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Créditos Performados ou Não Performados

4. ELEMENTOS DA SECURITIZAÇÃO E SEUS RISCOS INTRÍNSECOS

4.1. O Negócio Jurídico Subjacente

4.1.5. Créditos Performados ou Não Performados

Superadas as diferenças entre os créditos bancários ou não bancários e outros ativos subjacentes indicados no subtítulo 4.1.4, acima, identifica-se outra classificação entre as espécies de crédito que poderão ser considerados como ativos subjacentes em estruturas de securitização: créditos performados e não performados.

A expressão performados ou não performados é uma figura de linguagem classificada como anglicismo, já que se origina na palavra “performance”, traduzidas como desempenho, efetuação, cumprimento, etc.

Conforme comentado, o negócio jurídico subjacente nas operações de securitização poderá ser um negócio constituído por dois núcleos, ou seja, uma obrigação que origina um crédito e o crédito propriamente dito.

A obrigação que origina o crédito pode ser uma obrigação já cumprida ou uma obrigação futura. Isso significa, respectivamente, uma obrigação já performada e uma obrigação não performada. Embora se diga que o crédito é performado ou não performado, em verdade, o que se pretende dizer é: (i) se a obrigação que gera o crédito foi adimplida, será um crédito performado ou (ii) se tratar de obrigação de adimplemento futuro, será crédito não performado. Nesse último caso não há propriamente um direito sobre um crédito já constituído, mas uma expectativa de adimplemento de uma obrigação que dará direito a um crédito futuro.

Nesse sentido, foi difícil localizar publicações que abordam especificamente o tema, mas foi possível identificar uma que define que: “direitos creditórios, podem ser

117 Cf. Processo Administrativo CVM RJ2009/9811. Nesse processo administrativo entendeu-se que não se

tratavam de direitos creditórios para fins dos fundos regulados pela Instrução CVM 409/04 e Instrução CVM 356/01, podendo ser considerados como tais para fins da Instrução CVM 444/06 e para composição da carteira de Fundos de Investimento em Participações.

classificados como performado, quando o negócio já se concretizou, ou não performado, no qual há mera expectativa de direito”118.

Quanto à diferenciação entre direitos creditórios performados ou não performados, também é possível identificar a classificação dos não performados como créditos futuros, quando há a cessão para um veículo de um crédito que embute uma contraprestação pela entrega futura de produtos ou serviços, enquanto nos performados já existe uma obrigação de pagamento pelo devedor desvinculada de qualquer conduta do credor119.

É importante, no entanto, demonstrar que não é qualquer tipo de direito que é considerado como passível de ser securitizado, como foi o caso do direito de ação. O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários não acatou a utilização do direito de ação para constituição de fundos de investimento em direitos creditórios 120, salvo se houvesse caução do originador do crédito e restrição de público alvo para investidores com conhecimento e capacidade suficientes para suportar perdas121.

Mesmo que o direito de ação fosse considerado expectativa de direito, tal definição se enquadraria na classificação de direitos creditórios, mas a manifestação do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários entendeu que o conceito de direito creditório deveria considerar crédito ou título representativo de crédito122. Assim, constatou que o direito de ação não possui natureza de direito creditório, podendo descaracterizar o próprio fundo de investimento em direitos creditórios, naquele caso, veículo de securitização que seria utilizado em tal operação.

Posteriormente a referida decisão, conforme orientação de seu colegiado, a Comissão de Valores Mobiliários colocou em audiência pública a minuta de instrução que resultou na criação do fundo de investimento em direitos creditórios não padronizados123. Estes admitem

118 PINTO, Ronaldo Nogueira Martins. A Securitização dos Recebíveis Oriundos de Ações Judiciais e outras

Formas. In: Revista de Direito Privado, vol. 17, p. 179.

119TRINDADE, Marcelo Fernandez. PROCESSO CVM RJ 2004/6913, p.2. 120

Observa-se que essa decisão antecede a Instrução CVM 444/06, que criou os fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados.

121 PARENTE, Norma. PROCESSO CVM RJ 2004/5178 122

PARENTE, Norma. PROCESSO CVM RJ 2004/5178

123

Vale ressaltar que em decisões do colegiado dos anos de 2004 e 2005 é possível identificar quantidade maior contemplando a definição de créditos não performados, ou mais precisamente direitos creditórios não performados, pois se tratavam das exceções à regra de direitos creditórios submetidas à apreciação das áreas técnicas e colegiado da CVM, como é possível identificar, a título de exemplo, nos processos RJ 2003/12942 e RJ 2003/12413 pedidos de registros de fundos de investimento em direitos creditórios de companhias de energia elétrica para aquisição de créditos não performados.

expressamente em sua carteira a manutenção de direitos creditórios não performados, dentre outros.

A minuta de instrução colocada em audiência pública também foi resultado de recomendação do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários à área técnica para que elaborasse minuta de normativo que atendesse o recebimento desses direitos creditórios exóticos, tais quais os não performados. O objetivo era avaliar a inclusão de direitos creditórios que não se enquadravam exatamente nos contemplados na regulamentação em vigor até aquele momento124.

Na decisão que recomendou à área técnica a elaboração de minuta de norma encontra-se o reconhecimento como direito creditório do “produto do adimplemento de contratos de parcelamentos de tributos com entes públicos”, com objetivo de que fossem passíveis de utilização para constituição de um fundo de investimento em direitos creditórios. Tal decisão faz terminar este subtítulo não só com a classificação de créditos performados e não performados, mas também com uma terceira subclassificação para esses créditos, que seriam os créditos exóticos, que eventualmente comporão a carteira de veículos específicos de securitização.

A Comissão de Valores Mobiliários, por sua vez, voltou a abordar a questão dos direitos creditórios não performados quando da divulgação do edital de audiência pública nº 4/2006, que tratava da regulamentação dos fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados. A norma a ser editada tinha como finalidade permitir, mediante a adoção das salvaguardas consideradas cabíveis, que referidos fundos adquirissem créditos ainda não constituídos ou condicionais (no caso os direitos creditórios não performados, mas não se limitando a estes) ainda não previstos na então regulamentação vigente 125.

Quanto aos créditos não performados, vale dizer que: “se o crédito condicional foi cedido, o cessionário passa a ser o titular de direito expectativo em lugar do cedente. Se a condição se realiza, nasce-lhe o crédito expectado, de modo que o cedente, em tais circunstâncias teve apenas o direito expectativo – nunca foi credor” 126. Com base nessa explicação, parece relevante levantar a questão, sob a ótica jurídica, acerca da existência do

124

TRINDADE, Marcelo Fernandez. PROCESSO CVM RJ 2005/739, p.5.

125 EDITAL DE AUDIÊNCIA PÚBLICA No 04/2006, p.1.

direito cedido na cessão dos créditos. Isso porque em regra, o cedente responsabiliza-se exclusivamente pela existência do crédito.

É bem verdade que a exemplo do que ocorre na regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários sobre referidos créditos, estes podem somente ser objeto de sua aquisição por meio de um veículo específico, que são os fundos de investimento em direitos creditórios na modalidade não performado. No entanto, à luz da interpretação estritamente jurídica, referido veículo pode eventualmente não ter um direito se o objeto da prestação que geraria o direito não for executado. O credor desse veículo correrá o risco da performance, mais o risco do credor, ou seja, se não satisfeita a pretensão do credor do direito expectativo cedido, este não pagará e não poderá ser executado por isso.

Seria necessário primeiro fazer com que o cedente cumprisse sua obrigação, para que se constituísse o direito de crédito passando assim a existir. Somente depois de constituído o direito de crédito, se inadimplido, executá-lo, desde que o devedor seja devidamente notificado para constituí-lo em mora.

Vale lembrar que a Comissão de Valores Mobiliários, justamente por se tratarem de créditos mais arriscados, tornou obrigatório que estes fossem adquiridos exclusivamente por fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados, os quais podem ser adquiridos exclusivamente por investidores considerados “super qualificados”127 ou fundos de investimento com esse mesmo perfil, tendo o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários determinado essa restrição face aos riscos existentes em tal investimento128.