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Crédito, sob o aspecto financeiro, conforme abordado por Ventura (2000), refere-se à disponibilização de determinada quantia para ressarcimento posterior. Além da abordagem monetária, o crédito também pode ser definido como um ato de confiança e como qualidade atribuída a quem toma algo emprestado.

Considerado instrumento importante e eficaz para redução da pobreza, o crédito é mais que um negócio. Segundo Yunus (2000), trata-se de um direito humano, razão pela qual as nações devem buscar uma política que permita aos pobres sair da pobreza, facilitando a eles o acesso ao crédito.

De acordo com Maes (2006), o acesso aos serviços de crédito e de depósito é uma forma de fornecer, aos pequenos empreendedores, meios para executar um papel ativo na economia. Na perspectiva de Cruz (2006), as iniciativas de crédito destinadas aos pequenos tomadores vêm-se incrementando nos países com o objetivo de ampliar a acessibilidade para pessoas que estão fora do sistema financeiro tradicional.

Neste contexto se insere, especificamente, o microcrédito. Trata-se da concessão de empréstimos de baixo valor a pequenos empreendedores informais e microempresas, que normalmente não possuem acesso formal ao sistema financeiro tradicional, principalmente por não terem como oferecer garantias reais. É um crédito específico voltado à produção (capital de giro e investimento), e é concedido com o uso de metodologia específica (BARONE et al., 2002).

32 É visível a ineficiência do mercado de crédito brasileiro como indutor do desenvolvimento. Mais da metade dos trabalhadores brasileiros não tem acesso ao crédito porque são considerados de alto risco para o mercado financeiro em decorrência de seus baixos salários. Diante dessa situação, surgiram, em meados dos anos de 1990, várias experiências de microcrédito voltadas especificamente para esses setores considerados de alto risco para o mercado financeiro tradicional (CALDAS, 2002). De acordo com Santos (2009), evidências empíricas sugerem que no segmento dos micros empreendimentos informais com baixos níveis de faturamento e com precariedade dos negócios, a massificação do acesso ao crédito depende de instituições especializadas em microfinanças que: possuam estrutura de governança; realizem uma análise de risco eficiente frente à falta de registros contábeis formais e o “caixa único” do negócio e da família; possuam incentivos apropriados para inibir a seleção adversa e o risco moral; utilizem mecanismos de garantias adequados; e operem com custos compatíveis com os pequenos volumes das operações.

Dentre os diversos fatores que têm sido discutidos na literatura brasileira a fim de explicar o crédito escasso e raro, Coutinho et al. (2009) apresentam: a concorrência entre a expansão do crédito e as operações de Tesouraria dos bancos, dada a alta atratividade dos títulos públicos no Brasil; a taxação elevada dos serviços financeiros; a dificuldade de recuperação judicial do crédito, apesar dos avanços como a Nova Lei das Falências; e a concentração do mercado bancário brasileiro. Segundo Levorato (2009), uma série de fatores explica o fato da utilização de serviços financeiros estar aquém da capacidade do Brasil, dentre estes fatores, cita-se a inadequação, ao perfil da população, de algumas normas e leis que regem produtos e serviços e que têm impacto sobre a inclusão financeira.

Uma característica significativa do microcrédito, segundo Silveira (2005), é sua forma solidária de financiamento, no sentido de que grupos de interesse são formados para garantir que o usuário efetue o pagamento. Ribeiro e Botelho (2005:11) esclarecem afirmando que o “aval solidário vem a reduzir o risco moral, uma vez que cada integrante do grupo monitora as atividades produtivas dos demais”. De acordo com Thedim (2009), no mercado tradicional, as garantias reais servem para minimizar os efeitos deletérios da informação imperfeita, enquanto no mercado de microcrédito produtivo, os avais têm cunho mais moral do que colateral real.

33 Outra característica do microcrédito são os prazos curtos de pagamento, sempre ligados à finalidade do financiamento e ao fluxo de caixa da atividade empresarial. Desta forma, o pagamento de financiamento para capital de giro deverá ser compatível com o giro de mercadorias ou da produção e comercialização, enquanto os prazos dos investimentos em máquinas deverão atender a capacidade de retorno financeiro (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, 2006).

Além dessas características, o microcrédito, do ponto de vista institucional, deve ser lucrativo e sustentável, existindo, para tanto, três caminhos, conforme Berger (2006): upgrading, que se refere à criação de uma instituição financeira regulada a partir de uma ONG; downscaling, bancos comerciais e outras instituições financeiras já estabelecidas que passam expandir a forma de atuação em direção aos clientes menores, “microclientes”; greenfields, quando se tem a criação de instituições totalmente novas. A sustentabilidade do negócio em microfinanças é viável nas evidências de diversas instituições de alguns países da América Latina, onde o contexto de microfinanças se caracteriza pela predominância da abordagem com enfoque de mercado. Tanto o interesse social quanto o financeiro tornam-se viáveis com o incremento da escala (quantidade de clientes atendidos) e do escopo (variedade de serviços prestados), além de outros fatores interferentes (FELTRIM; VENTURA; DODL, 2009).

Conforme Pereira et al. (2009), o setor de microcrédito tem expandido em velocidade menor do que a requerida pelo universo empreendedor de baixa renda, entre outras razões, porque tem trabalhado em escala com apenas um produto, sendo que os empreendedores possuem necessidades diversas que abrangem desde capital de giro até financiamento de investimentos, antecipação de recebíveis, entre outros.

A grande expansão dos canais de distribuição, produtos e volumes de crédito, ocorrida nos últimos anos no Brasil, ainda não encontrou equivalência no segmento dos pequenos negócios. A eficiência e modernização do sistema financeiro brasileiro, a tradição do crédito dirigido, os inúmeros fundos públicos para funding de operações de crédito mostram-se insuficientes para alterar esse quadro. Para sua superação, a crítica quanto ao desinteresse dos bancos em financiar pequenas empresas deve dar lugar ao desenvolvimento de estratégias que levem em conta a racionalidade econômica tanto do lado da oferta como da demanda no mercado de crédito (SANTOS, 2009).

34 Segundo Coutinho et al. (2009), o atendimento às necessidades particulares das micro e pequenas empresas (MPEs) na prestação de serviços financeiros básicos ainda é incipiente, tendo como limitador à expansão desse segmento a falta de apoio do setor bancário privado, pouco propenso a compartilhar os riscos dos negócios, especialmente em razão da alta mortalidade das MPEs. Por este motivo, os referidos autores defendem que os benefícios sociais do microcrédito justificam o apoio público a essas operações.

Como exposto por Thedim (2009), se por um lado adota-se a premissa de que o Estado não deve operar empréstimos e outros serviços financeiros, por outro lado, reconhece-se sua prerrogativa e legitimidade para articular programas de desenvolvimento, de primeiro, segundo e terceiro pisos, para expandir a oferta de serviços microfinanceiros.

De acordo com Cavalcante (2003), o microcrédito pode ser entendido como uma alternativa viável de política pública de geração de emprego e renda, constituindo-se como proposta capaz de ampliar as oportunidades para realização de negócio dos microempreendimentos formais e informais no contexto local. O autor acrescenta, ainda, o fato dos programas de microcrédito utilizarem uma metodologia de análise e concessão de crédito adaptada às características de seu público-alvo, com a presença marcante dos agentes de crédito e com o uso da garantia baseada no aval solidário. Tal característica insere o microcrédito em um conjunto de ferramentas de política pública para geração de emprego e renda.

Neste momento torna-se interessante proceder a distinção entre o microcrédito e as microfinanças. O microcrédito está inserido em um contexto mais amplo denominado microfinanças, o qual engloba todos os serviços financeiros para populações de baixa renda, inclusive financiamento ao consumo. Segundo Soares e Melo Sobrinho (2008), as microfinanças abrangem a oferta de serviços como conta corrente, poupança, seguro, orientação empresarial, incluindo o crédito produtivo e o crédito para consumo, direcionado àqueles que não necessariamente desenvolvem atividade produtiva. Righetti (2008), ao apresentar definições de microfinanças aponta que tais definições possuem em comum o elemento de caracterizar as microfinanças como serviços financeiros, que incluem o microcrédito, as micropoupanças, o crédito imobiliário, entre outros, fornecidos com metodologias próprias para a população de baixa renda.

35 Enquanto o microcrédito tem por objetivo fomentar as atividades produtivas, as microfinanças visam a oferecer serviços financeiros à população de baixa renda. As microfinanças são consideradas, de acordo com Monzoni (2006), um instrumento importante de geração de renda e redução da pobreza, tornando-se uma estratégia de desenvolvimento econômico e social dentre as políticas públicas.

Conforme Souza (2010), a indústria de microfinanças, com suas especificidades próprias na oferta de crédito e serviços financeiros à população de baixa renda, é formada por instituições financeiras convencionais e instituições de microfinanças (IMFs) que compreendem: os bancos públicos e os bancos privados, os quais podem trabalhar com o mercado de microcrédito por meio de carteira especializada, sem abandonar seu nicho tradicional (primeiro piso) ou por meio do repasse de recursos às demais IMFs, responsáveis pela operacionalização da carteira de microcrédito (segundo piso); as financeiras; os “bancos do povo”, aqueles que operam por meio de fundos públicos, estaduais e municipais; e as Organizações Não Governamentais (ONGs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) e Sociedade de Crédito ao Microempreendedor (SCMs).

Segundo Neri (2008), as microfinanças têm por objetivo aumentar o fluxo do sistema financeiro nos seus diversos segmentos, dando ênfase especial ao crédito, e também à poupança e ao seguro. Podem ser percebidas como uma provisão de serviços financeiros de pequena escala para negócios e famílias tradicionalmente mantidas à margem do sistema financeiro.

Silva (2007) também chama a atenção para a distinção entre o microcrédito, o microcrédito produtivo e o microcrédito produtivo orientado. Segundo o autor o microcrédito é o serviço de crédito para a população de baixa renda; o microcrédito produtivo, por sua vez, trata-se do serviço de crédito de pequeno valor para as atividades produtivas; por fim, o microcrédito produtivo orientado relaciona-se ao serviço de crédito para as atividades produtivas, baseado no relacionamento personalizado entre a instituição de microcrédito e o empreendedor, por meio de agentes de crédito.

Segundo Barone et al. (2002), é fundamental que o microcrédito seja concedido de forma assistida, tendo em vista que o tomador nem sempre vislumbra o crédito como investimento no seu ramo de negócio e, por isso, o papel dos agentes de crédito que, além de levar as informações e orientações essenciais para o êxito do negócio, realizam um diagnóstico da situação financeira e dos aspectos gerenciais do

36 negócio, dimensionando a viabilidade do crédito a ser concedido, participando, desta forma, de todo o processo de liberação e recebimento do crédito.