessão, dos formuladores dos projetos como um todo, dos designers/implementadores dos recursos tecnológicos utilizados e dos contextos sociohistóricos e geopolíticos em que estão situados os participantes. Essas vozes, que se apóiam, ressoam e são refratadas diferentemente nas/pelas possibilidades formais e pela pragmática de cada uma das línguas envolvidas, produzem uma dinâmica interativa social e intercultural que leva os sujeitos a confrontarem-se constantemente, e de forma possivelmente mais consciente do que no caso da interação face-a-face entre falantes de uma mesma língua nacional, com a necessidade de situar-se em relação ao outro, às políticas das plataformas e à tecnologia mediadora.

As interações no Galanet e no Busuu evidenciam a tensão entre as forças de centralização e unificação, que Bakhtin denomina como centrípetas, e de descentralização e desunificação, chamadas por ele de centrífugas, constitutivas, com destaque, dos processos discursivos da cultura digital. A teoria bakhtiniana prevê que, justamente por conta dessa tensão, a língua pode ser estratificada em termos de gêneros discursivos, cujos elementos formais (lexicológicos, semânticos, sintáticos etc.) estão organizados em função de um

45

sistema de acentuação próprio de uma dada esfera de atividade e situação comunicativa em cada contexto sócio-histórico de enunciação. A atividade discursiva em cada esfera é também afetada pelos dispositivos técnicos que medeiam a interlocução, e estes, por sua vez, influem no uso que os interlocutores fazem das possibilidades formais oferecidas tanto pela língua enquanto sistema quanto pelos meios de representação da língua previstos no sistema tecnológico utilizado.

Os gêneros são, obviamente, sempre híbridos, já que são sempre formados por vozes e elementos formais heteróclitos, historicamente constituídos. Interessou à pesquisa, portanto, entender o funcionamento de um dos gêneros constitutivos da atividade no Galanet, o Chat Pedagógico Plurilíngue, e o gênero Chat Colaborativo em Duplas no Busuu nos termos da sua constituição tais como propostos por Bakhtin. (2003): conteúdo temático, estilo e construção composicional.

Ao conteúdo temático de um gênero corresponde o que Bakhtin (2003, p. 289) chama de “um determinado conteúdo semântico-objetal” normalmente presente no discurso, e que varia conforme o campo ou esfera de atividade discursiva que ajuda a constituir. No caso do Galanet, e dos chats plurilíngues, esse conteúdo temático é relativamente flexível, uma vez que os interlocutores estão por vezes justamente a tratar de definir qual seria o tema das discussões plurilíngues seguintes, mas há uma estabilidade relativa no interesse dos interlocutores pelos temas “língua do outro” e “mediação tecnológica”. No Busuu, o conteúdo temático está à mercê dos participantes, que até tem a possibilidade de escolher falar sobre o tema proposto pela plataforma, mas preferem usualmente os temas pessoais, bem como o tema “aprender línguas” em suas interações.

O estilo está relacionado, para Bakhtin, com as escolhas lexicais, morfossintáticas fonético-fonológicas, entre outras, que revelam a “relação subjetiva emocionalmente valorativa do falante com o conteúdo do objeto e do sentido do seu enunciado” (BAKHTIN, 2003, p. 289). No caso dos chats do Galanet e do Busuu, ganham especial importância escolhas estilísticas calcadas (i) nas possibilidades e impossibilidades expressivas associadas à mediação tecnológica, e (ii) na necessidade de os falantes

46

atenderem, por vezes, a objetivos pedagógicos propostos por seus tutores no Galanet e pelos próprios participantes no Busuu.

Finalmente, a construção composicional do gênero oferece ao enunciador uma determinada estrutura formal (tipos e sequências relativamente estáveis de partes formais) pela qual seu intento discursivo pode ser realizado mais economicamente ou mais previsivelmente pelo seu interlocutor. No caso dos chats, essa construção composicional pode ser inferida a partir da recorrência de certos padrões interativos, ou sequências de enunciados tipologicamente distinguíveis, que vão estruturando a colaboração e, ao mesmo tempo, podem ser relacionados às restrições e possibilidades oferecidas pela mediação tecnológica.

Herring (2004a) nos permite estabelecer uma conexão teórico-metodológica, - não isenta de limitações, mas útil, - com Bakhtin, quando afirma que cada modalidade de CMC é também definida culturalmente, isto é, que cada modalidade de CMC (chat, email, listserv etc.) apresenta sua própria história e cultura de uso (cultures of use). Assim como há culturas de uso diferentes associadas a várias modalidades de CMC, explica a autora, grupos que utilizam instâncias diferentes de uma mesma modalidade também produzem “línguas sociais” particulares, que permitem ao analista distinguir tais grupos culturalmente.

A ligação entre os dois aparatos interpretativos torna-se clara quando se considera que as escolhas linguístico-discursivas refletem as circunstâncias dadas pelas variáveis contextuais, tecnológicas e/ou situacionais. Cada nível de funcionamento da linguagem oferece, portanto, um nível de análise das mensagens trocadas e, logo, uma faceta descritiva da manifestação, ou não, do conceito em exame na linguagem produzida naquele evento, ou conjunto de eventos, em CMC.

Reunindo e sintetizando as contribuições de Bakhtin e Herring para o equacionamento metodológico da pesquisa, pode-se dizer que uma maneira de apresentar o tipo de diálogo colaborativo possibilitado pelo Galanet e pelo Busuu é examinar os gêneros

47

híbridos de ambas as plataformas, que são produzidos na colaboração e que ao mesmo tempo produzem-na para o ensino-aprendizagem de línguas mediado por computador.

1.5 Definindo mediação tecnológica e mediação político-pedagógica para os propósitos